segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Cozinhando

Amo cozinhar. Desde muito tempo eu gosto de fazer minha própria comida, antes mesmo de me mudar para Porto Alegre, o que na minha cronologia significa que amo cozinhar desde tempos pré-históricos. Porém, é só agora que estou me dedicando de forma quase diária à cozinha que percebo quanto esta atividade me agrada.

Nos últimos tempos, tenho me dedicado mais a aprender e dominar o preparo de grãos que eu considero básicos: feijão, lentilha, ervilha, arroz, grão de bico e o que mais eu descobrir que se enquadre na minha definição um tanto quanto subjetiva de ser um grão e de ser básico.

Hoje, nós ocidentais que moramos em cidades, vamos ao mercado comprar nosso alimento já embalado, limpo, pronto. Um saco de meio quilo de lentilhas aqui em Porto Alegre é igual a um saco equivalente na Bolívia, no Peru ou na Austrália. É, por assim dizer, um objeto a-histórico, e é essa ausência que nos faz esquecer que o prato de lentilhas na sua frente é o fruto de eras de aperfeiçoamento da agricultura. Por muito tempo, populações inteiras dependeram da safra destes grãos como pilar central de sua alimentação, e hoje, graças ao acúmulo tecnológico, podemos nos dar ao luxo de comer todos estes alimentos e poder desfrutar de uma variedade nutricional muito maior.

Este é um motivo para eu chamar estes grãos de "básicos". O outro, intimamente ligado com este, é que eles são o suficiente para uma refeição completa. Claro, fazer um arroz para acompanhar o feijão ou a ervilha vem muito bem, mas não considero absolutamente necessário. É uma alegria muito grande pegar o pacote, abri-lo, pensar em como devo preparar os grãos, em que panela, com quanta água, com quais outros ingredientes, ir misturando tudo aos poucos e, no final, descobrir que ficou bom.

No momento, acredito que estou subindo de nível. Antes, eu cozinhava os grãos e me dava por satisfeito. Agora, estou cozinhando-os para então usá-los como ingredientes para outras receitas mais elaboradas - ou, se este é um adjetivo por demais elitista, com mais passos e coisas por misturar. Já fiz hambúrgueres com lentilha, e pretendo agora fazer bolinhos de arroz e mais hambúrgueres, só com que ervilha. A escolha das receitas que desejo concretizar é um tanto quanto arbitrária, baseada única e exclusivamente no fato de que eu gosto muito de hambúrguer (e bolinho de arroz só não é um tipo de hambúrguer vegetariano por que é bolinho de arroz), mas acredito que minha escolha de fazer pratos com receitas mais complexas é um passo natural da minha evolução como cozinheiro.

Há muito tempo que penso em proceder desta maneira. Ser um bom cozinheiro não significa fazer mil pratos diferentes, extremamente aromáticos e complicados. Talvez seja essa a impressão que temos de programas de TV como Hell's Kitchen e seus genéricos com menos palavrões, onde os candidatos se esmeram e se esfalfam fazendo acrobacias temperísticas para agradar um paladar exigente e uma personalidade intransigente. Não quero diminuir o mérito de fazer receitas assim, mas não gosto de imaginar o impacto que estes shows tem sobre seus espectadores, que podem acabar acreditando que cozinhar é o talento inato de alguns escolhidos, e não algo que pode ser aprendido e apreciado por qualquer um que assim deseje e se esforce.

Minha ideia de bom cozinheiro ou cozinheira é aquele que aprendi no dia a dia, com minha família e meus amigos: saber fazer um arroz soltinho, um feijão bem temperado, um branquinho (aquilo que para além das terras riograndenses chamam de beijinho) bastante cremoso. Dos escoteiros, onde eu conquistei a insígnia de especialista em Cozinha, me resta ainda a exigência autoimposta de saber fazer uma massa, um feijão e um arroz bem feitos independente das condições materiais, climáticas ou geográficas. Pode estar acontecendo um segundo dilúvio e eu ser obrigado a preparar a janta sem luz em uma fogueira de madeira molhada à beira de um barranco de cinquenta metros, mas isso não é desculpa para que a comida não seja gostosa e quente. Na verdade, em uma situação dessas é ainda mais necessário que a comida seja boa, para que haja pelo menos um bom motivo para ir dormir satisfeito.

Em última análise, o mais importante na arte de cozinhar não é fazer muito ou muito grande. É fazer todas as pequenas coisas com grande cuidado e atenção.