quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Informação e Anarquismo

Todas as culturas humanas, sem exceção, dependem da transmissão de informação. Como não podemos depender exclusivamente dos nossos instintos para sobreviver, o conhecimento acumulado ao longo das gerações, bem como aquele que está sendo descoberto e testado aqui e agora, é extremamente valioso. Não quero me alongar muito nesse ponto, mas, para mostrar o quanto isso é verdadeiro, olhe ao seu redor e pense: quais destes objetos que eu uso não foram fruto da troca de informação entre seres humanos? Os livros que você lê, a cadeira em que você se senta, o computador que você usa e até mesmo a construção que você habita são todos frutos do treinamento de alguém, que não seria possível se não fosse nossa capacidade de acumular e transmitir informação.

Então, quem detém os meios de propagação possui um poder bastante considerável. Os melhores exemplos disto são as universidades, que educam a "elite intelectual" de nossa sociedade, e as empresas de comunicação. Quem estiver de bem com estas instituições, está de bem com o poder estabelecido - ganha títulos de Doutor Honoris Causa, é chamado para dar sua opinião de especialista no Fantástico, maiores e melhores propostas de emprego, mais dinheiro e mais influência. Por outro lado, se você está de mal com essas instituições, pior pra você.

Sabendo que a distribuição da informação pode fazer qualquer pessoa ou projeto progredir ou afundar, sempre foi do interesse daqueles que buscam o poder controlar quais informações podem ser divulgadas para o público ou não. Isto fica óbvio quando olhamos de perto as práticas de qualquer ditadura moderna, e vemos que elas gastam uma energia considerável para manter a censura forte, e os jornais estatais como a única fonte de notícias para sua população. Para estados totalitários, qualquer informação dissonante da oficial é uma ameaça, e sua propagação deve ser impedida a qualquer custo. De cada acontecimento, só pode existir uma versão, a do governo, A Verdade, sendo todo o resto classificado como "propaganda subversiva", "mentira de comunistas" ou "lavagem cerebral". Por isso, é do interesse dos governantes ter uma relação de melhores amigos com os meios de comunicação, para que estas endossem "A Verdade" e não dêem espaço para qualquer outra possível explicação.


O problema é que isso não acontece apenas nos chamados estados ditatoriais, mas também nos chamados "estados democráticos". Pode ser que a censura não seja tão escrachada quanto na China ou na Coréia do Norte, mas acontece. A charge ali em cima é uma das coisas mais geniais que já vi na internet, não apenas por fazer uma comparação muito boa entre as antigas capitanias hereditárias e nossa mídia, como também por deixar clara a natureza oligárquica dos nossos meios de comunicação. Vivemos em um país livre? Sim, desde que nossa liberdade não interfira com os interesses das Grandes Famílias ali em cima. O melhor exemplo disso foi o caso em que o filho do sr. Sérgio Sirotsky foi acusado de estuprar uma menina menor de idade. Teoricamente, em uma sociedade livre, tal acontecimento seria de alguma maneira noticiado, por que é o filho de um cidadão bastante importante cometendo um crime bastante grave. Apareceu na RBS? Obviamente não. Aliás, o blogueiro que denunciou o caso foi encontrado morto de maneira misteriosa, o que é uma estranha coincidência, na minha opinião.

Por um lado, a informação deseja ser cara, por que seu valor é muito alto. Mas, por outro, a informação busca ser livre. Não posso garantir esta hipótese, mas tenho a impressão de que o primeiro sinal de que uma ditadura está enfraquecendo é a maior quantidade de fontes diferentes de informação. A maior disponibilidade de meios de notícia, fora do controle estatal, indica que é possível acreditar em outras versões da realidade que não aquela oferecida pelo Estado. Se esta disponibilidade não é a causa direta para a queda de regimes totalitários, certamente é uma variável muito importante a ser levada em conta. Os revolucionários anarquistas e socialistas europeus do século XIX certamente sabiam disso, tanto que, onde quer que fossem, fundavam algum jornal ou revista para servir de meio de transmissão de suas idéias. Como a censura era forte, volta e meia estes jornais e revistas eram fechados ou proibidos de circular, o que apenas fazia com que outros aparecessem em seus lugares.


Fico imaginando o que estes revolucionários do século XIX, especialmente os anarquistas, diriam da internet. Mais interessante ainda seria o que eles fariam com ela. A rede mundial de computadores é o maior experimento anarquista de que tenho conhecimento, com toda essa informação livre correndo por aí e passando de mão em mão, de tela em tela, sem nenhum controle externo muito forte. Também é interessante que os governos dos EUA e da Europa estejam tentando aprovar legislações anti-pirataria que cortariam drasticamente o fluxo de informações entre usuários da internet, como o SOPA, PIPA e a ACTA. Usando do discurso da "Lei e da Ordem", afirmam que a pirataria digital é um perigo para a propriedade intelectual e produção criativa mundial. Acho difícil acreditar nisso, especialmente se considerarmos todos os séculos em que os Estados dominaram os grandes meios de comunicação e transmissão de informação. Muito se debocha da internet, dizendo que ela é 35% pornografia, 35% figuras de gatinhos, 30% pornografia japonesa e 40% pessoas reclamando de barriga cheia (eu uso o sistema russo de porcentagem, a propósito), e que seu poder de propagação de informação ainda é inferior ao dos grandes jornais e revistas. Porém, ela tem o potencial para crescer muito, e tornar-se muito mais influente do que a Mídia Tradicional, e muito mais democrática, no sentido de qualquer um poder contribuir. Acho que os Estados já perceberam esse potencial, e estão tentando cortar o mal pela raiz.

E é aqui que a filosofia anarquista entra mais uma vez. Tal como falei no post anterior, a anarquia não é desordem, mas uma organização que não necessita de um ponto centralizador, como o Estado ou a Igreja. Nela, todos contribuem da maneira que podem. Isso ficou muito claro nas manifestações contra a aprovação das leis anti-pirataria, que foram mundialmente expressivas. Penso que os blogs hoje ocupam o mesmo papel dos antigos jornais subversivos, com muito mais poder de divulgação e muito menos riscos de repressão estatal. Contudo, esta situação não é dada, muito menos natural: é conquistada e merecida. Pode ser ingenuidade da minha parte (como todo bom idealista costuma ser), mas é a partir da colaboração mútua entre indivíduos livres que a nova sociedade está sendo construída, e não da invenção de "novos" sistemas políticos "perfeitos". Manter a internet livre, tal como ela é hoje, sem legislações repressoras, é a primeira e mais crucial tarefa desta construção.