quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A Necessidade de Viver por uma Mentira

Ao longo de toda a sua história, a humanidade sempre esteve à beira da destruição. Mesmo assim, continuamos por aqui, vivendo. Então, o que acontece conosco?

Tive essa semana uma discussão com alguns amigos meus sobre o futuro da humanidade, e a conclusão que todos nós chegamos foi de que a humanidade está destinada a sofrer ainda mais no futuro, e as coisas daqui para frente só vão piorar. Talvez por termos acesso a dados recentes de poluição, política e sociedade, podemos argumentar que nossa conclusão é a mais acertada. Também poderia dizer que, por sermos intelectuais, nós tenhamos herdado a tendência da classe de pensar que o mundo é uma grande porcaria, e que essa porcaria só vai aumentar de tamanho com o passar do tempo, e que nossa visão não é mais acurada do que a de qualquer outra pessoa que pare e pense a respeito da própria vida.

Os seres humanos em geral, e intelectuais de maneira acentuada, têm a tendência a ver primeiro o que está acontecendo de errado, o que causa dor, o que destrói, o que foi perdido e o que será. É, para todos os efeitos, "a visão pessimista da vida", que alguns livros de auto-ajuda modernos diagnosticam como sendo o maior entrave para a nossa felicidade. E, confirmando o que eu disse, são exatamente estes livros os que mais são criticados por que são "otimistas demais" - sofrem da "Síndrome de Poliana", aquela personagem que todo mundo acha chata por que vê algo positivo em todas as desgraças que acontecem na vida dela. "Otimismo", para muitas pessoas, especialmente aquelas da parcela "pensante" da população, é um adjetivo de conotações depreciativas. Os personagens que nós mais gostamos em histórias são aqueles com língua afiada, sempre dispostos a apontar os erros dos outros e como o mundo é uma grande palhaçada. Quanto os otimistas, normalmente eles passam por um longo e doloroso processo, onde todas as suas esperanças infantis são destruídas, e eles também viram pessimistas, ou pelo menos deixam de ser otimistas - adquirem "sabedoria". A ciência aparentemente também confirma essa tendência: um estudo realizado na Austrália encontrou como resultado que pessoas com afetos negativos produzem mensagens interpessoais mais persuasivas e de melhor qualidade do que pessoas com afetos positivos (para que eu não seja acusado de inventar estudos, o título do artigo é "When sad is better than happy: Negative affect can improve the quality and effectiveness of persuasive messages and social influence strategies" por Joseph P. Forgas - pode procurar no Google Acadêmico ou me mandar um e-mail que eu envio o arquivo). Mais do que isso, é quase um truísmo (uma afirmação desnecessária por ser óbvia, como "o sol aparece no céu" ou "o Corinthians nunca vai ganhar uma Libertadores") para a psicologia evolucionista dizer que um viés negativo, isto é, ativamente procurar por estímulos perigosos no ambiente, ajudou nossa espécie a sobreviver e moldou a maneira como pensamos e nos comportamos hoje.

Se formos por este caminho lógico, teremos quase certeza de que "pensamento negativo" é praticamente sinônimo de "pensamento realista". Mais ainda: se você for uma pessoa radical como eu, que vai até às conclusões lógicas extremas de uma idéia, vai também concluir que "pensamento positivo" é também quase sinônimo de "babaquice", e que deveria ser abolido da nossa psiquê. Tal conclusão nos leva a outra pergunta: por que é que não foi abolida ainda, então? Sigamos esse fio um pouco mais, e façamos outras perguntas: se "O Segredo" é tão criticado, por que vende tanto? Se "What the bleep do we know?" foi tão avacalhado e execrado, como é que ele virou o sucesso que é hoje? E por que temos tantos livros de auto-ajuda sobre pensamento positivo nas livrarias, nas bibliotecas, nas mãos de donas-de-casa sobrecarregadas e de empresários empreendedores? Por que continuamos com essa bobagem se ela é tão ilógica e imbecil? POR QUE?

Bueno, acontece que não somos tão lógicos quanto desejamos ser. Para ser franco, a idéia da Razão controlar a Emoção é um ideal relativamente recente, do tempo de Descartes, ou talvez um pouco antes, e uma idéia bastante antiquada, considerando o que a neurociência afetiva tem encontrado a respeito da relação inseparável entre sentimentos e pensamentos nos nossos cérebros. Não somos os seres racionais e ponderados que imaginamos ser. Na maior parte do tempo, somos dominados por fortes emoções que jogam nosso ponderamento para o canto, de onde só sai depois de nos acalmarmos. Este poderia ser considerado o principal motivo para não abandonarmos essa coisa ilógica que é o "pensamento positivo". Mas eu acredito que exista outra razão, ainda mais poderosa do que essa: se nós não abandonamos nossos inadequados padrões de pensamento otimista, é por que nós não podemos viver sem eles.

Lenta, mas constantemente, ao longo da história de nossa espécie, o pensamento positivo vem se tornando mais importante e mais proeminente em nossas vidas. Se nossos antepassados primatas de planície precisavam viver em constante terror para sobreviver e procriar, por habitarem um ambiente hostil e com poucos recursos, nós não precisamos: dominamos nosso ambiente, e desenvolvemos técnicas que, se comparadas com o que tínhamos cinco ou seis séculos atrás, são tão miraculosas quanto tirar leite de pedra. Nesse novo contexto em que nos encontramos, podemos nos dar ao luxo de viver, ao invés de meramente continuar existindo, de desfrutar o que há de bom e belo neste mundo. Podemos nos dar ao luxo, e devemos. Uma coisa que escapou a todos os críticos dos livros de auto-ajuda como "O Segredo" é o fenômeno psicológico por trás deles - as pessoas querem e precisam ser felizes, e estão procurando uma maneira de alcançar esta felicidade. Talvez estejam procurando em todos os lugares errados, como é hábito entre nós seres humanos, mas estão procurando e, um dia, eu espero, encontrarão, nem que seja por breves e doces instantes de êxtase.

O ponto mais importante deste texto, e o que mais quero ressaltar, reside numa pequena descoberta da ciência, ou, melhor dizendo, uma mudança em seus valores. Nós, como seres humanos, não temos acesso à realidade pura ao nosso redor, pois ela sempre é filtrada de alguma maneira pelos nossos sentidos e por nosso organismo. Os estímulos que recebemos de fora de nosso corpo vêm como uma enxurrada desorganizada e caótica, que precisa ser filtrada e organizada. Qual é a maneira "correta" de organizar toda esta informação? Qual o jeito mais próximo à realidade? Nossas capacidades cognitivas limitadas não tem acesso à esta resposta. Nos resta apenas criar nossa visão do mundo do modo mais adequado às nossas necessidades psicológicas, ou, em outras palavras, como nós queremos. De um ponto de vista racionalista, isto é o mesmo que viver uma mentira. E, para ser franco, é mesmo - nós precisamos viver uma mentira, uma verdade que esqueceu de acontecer, por que a "realidade objetiva do mundo" não é boa o bastante. Pessoas deprimidas e com afeto negativo são mais eficazes em ver o mundo tal como ele, mas de que adianta, se isso não nos ajuda a transformar o mundo naquilo que ele poderia ser? As utopias de 100 anos atrás hoje são realidade, por que não acreditar que as utopias de hoje em 100 anos também se realizarão?