quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Tempo e Estrutura

Finalmente, estou de férias. Depois de um longo mês de janeiro trabalhando, algo que nunca antes eu tinha feito, me dei o direito de tirar férias. Logo no primeiro dia de férias, quando constatei que quase todos os meus amigos estavam na praia ou viajando, fui tomado por um sentimento de urgência, de que o tempo está passando e minhas férias escorrendo como areia entre meus dedos. "Você precisa aproveitar o verão" me diz esse sentimento "afinal de contas, é a melhor estação de todas."

Passo na frente de algum outdoor da Coca-Cola, que diz "esse é o verão da sua vida" ou coisa parecida, e o sentimento se acentua. Claramente, não estou acima do condicionamento social e da sugestão das propagandas que se alastram por toda nossa sociedade, e sou tão influenciável quanto qualquer outra pessoa, e caio nessa lenga-lenga que faz todo mundo acreditar que o verão é a coisa mais incrível que existe.

Mas... será que é mesmo enrolação? Será que o verão não é a coisa mais incrível que existe? Segundo Hakim Bey, patrono dos anarquistas pós-modernos (aos quais eu devoto grande simpatia) as férias de verão são quiçá a última Zona Autônoma Sazonal que temos hoje em dia. É o único período do ano em que podemos ser livres de fato, sem restrições de horários ou compromissos marcados, e podemos ser apenas nós mesmos, da maneira que bem queremos. As crianças sabem o que é bom, e eu, que passei mais tempo do que deveria trabalhando demais, também sei: mar, calor e praia, mesmo que no fim das contas eu não tome tanto banho de mar assim, sue feito um porco no espeto e fique igualmente tostado por causa do sol.

Em última análise, nós adoramos as férias por que nelas podemos fazer tudo aquilo que não conseguimos fazer enquanto estamos ocupados (não) estudando ou (não) trabalhando. Aula de violão? Por que não! Ir mais em festas e beber mais em bares na Cidade Baixa? Claro que sim! Buscar aqueles objetivos mais elevados? Oh yeah, isso também dá pra fazer!

O problema é que, quando a gente sai de uma rotina altamente estruturada (como a que eu estava vivendo até pouco tempo atrás) para uma completamente livre (como a que eu estou vivendo agora), nós tendemos a ficar desorganizados psiquicamente e acabamos desperdiçando tempo. Eu sei que hoje meu dia foi um belo desperdício de tempo e energia. De vida, eu diria. Obviamente, eu não queria que fosse assim. Na minha cabeça, eu passaria todos os meus dias lendo, escrevendo e treinando Kung Fu, de maneira equilibrada e sensata, com o bastante de cada coisa para que, no final do dia, eu caia na cama com a gostosa sensação de ter usado toda a minha energia em coisas que eu valorizo. Em alguns dias, eu consigo fazer isso, mas em outros... nem tanto. Hoje, eu caí no "nem tanto".

Nesses casos, você precisa pegar o teu tempo pelas aspas e organizar ele você mesmo. Isso é diferente do tempo "normal", quando a gente trabalha ou estuda, por que durante esse tempo são os eventos externos que determinam onde, como e quando nós vamos investir nossa energia psíquica. Durante as férias, existe a possibilidade de você mesmo escolher o que diabos você vai fazer. Digo "existe a possibilidade", por que deixar com que as coisas aconteçam ao seu redor enquanto você não faz porcaria nenhuma também é deixar a estrutura da sua vida ser determinada por fatores externos. Certa vez, ao ler um livreto anarquista sobre caronas, fiquei muito impressionado com essa idéia de "determinar o próprio tempo". A idéia do livreto é bastante anarquista (ou seja, bastante do meu agrado), e bastante ligada à idéia de viajar pegando carona (também bastante do meu agrado). Nesse livro, @s autor@s falam sobre como você pode, durante uma viagem dessas, viver no seu próprio ritmo, e por algum motivo, isso me fascinou. Já parou para pensar como seria sua vida se não tivesse que imperiosamente estar em um determinado lugar, em determinada hora, e poder passar mais tempo olhando as flores selvagens que crescem na beira da estrada? Em outras palavras, já pensou como seria viver o tempo todo de férias? Eu pensei, e achei fantástico. Senti falta de correr mundo outra vez, de viver de acordo com meus próprios parâmetros, desejei viajar para longe, por muito tempo.

Mas eu não preciso fazer isso. Eu disponho de tempo aqui e agora, não é mesmo? Por que não usá-lo bem? Mesmo quando estou ocupado com o trabalho e os estudos, eu posso fazer isso, ainda que não com a mesma intensidade e abrangência das férias. Se não fazemos isso, acabando vivendo a vida que os outros querem que nós vivamos. Se for isso que você quer, perfeito, continue que está funcionando, mas e se não for (como geralmente é o caso)? Aposto que a mera tarefa de acordar e sair da cama de manhã vai ser bastante sofrida (como estava sendo para mim nos últimos dias antes de sair de férias).

OK. Falei bastante sobre essa coisa de "viver no próprio ritmo", de "pegar o tempo pelas aspas", mas o que quero dizer com isso exatamente? De maineira simplificada, é decidir o que se quer fazer durante o dia, e realmente fazer. Pela minha própria experiência, o que normalmente acaba acontecendo é que nossos dias se passam em meio a boas intenções que nunca se realizam, por que estamos ocupados demais vendo TV (ou, como é meu caso, lendo a última tirinha daquele webcomic engraçado). Então, para que isso não aconteça, é bom se utilizar daquilo que os analistas do comportamento (dos quais eu também sou fã #SkinnerFeelings) chamam de estímulos discriminativos. Tecnicamente falando, um estímulo discriminativo é um acontecimento que precede um comportamento, e que aumenta a probabilidade deste comportamento acontecer. De maneira mais simples, pode ser um lembrete: uma agenda, um calendário, um despertador. Qualquer coisa que entre no meio da seqüência de irrelevâncias que normalmente é seu dia e te lembre que há coisas mais importantes para fazer do que coçar o saco. Eu faço isso. Há dias que funciona, e há dias que não é o bastante. Mas, pelo menos funciona na maior parte do tempo, e isso já vale à pena.