segunda-feira, 2 de maio de 2011

As Dimensões da Personalidade

Podemos fazer piada a respeito dos psicólogos e como eles estão sempre analisando os outros e emitindo diagnósticos, mas o fato é que todas as pessoas fazem a mesma coisa - elas coletam informações, julgam e tiram uma conclusão a respeito dos outros. A diferença dos psicólogos é que eles ativamente procuram ferramentas de avaliação mais eficazes do que o senso comum normalmente utilizado. Isso é "teorização" - a criação de teorias. De certa forma, o senso comum é a teoria que surgiu da experiência das pessoas normais, e da compilação dos dados coletados por estas ao longo de várias e várias gerações. Até certo ponto, ele é útil e nos ajuda a nos guiarmos pela sociedade, e até mesmo a nos mantermos vivos. Porém, o senso comum perde grande parte de sua validade em questões mais finas, onde é necessário maior critério de observação do que a sua avó percebeu quando passou de ônibus no bairro pobre da cidade.

E é aqui que entram os psicólogos, sociólogos, antropólogos e outros cientistas envolvidos no estudo do comportamento humano: nós desenvolvemos modelos conceituais utilizando métodos bastante refinados, como a experimentação, a observação sistemática, a pesquisa-ação, a pesquisa genética e a comparação com outras espécies de mamíferos. Cruzando e analisando todos os dados assim coletados, podemos criar teorias muito mais refinadas e capazes de predizer comportamentos do que as nossas avós conseguiam (por mais sábias que fossem).

Uma das teorias que mais gosto é a utilizada pela Terapia Multimodal. Ela foi desenvolvida por Arnold Lazarus na metade do século passado, e postula que a personalidade humana é composta por sete dimensões: Comportamento, Afeto, Sensação Corporal, Imaginação, Cognição, Relações Interpessoais e Biologia. O que eu gosto nesta teoria é, além de sua simplicidade e abrangência, sua aplicabilidade: não só vários tratamentos adequados podem ser planejados com base nela, como também leigos podem utilizá-la para melhor compreender os outros seres humanos ao seu redor.

Partindo de uma perspectiva analítico-comportamental, onde tudo o que uma pessoa faz é considerada como comportamento, cada dimensão da Teoria Multimodal é uma classe comportamental. Em outras palavras, cada dimensão é um tipo de coisa que nós fazemos. Trocando em miúdos, a modalidade do comportamento engloba tudo o que nós fazemos com nosso corpo e os outros possam ver, como caminhar, falar, pular e escrever. O afeto são todas as emoções, sentimentos e humores que sentimos. A sensação corporal é o que sentimos dentro do nosso corpo. A imaginação e a cognição são aquilo que chamamos de "mente" - a primeira é responsável pela criação e manipulação de imagens que só nós vemos, como rever acontecimentos passados e ensaiar cenas futuras, e a segunda é responsável pelos nossos julgamentos, avaliações e crenças. Já as relações interpessoais são todos os comportamentos envolvidos no trato com outras pessoas, e, por fim, a biologia é todo nosso funcionamento corporal, bem como a maneira como cuidamos dele (alimentação, exercícios, uso de medicação e drogas). Como os leitores mais atentos devem ter percebido, existe muita sobreposição entre as modalidades, sendo às vezes impossível distinguir entre elas. Porém, segundo Lazarus, isso é tanto esperado como necessário. Apesar de dividirmos a personalidade em aspectos para melhor compreendê-la, ela é, em última análise, uma estrutura e um processo único e total, e mais importante do que classificar uma manifestação humana corretamente como sendo "Cognição" ou "Interpessoal" é menos importante do que levá-la em consideração na hora de realizar o diagnóstico.

Entretanto, mesmo sendo um processo único e total, nós percebemos fenômenos diferentes dentro dela, e nos são úteis estas diferenças. A principal delas, na minha opinião, é a Hierarquia das Modalidades. Todos nós temos em nossa personalidade as sete dimensões citadas acima. Contudo, algumas serão mais prevalentes do que as outras, e se manifestarão primeiro ou com mais força. Por exemplo, pessoas que vivem no "mundo da lua " teriam como principal modalidade a Imaginação, enquanto que a modalidade Comportamento ficaria bem abaixo na hierarquia. Outro exemplo, que Lazarus dá em um dos seus livros, é a ordem de ativação modal. Na Terapia Cognitiva elaborada por Aaron Beck, nós primeiros temos um pensamento, que elicia um sentimento, e então agimos. Para Lazarus, as coisas são mais variadas e complicadas que isto. Uma pessoa poderia ficar ansiosa ao assistir uma tragédia na TV por que imaginou algum familiar entre as vítimas, sentiu uma sensação de peso no estômago, julgou esse peso como um sinal de que alguém morreu, e então se entupiu de remédios para controlar o nervosismo, enquanto outra ficaria ansiosa por que primeiro sentiu o peso no estômago, fez um julgamento e então pensou na família toda morta. Apesar do processo ser parecido, o tratamento terá que ser completamente diferente para cada uma destas pessoas, levando em consideração como elas reagem ao mundo.

Este jeito de ser é historicamente determinado. Tomemos este excelente blogueiro que vos fala como exemplo. Penso que a minha modalidade primária é a Imaginação - hoje mesmo quase tive um treco ao imaginar uma perna necrosada (yuk). É razoável acreditar que eu nasci com essa predisposição, mas o fato de meu pai ter me levado para ver todos os filmes da saga Star Wars (além de alguns de Star Trek e toda a série Smallville), bem como me incentivado a ler livros de aventura e coisas parecidas me parece muito mais relevante, por que fortaleceu minha capacidade de criar imagens e ser afetado por elas. Ignorar isso em um tratamento comigo seria basicamente ignorar a maneira mais eficiente de lidar com meus problemas. Outras pessoas, obviamente, vão ter históricos diferentes do meu, e muito provavelmente terão modalidades primárias diferentes da minha, e não só o tratamento, como também viver com elas, será bastante diferente.

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