segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Problemas de Metaética

Há muito tempo atrás, antes mesmo de eu fazer estágio, publiquei um texto sobre Metaética. Este conceito foi originalmente imaginado pelo mestre Marcelo, mas nós dois desenvolvemos idéias diferentes sobre o significado do termo: para ele, a Metaética seria a pergunta que fundamenta toda o campo filosófico da Ética - "por que ser bom?", enquanto que, para mim, ela seria "a prática de moldar a própria ética futura, escolhendo as experiências que vivemos e como as vivenciamos, tomando por base nossa ética atual." Ao reler o texto que escrevi a respeito deste interessante e pouco explorado assunto, percebo que ele continua atual. Contudo, depois de uma noite de insônia bastante produtiva deste final de semana, que trouxe a Metaética de volta à minha memória, percebi que a definição do conceito se beneficiaria de uma ampliação. Então, segundo minha nova maneira de ver, a Metaética é possui dois componentes - um aspecto filosófico e outro psicológico. A diferenciação entre os dois é meramente didática, para que nós, pensadores ocidentais, possamos compreender mais plenamente o que está por trás desta idéia.

O aspecto filosófico da Metaética é justamente aquela apontada por Marcelo - por que devemos realmente sermos bons? O que nos "obriga" a assim proceder? Considero esta questão como sendo a parte mais filosófica da questão por que está intimamente ligada à outras do campo da Filosofia Moral: o que é o Bem? Pode o ser humano ser bom? Como diferenciá-lo do Mal? De fato, poderia se dizer que todas elas são parte da mesma grande pergunta, sendo a diferença entre elas o sabor pessoal que a questão de "por que ser bom?" traz, e que a diferencia de todas as outras questões, que pretendem ser universais. Por ela ter esta característica, ela permite maior liberdade de movimentos. Segundo um filósofo moral ortodoxo, baseado nas antigas perguntas, todos os seres humanos necessariamente buscam o Bem, enquanto que, na nossa nova formulação, não podemos afirmar o mesmo. Teríamos que dizer que todos os seres humanos idealmente preferem o Bem, mas que a intensidade com que o procuram varia conforme as circunstâncias. Por exemplo, um homem pode acreditar num determinado conjunto de crenças morais e considerá-las como corretas, mas não aderir verdadeiramente a elas seja por acomodação, seja por desilusão.

Para os fins deste ensaio, não importa muito o conteúdo desta desmotivação, e sim o processo por trás dela. Se para o filósofo moral a Ética é algo eterno e universal, para o psicólogo interessado no assunto, ela é sempre dependente do contexto, e portanto, mutável. Conforme vamos nos desenvolvendo, também se desenvolvem e se alteram nossas crenças e comportamentos éticos. Há muitos estudos em Desenvolvimento Moral que descrevem estas mudanças, tendo especial destaque aqueles conduzidos por Lawrence Kohlberg. Este pensador chegou à conclusão de que nossa Ética passa, grosso modo, por seis níveis de desenvolvimento, do hedonismo mais simplório até o altruísmo mais desapegado. Estes níveis seriam estruturas universais, isto é, teoricamente estão presentes em todos os povos do planeta, ficando a diferença de que falei anteriormente dependendo do conteúdo ideacional que preenche estas estruturas, e do caminho que cada indivíduo leva para desenvolvê-las, que não é tão linear quanto a teoria pode fazer parecer. Não vou falar muito a respeito deste interessante teoria, por que, se assim o fizesse, acabaria me desviando do meu assunto principal, e me veria obrigado a estudar muito mais, por que não sei quase nada a respeito dela.

O que quero indicar com Kohlberg é que é consenso entre os teóricos que a Ética muda conforme o tempo passa, a pessoa interage com o ambiente e se modifica. Hoje isto parece óbvio, mas até nem tanto tempo atrás, isto não era lá muito claro. Uma pessoa que ajudou a clarificar isto foi o psicólogo do desenvolvimento Jean Piaget. Originalmente, seu projeto teórico era o de construir uma Teoria do Conhecimento Humano, isto é, como as pessoas percebem o mundo ao seu redor, como processam estes dados e como os utilizam. Para construir tal teoria, ele investigou o desenvolvimento intelectual de crianças, desde os primeiros meses de vida até os 13 ou 14 anos de idade. De novo, não vou falar muito da teoria de Piaget por aqui, pelos mesmos motivos de antes. Todavia, um de seus conceitos me parece central aqui - o de Esquema Cognitivo. Em suas pesquisas, Piaget descobriu que as crianças utilizavam "algorítmos mentais" para processar as informações vindas do exterior, que mudavam conforme a idade. Um dos mais famosos exemplos disto é o da conservação da matéria. Se pedirmos para uma criança de 3 ou 4 anos se 300ml de água em um copo comprido é a mesma quantidade que 300ml de água em um copo mais largo, ela dirá que o copo comprido possui mais água, mesmo se mostrarmos para ela que as quantidades eram iguais antes de as colocarmos nos respectivos copos. Porém, se fizermos esta mesma pergunta para a mesma criança aos 7 ou 8 anos, ela ela olhará incrédula para nós, e responderá com muita convicção "é claro que é a mesma coisa, sua besta!", demonstrando que as mudanças cognitivas acontecem, muitas vezes sem que percebamos.

Penso que algo parecido acontece no desenvolvimento moral. Partindo das duas teorias citadas, acredito que a nossa Ética, e a maneira como a percebemos, também passa por fases diferentes de crescimento. Num primeiro momento, nós não possuímos nenhuma crença ética, por que não necessitamos. Porém, conforme crescemos, e nos vemos obrigados a conviver com outras pessoas, vamos as desenvolvendo, primeiro nos inspirando em nossos cuidadores, e depois de maneira mais autônoma. Entretanto, isto ocorre quase que totalmente fora da nossa consciência. E é aqui que penso estar minha contribuição original ao campo da Ética: da mesma maneira que desenvolvemos estratégias para monitorar nossos processos cognitivos, a Metacognição, desenvolvemos estratégias morais para monitorar o nosso crescimento ético, a Metaética. Poderia dizer que a Metaética é um processo metacognitivo mais refinado, e que define, utilizando os fundamentos éticos que possuímos aqui e agora, a ética que queremos ter no futuro, escolhendo de maneira consciente o que queremos ser no futuro. Como eu disse no começo desse texto, não há como fazer isso de maneira perfeita, por que, como mudam nossos preceitos éticos, mudam também os nosso preceitos metaéticos, fazendo da perfeição um ideal sempre distante. Dentro deste modelo teórico, Ética e Personalidade seriam dois conceitos pouco diferenciados, ou pelo menos muito dependentes um do outro.

Além dessas considerações teóricas, tenho algumas outras observações para fazer. A primeira delas é que, do mesmo modo que os níveis mais avançados da escala de Kohlberg são atingidos por poucos indivíduos, a Metaética é uma habilidade pouco difundida. Talvez, como a Metacognição, ela exista em forma potencial em todos, mas só alguns a atualizem e a transformem em algo digno de nota. Outra hipótese que tenho é que a Metaética, pelo menos da maneira como a defini aqui, só apareça em pessoas nos níveis morais mais elevados, posto que é nessas etapas de desenvolvimento que o indivíduo consegue se desapegar de suas crenças éticas, e vê-las como ferramentas, meios para um fim, que se modificam conforme as necessidades. Ou não. Em todo caso, continuarei elaborando novas idéias a respeito dessa teoria.