segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Diálogo Imaginário

Estou bem tranquilo, sentado na frente do meu computador, quando escuto uma voz: "Ei, seu vadio!" A voz parece muito real, tanto, que olho para os lados e pela janela, para ver se havia alguém me chamando. "Aqui dentro, mané!" ela grita outra vez, e eu, espio em baixo da cama para ver se não havia ninguém além de mim no quarto. "Dentro da sua cabeça, animal" vociferou a voz mais uma vez, agora irritada com a minha imbecilidade. Finalmente entendo, e digo para mim mesmo: "hora de tomar gardenal, Andarilho." Com isso, a voz fica ainda mais irritada e diz "GARDENAL É REMÉDIO PRA EPILEPSIA E NÃO UM ANTIPSICÓTICO E NÃO VAI TE FAZER PARAR DE OUVIR VOZES!" Frente à uma lógica tão impecável, sou obrigado a parar de fingir que ela não existe e a escuto.

"O que foi? Alguma coisa errada?" pergunto-lhe da maneira mais cordial que consigo. Nunca antes tinha ouvido vozes, e, apesar de ser algo relativamente preocupante, não me dá permissão de ser mal educado. A voz, contudo, continuou irritada e resmungou "não vai nem perguntar meu nome? Dormi contigo por acaso?" Aturdido, retruquei "por que, se tu é um fragmento da minha imaginação? No final das contas, você sou eu" e fiquei ainda mais aturdido depois disso, por que comecei a pensar nas implicações filosóficas e lingüísticas de "você sou eu". A voz misteriosa continuou o diálogo: "que provas você tem de que eu sou um pedaço da sua imaginação? Eu poderia ser uma idéia implantada telepaticamente na sua mente" Quem ficou impaciente agora fui eu, que perguntei, um tanto rispidamente "foi pra isso que você me chamou a atenção, você que não sou eu?"

"Realmente, não foi" desculpou-se a voz. "Na verdade, vim falar contigo sobre o teu blog, o 'Espadachim Cego'. Por que você não tem atualizado ele?" Sem hesitar, respondi "por que eu tenho mais o que fazer - o estágio está tomando todo o meu tempo". "Então, por que atualizou hoje?", perguntou de novo. "Por que eu quis", repliquei. "Isso não explica absolutamente nada" a voz continuou falando, piorando ainda mais o meu humor "essa tua explicação é uma ficção explanatória, por que considera como causa última do teu comportamento algo que precisa ser explicado contextualmente - no caso, a tua vontade seria um estímulo descriminativo para algum evento ambiental que reforça teu comportamento de escrever posts para o blog". Fiquei irritado "cacete, para uma voz que não é um fragmento da minha imaginação, tu sabe demais dos livros que eu tenho lido." A voz, mais uma vez, responde "telepatia tem suas vantagens, meu caro."

Aquela resposta foi a gota d'água. "OK, agora chega! Eu vou tomar umas cinco gotas de haldol e te fazer sumir da minha cabeça, telepatia ou não!" A voz, agora visivelmente alarmada, continuou falando, tentando me dissudir de tal atitude "mas, mas... EU SOU VOCÊ! Você quer cortar uma parte tão importante de sua vida de uma maneira tão brusca? Quer, quer?" Ainda procurando o vidrinho de haldol, respondi secamente "quero, agora cala a boca e me deixa em paz." Ainda mais alarmada, a voz continuou "mas o haldol não funciona imediatamente. Vai levar alguns dias até que ele atinja concentração suficiente no teu sangue pra fazer efeito. Além disso, é cheio de efeitos colaterais. Tu quer ficar todo torto por causa dos efeitos extrapiramidais? E..." subitamente, a voz parou. Mesmo com o seu silêncio, era óbvio que ela percebera algo que a deixou muito mais assustada. Lentamente, ela voltou a falar "E desde quando tu tem um vidro de haldol em casa?". Nesse momento, respondi triunfante: "o texto pro blog é meu, e nele, o haldol funciona do jeito que eu quero - inclusive existindo em grande quantidade no armário do banheiro, mesmo isso sendo absolutamente irracional de um ponto de vista realista." Tendo dito isso, tomei o vidro inteiro de haldol e a voz, em resposta gritou "Eu voltarei! Minha vingança será maligna" antes de desaparecer completamente, como algum vilão de filme de ficção científica ruim. Então, em paz, eu saí da frente do computador e fui fazer alguma coisa de útil da minha vida ao invés de escrever textos conceituais absolutamente incompreensíveis para o resto da humanidade.

FIM