quinta-feira, 18 de março de 2010

Umas idéias sociológicas

Para todas as pessoas que não sabem meu cronograma (o que significa todo mundo menos eu), decidi dedicar o meu sétimo semestre de faculdade ao estudo das Ciências Sociais. Por isso, ao invés de pegar apenas eletivas do meu curso, decidi cursar Introdução à Sociologia e Introdução à Antropologia*, ambas fora do Instituto de Psicologia. E como era de se esperar, esta oxigenação intelectual está sendo bastante benéfica, especialmente no que diz respeito à circulação de novas idéias na minha mente.

Acabo de voltar da minha segunda aula de Sociologia, na qual o professor explicou o conceito de "organismo" na obra de Émile Durkheim. Segundo este autor, que usou a Medicina Experimental como fonte de inspiração, a sociedade é um organismo - não de maneira metafórica, mas de maneira literal. Isso quer dizer que o organismo social é composto por diferentes órgãos, que desempenham diferentes tarefas, porém, visam a um mesmo fim. Numa sociedade menor e menos desenvolvida, estes órgãos seriam mais simples, e condensariam mais tarefas essenciais, enquanto que em sociedades maiores e mais complexas, estas tarefas tenderiam a ser realizadas por instituições diferentes. Para usar um exemplo bastante ilustrativo, pensemos na figura do xamã. Em uma sociedade tribal, o xamã é o responsável por curar os doentes, guiar os fiéis, dar aconselhamento para o cacique e prever as chuvas e secas em sua região. Em nossa sociedade, esses papéis se sofisticaram e foram delegados a diferentes profissões: o médico cura os doentes, o padre guia os fiéis, os cientistas políticos orientam os governantes e os metereologistas fazem a previsão do tempo (ou pelo menos tentam).

Essa diferenciação de trabalhos gera outras coisas além da especialização profissional. É relativamente fácil manter uma sociedade tribal coesa e unida, pois todos se identificam com os demais, por que, afinal de contas, todos são fisicamente parecidos, pensam parecido e fazem coisas parecidas. É uma identificação mecânica, para usar os termos do próprio Durkheim. Já numa sociedade mais avançada tecnologicamente, esses laços de identificação encontram-se enfraquecidos, justamente por causa da grande diferenciação existente. Portanto, a identificação mecânica não é mais suficiente para manter a unidade social, e precisa desenvolver uma identificação orgânica, e é nesse ponto que o conceito de "organismo social" começa realmente a fazer sentido. Como eu disse anteriormente, para Durkheim, a sociedade é um organismo composto por vários órgãos distintos, que realizam diversas tarefas diferentes, e que servem a um propósito único. Porém, para impedir que eles não se separem e se tornem sociedades à parte, é necessário que se mantenha sempre, em todos os órgãos, uma consciência da importância de seu papel para a sociedade. Para ilustrar como isso funcionaria, uso o mesmo exemplo que o professor usou: para manter a sociedade unida, seria necessário fazer com que o cara que cola os rótulos de cervejas em suas respectivas garrafas perceba quão importante é sua tarefa, pois assim ele impede que as pessoas bebam Nova Schin pensando que é Bohemia, ao mesmo tempo em que o resto da sociedade reconheça o valor disso (por que, convenhamos, Nova Schin é muito ruim!). Para Durkheim, que foi pintado pelo professor como o "anti-Marx", por causa de suas tendências conservadoras, isso seria suficiente para manter uma sociedade relativamente complexa unida e sem perturbações.

Certamente é uma idéia interessante, e com uma lógica interna razoável. Contudo, saí da aula pensando na seguinte hipótese: não seria possível fazer com que um dos órgãos inflasse em importância, e mesmo assim manter a sociedade unida? Explico. Da maneira como eu vejo, na teoria de Durkheim, a unidade de uma sociedade não depende de todas as suas instituições terem tarefas igualmente divididas, e sim em todas terem uma opinião parecida a respeito de si e das demais. Portanto, é plausível pensar que, em uma socidade X, uma determinada classe desenvolva uma opinião um tanto quanto narcisista de si própria, e convença as classes restantes de que ela está certa. Diante de seu sucesso dentro de sua própria nação, esta classe poderia tornar-se ainda mais megalomaníaca, e decidir impor seu autoconceito para as sociedades vizinhas, começando uma guerra. Como exemplo disto, estou pensando no sempre presente exemplo da Alemanha Nazista, mas também no da França Napoleonica e de outras ditaduras expansionistas. Claro, nesses casos, a classe dominante se deu ao trabalho de convencer as demais classes de que elas também eram superiores, e que seus esforços são parte de uma grande tarefa. Eric Hoffer, sociólogo** americano que escreveu sobre movimentos de massa e mudança social, diz em seu livro "The True Believer", que, para que um movimento religioso, nacionalista ou revolucionário deslanche, é necessário que seus seguidores encontrem nele uma causa para viver e morrer, e que essa causa não seja apenas um acontecimento terreno, pontual e limitado, e sim algo divino, eterno e ilimitado, que os tire de sua vida presente, miserável e triste, e os leve para uma vida futura cheia de glórias.

Alguém poderia me perguntar agora "mas Andarilho, esta classe dirigente e megalomaníaca não encontraria oposição?" Eu respondo, baseado na História e nos escritos do Eric Hoffer, que sim. Entretanto, só por encontrar oposição não significa que eles não vencerão esta oposição. Além disso, para levar a bom termo uma revolução, não é necessário convencer toda a sociedade: basta apenas converter as partes mais estratégicas dela. Segundo Hoffer, as duas mais importantes, em ordem cronológica (já me explico) são os intelectuais e as massas. Disse que a importância dessas duas classes é cronológica por que, para revoltar as massas, que são efetivamente a força bruta de qualquer movimento social, é preciso que um grupo de intelectuais dê a elas um motivo para sentirem-se indignadas com sua situação atual. Depois que isto é feito, pode-se relegar os intelectuais a um segundo plano, pois sua função de liderança é tomada por indivíduos que Hoffer denomina de "fanáticos", e depois, pelos "homens de ação". O que não se pode fazer é deixar de afagar o ego dos intelectuais nunca, pois, se descontentes, eles podem fomentar outra revolução, mais favorável a eles. Agora, se eles forem mantidos em um estado de contentamento, onde a opinião deles é ouvida, mesmo que só nas aparências, tudo está tranquilo, por que para eles, é só isso que importa: afagar o ego. Segundo Hoffer, que não tinha uma opinião muito elevada da natureza humana em geral, o que importa para a classe intelectual é estar bem de vida, e é por isso que eles incitam rebeliões - não por amor ao povo simples e sofredor, mas por que eles ressentem o fato de não serem respeitados o suficiente pelas classes governantes.

Ter lido "The True Believer" me fez escutar a aula de Sociologia hoje com outros olhos ouvidos. De um lado, temos a teoria de Durkheim, que prega uma sociedade estável, onde todos sabem o seu lugar e creem na importância de seu trabalho. Do outro, temos Marx, que defende a tese de que as classes trabalhadoras são exploradas, e por isso, devem tomar o poder da classe burguesa através da força de uma revolução. Por muito pouco não atrapalhei a aula e perguntei qual era a situação financeira destes dois sociólogos quando escreveram suas teorias. Será que Marx não era um homem inteligente, mas com raiva do fato de ser pobre e pouco valorizado por seus pares? E Durkheim - será que a vida dele não era confortável demais? Bom, não sei, mas fico pensando mesmo assim.

Para finalizar este post um tanto quanto confuso na minha opinião, gostaria de refutar pelo menos parte da teoria de Durkheim***. Para ele, uma sociedade ideal seria uma que se mantém estável e sem mudanças significativas por muito, muito tempo - idealmente para sempre. E, ao contrário do que poderia se pensar a respeito, é possível estruturar uma sociedade desta maneira, comprando a lealdade dos intelectuais através de cargos no governo e outros mimos. Foi assim, segundo Hoffer, que o Império Romano e o Império Chinês se mantiveram quase imutáveis por milênios. Só que, com a falta de mudança, vem a estagnação, e com ela, vem a longa e lenta decadência, que não só acaba matando a civilização anteriormente estável, como também destrói muito de seu legado, de uma maneira que poderia ter sido evitada se se tivesse dado a chance de alguns movimentos de massa remodelarem a sociedade. Como diria Thomas Jefferson, "a árvore da liberdade deve ser regada de quando em quando com o sangue de tiranos e patriotas". Talvez ele estivesse mais certo do que ele mesmo imaginava.










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* Na verdade, o nome correto seria "Antropologia - Fundamentos", mas eu acho esse nome muito feio, e chamo a cadeira do jeito que eu quiser no meu blog.

** Ele não é um sociólogo no sentido estrito do termo, já que nunca fez faculdade de Ciências Sociais nem nada (ele era estivador, na verdade), mas como ele escreveu vários livros este assunto, acho que é bem tranquilo atribuir este título para ele, por mérito individual.

*** Refutando a teoria de um dos Pais da Sociologia - se isso não é narcisismo desmedido, eu não sei o que é.