quinta-feira, 11 de março de 2010

Pensando sobre o Trote

E essa semana foi a semana do trote na Psicologia da UFRGS. Na verdade, ainda é a semana do trote, por que amanhã tem um pouco mais. Não sei por que, todo início de ano, toda matrícula da turma nova, toda primeira semana de aula, eu sinto uma vontade incontrolável de ir lá, me meter no meio da gurizada nova, bater um papo com eles, jogar um pouco de tinta no cabelo deles e ver o que eles vão virar depois de um tempo na Psicologia.

Acho que é isso que me atrai: a maleabilidade da turma que entra. Quando se é calouro, no primeiro ano de faculdade, as coisas ainda são muito amorfas - ninguém sabe nada sobre as cadeiras, sobre o curso, sobre os professores, sobre o instituto, e por isso, ninguém tem opinião formada. Eu digo "opinião", mas talvez fosse melhor dizer "personalidade" formada. Por que é isso mesmo - a gente vai moldando nosso Self com os anos de estudo. Por causa dessa ignorância, no começo, todo mundo é "igual", pelo menos no que diz respeito à Psicologia. Com o tempo, porém, isso muda bastante. Aquela turma de 40 pessoas largamente indiferenciadas, depois de um ou dois semestres, vai virar uma turma de 35, com opiniões muito distintas sobre muitas coisas. Com as aulas, uns vão perceber que gostam de clínica e que querem se tornar psicoterapeutas; outros, vão descobrir que o negócio deles é fazer pesquisa com ratinhos brancos, enquanto que outros vão chegar a conclusão de que o que eles querem da vida é trabalhar com populações de rua, se envolver em políticas públicas ou ficar discutindo o sexo dos anjos de um ponto de vista psicanalítico. E por fim, alguns vão perceber que Psicologia não é o que eles querem, e vão largar o curso por isso.

Nesse processo, a turma vai se distanciando. Aquele amontoado de gente que ia junto para todas as partes da universidade no primeiro semestre (inclusive para o RU, fazendo com que eu os xingue bastante enfaticamente por incharem a fila) começa a ir sozinho, cada um para o seu canto, até que um dia eles se formam e acaba a faculdade. Do jeito que eu falei, parece ser bastante triste, mas as amizades que realmente valeram a pena continuam, mesmo depois do fim.

Acompanhar tudo isso é algo extremamente fascinante. Vejo a minha turma refletida nos nossos bixos, nos bixos deles, e agora, nos bixos deles também, e apesar das grandes diferenças que há em cada uma dessas turmas, eu sempre vejo pelo menos uma coisa em comum a todas elas: uma jornada, que começa cheia de dúvidas, incertezas, e que continua cheio delas até o fim. Porém, a cada passo dado, aumenta a firmeza do pé que pisa, se aprende alguma coisa mais, até que se percebe que não se é mais um bixo, e sim um veterano. O trote é um ritual de passagem tanto para o primeiro ano, que entra, quanto para o segundo, que os recepciona. Ao apresentar o calouro à faculdade, alguém que até pouco tempo atrás era novato conquista o direito de ser chamado de veterano.

E mais fascinante do que acompanhar tudo isso é poder participar em tudo isso. Creio que, em última análise, a decisão de para que lado crescer cabe a cada um de nós, estejamos no primeiro ou no sexto ano. Entretanto, eu, por estar a mais tempo nesta bagunça que é a Psicologia, posso tentar ajudar aqueles que chegam agora, e mostrar-lhes caminhos que me foram importantes e aqueles que eu preferi evitar. Digo outra vez que, no fim das contas, são eles quem vão escolher para onde ir, mas eu pelo menos fiz a minha parte de deixar as coisas mais fáceis para eles, como os meus veteranos (pelo menos alguns deles) fizeram para mim. E, fazendo isso, eu também acabo mudando, por que por mais que eu tenha deixado de ser aquela massa intelectual amorfa de três anos atrás, ainda tenho muito espaço para crescer.