quarta-feira, 3 de março de 2010

Histórias que entretêm - O que vale um peão?

"Ei! Ei, Briggs! Ficou sabendo da última?" disse em meio a um sussurro Myers para seu companheiro. "Fique quieto, Myers. Você sabe que não é permitido conversar enquanto montamos guarda" respondeu o outro, um pouco irritado. "Bah! Como se alguém respeitasse essa regra! Temos que ficar em pé, plantados na frente de uma porta escura por 12 horas, sem saber o que há atrás dela, nem ao menos conversar, como se isso fosse possível! Mesmo que o capitão passasse por aqui agora, ele não ia fazer mais do que olhar feio para a gente e seguir em frente!" vomitou ainda mais irritado o primeiro. "Quem quer que inventou essa regra deveria ter um motivo", disse Briggs, de forma um pouco mais conciliadora do que da primeira vez, como se quisesse apaziguar os ânimos de Myers, a quem considerava um bom amigo. Aparentemente, não teve muito sucesso em seu intento, pois obteve apenas um silêncio emburrado como resposta.

Depois de mais alguns minutos nessa situação, Briggs resolveu ceder, e quebrou o desconfortável silêncio. "Qual é a última então, Myers?". "Nada de mais", respondeu Myers, "não acho que um soldado tão responsável do Exército Imperial como você se interessaria por coisas tão baixas quanto o resto de nós, que conversamos quando montamos guarda". "Myers, me desculpe, mas você sabe como eu sou preocupado com regulamentos, sempre fui, desde o Treinamento Básico, que você certamente se lembra! E, depois dos últimos acontecimentos, eu fiquei ainda mais preocupado. Se não tomarmos cuidado, estes rebeldes nos derrubam". Diante dessa confissão, Myers deixa a raiva um pouco de lado e entra outra vez em seu modo conversacional, e pergunta debochadamente "e certamente seguir a regra de não falar durante a guarda vai livrar-nos deste mal, não é mesmo?". Ele gostava muito de Briggs, desde o primeiro dia de treinamento, naquele distante planeta desértico, e admirava seu senso de dever e justiça. Entretanto, às vezes ficava pasmo diante dos extremos a que ele chegava por ser tão consciencioso. "OK, OK, você está certo!" respondeu Briggs, com o típico tom de voz que utilizava quando percebia estar errado, fazendo Myers rir, "você está certo, não falar durante o período de guarda provavelmente não vai salvar o Império, mas há muitas outras regras que ninguém segue e que fazem muita diferença. Sabe como aquele traidor rebelde entrou na base em Danuta e roubou os planos da Estrela da Morte? Se escondendo em uma caixa de madeira que disseram conter uma encomenda do comandante da base. A regra 45B do Manual do Stormtrooper diz explicitamente que 'todas as caixas fechadas que adentrarem bases militares de nível 4 de segurança' como a que o rebelde invadiu 'devem ser revistadas por pessoal autorizado, para evitar infiltrações inimigas de qualquer espécie'. O livro é bem claro. Por que ninguém fez o que estava escrito nele? Por que ninguém queria irritar o comandante, que tinha fama de ferrar com quem quer que se metesse em seus negócios, especialmente soldados rasos. E o que aqueles soldados conseguiram com isso? Nada, por que o rebelde, assim que percebeu que estava sozinho num depósito, saiu da caixa, matou todos os stormtroopers da base, roubou os planos da nossa arma mais poderosa e os levou até o comando rebelde, que então lançou os seus X-Wings contra ela, e matou pelo menos quinhentos mil soldados e passageiros, tudo isso por que um imbecil não quis seguir as regras!" As últimas frases não foram tanto ditas quanto gritadas, pois aquilo era algo que deixava Briggs profundamente irritado. Ele é um daqueles indivíduos que acreditam que muitos males poderiam ser evitados se todas as pessoas calassem a boca e seguissem as ordens dadas por alguém mais inteligente. Admirava incondicionalmente o Imperador Palpatine, e entrara no exército por sua causa, pois "queria servi-lo onde houvesse mais serviço", como costumava dizer.

"Está bem, você me convenceu" disse Myers em resposta "inspecionarei pessoalmente todas as caixas que entrarem nesse lugar de agora em diante!" Ele era um sujeito muito mais relaxado e tranquilo que Briggs. Respeitava o Imperador, mas não era tão reverente quanto seu amigo. Quando entrou para o exército, o fez pensando nas muitas aventuras e viagens que faria a serviço do Império, realizando atos de heroísmo e conhecendo lugares exóticos. Contudo, para seu azar, logo após completar seu treinamento básico, foi enviado para alguns dos lugares mais monótonos e desinteressantes da galáxia, o último deles sendo aquela base em Gromas 16, que, além de ser extremamente maçante, tinha como agravante o fato de ninguém lhes explicar o que acontecia por ali, e o que exatamente protegiam, especialmente atrás daquela porta ali. Era uma porta particularmente famosa entre os stormtroopers da base, pois era a mais bem guardada de todo o planeta: sempre havia pelo menos dois soldados a guardando, e para chegar até ela, era necessário passar por um longo e confuso sistema de corredores, elevadores e checkpoints. O que quer que estivesse ali atrás, certamente era muito valioso. Toda essa preocupação, unida a todo aquele mistério, fizeram surgir muitos rumores entre a soldadesca, que eram discutidos durante as folgas ou na hora das refeições, e relembrados durante as longas horas de guarda, como que para distrair a própria mente da chatice que era aquela tarefa. Aqueles mais afeitos a fantasias imaginavam defender alguma relíquia histórica de grande valor, como o Tesouro dos Jedi ou o primeiro sabre de luz de Darth Vader, enquanto que os mais realistas teorizavam proteger algum projeto militar que pudesse dar alguma vantagem ao Império em sua luta contra os rebeldes. Os irreverentes, por outro lado, diziam que, por trás daquela porta, estavam as roupas de mulher com que o General Rom Mohc se travestia quando ninguém estava olhando. Myers estava neste último grupo. Claro, ele levava seu serviço à sério, porém apenas quando estava em serviço. Por isso, quando tirava seu pesado capacete da cabeça, tirava com ele todas as preocupações referentes ao ofício de Stormtrooper, e ia tomar sua cerveja como se fosse qualquer outra pessoa da galáxia. O exército imperial poderia não ser tão aventureiro quanto ele desejara no início de sua carreira, nem Gromas 16 o lugar mais empolgante para se estar em uma galáxia cheia de batalhas, mas Myers preferia viver "no aqui e no agora". Ganhava um soldo razoavelmente bom, e aquela lua, apesar de isolada e sem graça, tinha alguns dos melhores bares que ele já frequentara. Por isso, sempre que podia, ia para algum deles para gastar os seus trocados com alguma bebida mais refinada, pois isso era o máximo de diversão que precisava.

Briggs não era assim. Aliás, se já existiu uma pessoa mais diferente de Myers, esta pessoa seria o próprio Briggs. Ao contrário de Myers, para qualquer lugar que ele fosse, ele era um "soldado do Imperador", preocupado com sua missão e com os regulamentos. Não gostava de sair para beber com Myers, pois prefiria ficar em seu alojamento, lendo muitos livros, na sua maioria de história do Império, manuais de treino e regulamentos. Lia tanto, e com tanta paixão, que os outros stormtroopers de seu regimento o consideravam um chato, fazendo com que seja ainda mais curioso o fato dele ser tão amigo de um homem como Myers. Como já foi dito, os dois se conheceram durante o treinamento básico. Alguns dias após terem se alistado, foram levados até Tatooine, onde passaram seis meses de suas vidas atirando, rastejando e se escondendo no meio da areia escaldante. Não era um serviço fácil, muito menos seguro: logo na primeira semana, três recrutas se perderam no deserto, e outros dois foram devorados por um dragão de krayt. Muitos mais vieram a morrer ao longo do treinamento, por estes ou por muitos dos outros perigos oferecidos pelo deserto de Tatooine. Foi ali que Myers e Briggs se conheceram. Ambos eram jovens, e estavam com medo. Por causa do ataque do dragão de krayt, eles fizeram um trato de sempre cuidarem um do outro. Quando um dormia, o outro ficava acordado, para ter certeza de que não seriam tomados de surpresa; se a comida era pouca, eles repartiam; se um deles se ferisse, o outro fazia os primeiros socorros. E, quando as coisas estavam mais calmas, eles conversavam sobre suas vidas antes do exército. Uma vez mais, os dois tinham histórias muito distintas. Enquanto Myers cresceu livre e solto com seus cinco irmãos numa fazenda em Dantooine, Briggs foi criado sozinho pela mãe em um pequeno apartamento num bairro pobre em Corruscant. Durante sua infância, Myers caçou animais selvagens, se escondeu no meio de florestas e aprendeu a montar. Briggs, por sua vez, foi obrigado a envolver-se em brigas de rua, fugir da polícia e, algumas vezes, catar comida no lixo. Os dois se complementavam. O que um era incapaz de fazer, o outro dominava com maestria. Foi assim que eles sobreviveram os seis meses em Tatooine. A eficiência dos dois era tão notável que, ao se formarem, o comandante do campo fez o que pode para mantê-los juntos, sabendo que, unidos, eles seriam melhores soldados. E foi assim que, juntos, eles foram postos a serviço da 100ª Legião de Stormtroopers. Com ela, não conheceram nem muitos lugares interessantes, nem lutaram em muitas batalhas, porém, fortaleceram ainda mais sua amizade.

"Mas então, você sabe ou não sabe da última?" disse Myers outra vez, querendo mudar de assunto. "Não, eu não sei qual é a última" respondeu Briggs, rindo, pois se achava divertido o prazer que Myers tinha em contar fofocas "qual é?". "Bem" começou Myers, notando o interesse do amigo "acho que ouvi uma teoria bem interessante a respeito do que pode estar por detrás desta maldita porta". "Eu achei que estivessemos guardando as roupas de mulher do nosso estimado general" respondeu Briggs, um pouco cético. Várias vezes antes teve esta conversa com Myers, e ao final de todas, foi obrigado a ouvir alguma piada incrivelmente estúpida. Não estava disposto a passar por isso de novo. "Sim, sim, o vestido de Rom Mohc com certeza está ali, mas há também outra coisa, e essa coisa realmente faz sentido", retorquiu Myers. Pelo seu tom de voz, Briggs percebeu que, pela primeira vez em muitos meses de guarda, estava falando sério. Ainda assim, ele não estava com muita paciência, e antes mesmo que Myers pudesse explicar sua descoberta, disse "bom, antes de me dizer o que há atrás desta porta, quero saber sua fonte de informações. Se você me disser que descobriu isso conversando com aquele droide quebrado do terceiro quadrante eu enfio esse blaster no seu...". "Calma, calma!" exclamou Myers, com medo de perder a atenção de seu interlocutor "A informação é quente. Sabe o Capitão Eco, o que lutou nas Guerras dos Clones junto com Darth Vader? Pois é, foi ele quem me falou sobre a teoria dele. Você mesmo sabe que ele é um cara confiável, e não teria por que inventar histórias para recrutas como nós". Briggs nada disse, porém, fez um sinal com a cabeça, que entre os stormtroopers queria dizer "estou te ouvindo" (aqueles capacetes eram um grande empecilho para a comunicação não-verbal, e por isso, seus usuários tiveram que desenvolver métodos alternativos de expressar-se com eles). Encorajado, Myers continuou, agora com um tom mais professoral. "Veja bem, estamos em Gromas 16, um lugar completamente desinteressante desde muitos pontos de vista: estamos longe do centro da galáxia, isso aqui não é um entreposto comercial importante, nem um ponto militar estratégico. Então, por que diabos o Imperador mandou uma legião inteira defender esta lua miserável? Qual é a única coisa que fazem por aqui?" perguntou ele. "As minas" respondeu ele mesmo, sabendo que Briggs ia ficar olhando para ele impassivelmente. "Estamos defendendo as operações mineiras deste lugar. Isso não é segredo para ninguém. O porquê defendemos, contudo, é outro problema. Uma pessoa inteligente como eu poderia supor que o metal extraído aqui é bastante valioso. O problema dessa lógica é que nunca vimos nenhuma nave cargueira sair daqui carregada com mineral - tudo é levado para o outro lado da base, que é quase tão bem guardada quanto esta. O que eles fazem lá? Refinam o metal, e fazem alguma coisa com ele. O Capitão Eco, por ser menos rasteiro que a gente, já pode entrar lá, e viu, meio de relance, um projeto em cima de uma mesa". Nesse ponto, Myers parou de falar, apenas para forçar Briggs a mostrar-se interessado na história, o que, efetivamente, ele fez. "E que projeto era esse, Myers?" perguntou Briggs, entre relutante e curioso (sabia que Myers fazia aquilo de propósito). "Era uma armadura mecânica!" disse Myers finalmente, triunfante. "O metal extraído aqui, pelo o que me disse o capitão, é extremamente resistente, pode resistir milhares de tiros de blaster" continuou ele "e uma arma dessas nos daria ainda mais vantagem sobre os rebeldes. Depois que a Estrela da Morte foi destruída, tanto o Imperador quanto o exército começaram a procurar maneiras de derrotar estes malditos - antes era brincadeira, agora a coisa é para valer. Por isso, estão pesquisando novas armas e maneiras de destruir a Aliança, para se vingarem pelo o que eles fizeram conosco, e esta armadura, seria o prego no caixão deles" finalizou Myers, de maneira bastante dramática.

Briggs ponderou silenciosamente o que ouvira. Apesar de ser um salto lógico e tanto, o que Myers lhe contara fazia sentido, e isto, mais do que as histórias estapafúrdias que ouvira no passado, o deixou com muitas dúvidas. "Mas quem usaria estas armaduras?" perguntou por fim. "Como é que eu vou saber? O Capitão Eco viu só o projeto, e muito rapidamente. Eu acho que vão ser soldados treinados especialmente com este fim. O Capitão, porém, tem a estranha sensação de que elas serão pilotadas por droides" respondeu Myers. "Droides?! Quem em sã consciência usaria droides como soldados depois das Guerras dos Clones?" exclamou Briggs. "Eu que não seria" respondeu calmamente Myers "ainda assim, isso é só uma intuição do capitão. Ele diz que sente uma coceira no braço sempre que há um droide de batalha por perto. Não sei se isso é sinal de alguma doença no cérebro. Só sei que ele saiu vivo de um dos conflitos mais sangrentos da história da galáxia, enfrentando milhares de droides. Talvez ele esteja certo no fim das contas". Neste momento, o altofalante do corredor se ligou, e passou a despejar sua voz metálica e fria sobre Myers e Briggs: "Alerta vermelho! Alerta vermelho! A base foi invadida! O invasor é um homem branco, de aproximadamente um metro e oitenta de altura, vestindo um colete à prova de blaster, fortemente armado, está se dirigindo até a porta 72, e deve ser morto imediatamente. Repetindo, ele está se dirigindo até a porta 72, e deve ser morto imediatamente." "Ele vem para cá", disse laconicamente Briggs. "E com isso, temos mais uma prova de que o que está atrás desta porta é bastante valioso", falou Myers, mais para si mesmo do que para Briggs. Os dois se puseram em posição de batalha, e então esperaram o invasor chegar. Deviam matá-lo, e, depois deste pico de excitação, voltar à vida monótona de antes da invasão. Porém, não foi o que aconteceu, pois o invasor não era ninguém menos que Kyle Katarn, espião da Aliança Rebelde e excelente guerreiro. Quando ele apareceu no corredor que Myers e Briggs guardavam, os dois rapidamente abriram fogo contra ele. Contudo, isto foi em vão, pois rapidamente ele se esquivou e matou os dois, que morreram defendendo uma porta que nem ao menos sabiam o que escondia.