segunda-feira, 23 de novembro de 2009

As Duas Faces da Política

Hoje é 23 de novembro. As eleições para o DCE ocorreram dos dias 17 ao 19 deste mesmo mês. A apuração dos votos, de 20 à 21. O resultado foi divulgado ontem, mas ainda hoje ele se espalha entre os estudantes, que em sua maioria recebem a notícia em um misto de choque, medo e tristeza, pois foi a chapa 3, DCE Livre - Mudança Urgente, quem ganhou esta eleição.

Acho que estou cometendo dois erros aqui. O primeiro deles é dar por certa a vitória da chapa 3, pois ela possui uma vantagem de apenas 34 votos sobre a segunda colocada, e é muito possível que seja feita uma recontagem que lhe tire a vitória das mãos. O segundo é deixar os leitores no escuro sobre o que é a chapa 3, e por que ela instila tanto medo no coração dos estudantes. Permita-me corrigi-lo agora.

Para quem não estuda na UFRGS, ou não acompanha suas movimentações políticas, a chapa 3 é uma coligação organizada pelo Movimento Estudantil Liberdade (MEL), um movimento decididamente de direita, e que desde 2006 tenta sua sorte em conquistar através do voto o mais importante órgão de representação estudantil da Universidade, o Diretório Central dos Estudantes. Desde este ano até o atual, eles lançaram a mesma campanha, baseada nos mesmos princípios, de que o DCE deve servir os estudantes e defender seus interesses, ao invés de ficar se preocupando com o que acontece fora da UFRGS, como a questão do Pontal do Estaleiro, ou do "Fora Yeda", além de manifestar uma certa postura, que eles chamariam de "progressista", enquanto seus críticos definiriam de "nazista".

É possível que uma pessoa de bom senso, ao ler este texto que agora escrevo, exclamasse: "se é assim, não é possível que eles tenham ganho esta eleição, pois os estudantes universitários são majoritariamente de esquerda! Por Aslan, qualquer pessoa remotamente relacionada à qualquer universidade pública tem que ser de esquerda!" Pois é, meu caro amigo imaginário, tu não estás tão enganado assim, por que desde os tempos da ditadura militar que a esquerda brasileira recruta seus militantes nestes templos estaduais e federais de saber. Todavia os tempos agora são outros: a ditadura acabou, o presidente é de esquerda e não há mais a mesma opressão que havia antes. Além disso, apesar de não serem tão glorificados quanto seus "rivais", os estudantes "direitistas" também existiam no tempo da ditadura, e existem até hoje, especialmente na Medicina, nas Engenharias e na Administração, se não me engano. Esses são os cursos mais marcantes, porém certamente encontram-se estudantes de direita em outras faculdades, escondidos, envergonhados, mas ainda assim fiéis a seus ideais, e votando na chapa 3.

Agora me sinto obrigado a responder outra pergunta que meu texto trouxe à tona: por que os estudantes com tendências à direita teriam que se esconder ou se envergonhar de acreditarem no que acreditam? Não vivemos num país livre? Bem, constitucionalmente falando, somos realmente livres. Contudo, a liberdade verdadeira não é garantida por papéis, pois brota de dentro de nós, através de nossos atos. E, por mais surpreendente que isso possa parecer aos inocentes, o ambiente da universidade é bastante opressivo com aqueles que manifestam simpatia a partidos mais "reacionários" ou "direitistas", por que, segundo a ideologia vigente, isto é um pecado capital, e nunca, em nenhum lugar, foi-me dada qualquer explicação para este fenômeno. Já vi explicações sobre porque a chapa 3 fará uma má gestão, ou porque suas propostas são idiotas, mas nunca vi explicação que abranja tudo, e me diga o que exatamente faz da direita a "orientação política do diabo".

Não acredita em mim? De fato, preciso admitir que estou dando um passo largo aqui, ao dizer que a maioria dos estudantes rejeita a direita como algo impuro. Portanto, proponho uma experiência concreta: vá à uma reunião de estudantes, qualquer uma, e fale bem do Democratas. Observe quantas pessoas olharam com a cara torta para você. Depois, dê um jeitinho e entabule uma discussão "Esquerda vs. Direita", e pergunte ao seu interlocutor por que ele despreza tanto os direitistas. A não ser que você discuta com algum cidadão muito desenvolvido e compassivo, a resposta que ele lhe dará será extremamente autojustificadora e preconceituosa, porém coberta por uma leve camada de tolerância incipiente. Em outras palavras, seria mais ou menos como se, na cena da bruxa de Monty Python e o Cálice Sagrado, alguém perguntasse "mas a bruxa não é um ser humano também?", pois, seguindo o mesmo humor daquela grande trupe, alguém responderia "sim, sim, ela também é um ser humano, com sentimentos, desejos e paixões como todos nós, mas... BRUXA! QUEIMEM ELA!". Não quero com este parágrafo dar a entender que as pessoas que seguem o "Lado Direito da Força" sejam mais tolerantes que as da esquerda (li no Orkut alguém usar a palavra "esquerdiota", por algum motivo que me falha a memória) - apenas que eles são menos numerosos.

Então, por que, sendo menos numerosos eles ainda ganharam (ou quase) esta eleição? Certamente, se houvesse uma chapa de esquerda forte e unificada, ela seria imbatível, não é mesmo? Com certeza, só que isso não acontece desde o ano em que entrei na UFRGS, em 2007. Desde meu tempo de bixo, sempre existiram 3 chapas de esquerda, todas as três tentando comer o fígado (metafórico) das outras e, se possível, abocanhar uns votos. Para não dizer que esse pessoal é completamente cego para a força da chapa 3, sempre houve quem tomasse para si e sua coligação o papel de "Mais Forte" para combater os candidatos do MEL, tentando passar uma imagem de luta do bem contra o mal, para apelar aos sentimentos mais profundos dos eleitores. Ano passado, quem assumiu esse papel foi a chapa 1, por ser a mais numerosa e representativa. Este ano, porém, isto mudou, e por causa de desgastes políticos, houve um racha, e metade da gestão foi integrar a chapa 2 desse ano, que então assumiu o manto de "Paladino del Che" e anunciar aos quatro ventos que ou eram eles ou os "fascistas", ainda que não com a mesma força da chapa 1 do ano passado, porque... bem, ano passado isso funcionou.

Volto agora ao que disse no primeiro parágrafo deste ensaio: as reações de meus colegas. Ontem à tarde, meu amigo Marcelo mandou um e-mail para todos os estudantes da Psicologia através de nossa lista, a Tomada do DAP, informando que o MEL ganhara as eleições. Não muito tempo depois, começaram a vir as respostas, em sua maioria expressando não desagrado, e sim medo, medo por que uma chapa de direita ganhou as eleições. OK, não vou negar que o pessoal da chapa 3 tem o nome sujo no cartório - pelo menos um de seus membros foi acusado de ser nazista (com direito a julgamento e tudo), e eles não usaram as táticas mais limpas que existem nessa ou nas outras eleições. Contudo, posso dizer que as mesmas acusações se aplicam aos membros das outras chapas, com muito mais propriedade e segurança que meus colegas podem falar da chapa 3, por que eu vi o mecanismo da política estudantil da UFRGS por dentro. E baseado nessa experiência, posso dizer que a diferença ideológica entre esquerda e direita pode ser significativa em termos práticos (por exemplo, onde investir mais dinheiro), mas é absolutamente irrelevante no fim das contas.

Há muito tempo sinto grande desconfiança da política e de seu funcionamento, e ler The Kingdom of God is Within You de Tolstoi não ajudou a mitigar este sentimento. Porém, por mais que acreditasse que a política no fundo fosse completamente inútil, sempre me surgiram exemplos provando o contrário: os encontros estudantis da Psicologia, a reforma psiquiátrica, nossa frágil autogestão do DAP. Estes casos não são processos políticos perfeitos e ideais, mas são o suficiente para mostrar que há esperança. Desde muito tempo divido a política em duas: uma boa e outra má, sem nunca conseguir diferenciá-las de fato. Depois de muito ver e muito refletir, percebi que esta diferença é gritante, ainda que pouco notada. Não se encontra no exterior que todos enxergam, essa casca grosseira de direita e esquerda, revolucionário e reacionário, mas no fundo de tudo, na questão mais importante de todas: quero realmente sacrificar-me pelos outros? Se a resposta a esta questão for um poderoso e sincero SIM, não importa o que o candidato ou chapa faça, ele sempre encontrará um meio de fazer o mundo um lugar melhor que era antes, e se os membros da chapa 3 tomarem para si esta atitude, deixarão muitos bons frutos como legado de sua gestão. E se este não for o caso, certamente não serão muito piores do que aqueles que os procederam.