sábado, 5 de setembro de 2009

Utopias (2)

Terminei ontem de ler "Walden II", de B.F. Skinner. Já fiz um extenso comentário a respeito do livro no post anterior, mas, tendo lido os capítulos que faltavam, sinto que preciso comentá-los também. Infelizmente, como não dá pra falar de uma parte de um livro sem falar dele todo, serei um pouco repetitivo em alguns momentos, porém, prometo reduzir isto a um mínimo.

Como expliquei anteriormente, Walden II é uma comunidade utópica imaginada pelo personagem Frazier, onde toda o sofrimento humano fora abolido através do reforço positivo. Esta técnica consiste, muito brevemente, em estabelecer condições ambientais que aumentam a probabilidade de um comportamento desejável através de uma consequencia agradável. Por exemplo, ao invés de ameaçar uma criança com algum castigo se não fizer os trabalhos escolars, é mais eficaz oferecer uma recompensa para tanto. Este seria o "segredo" de Walden II - assim, através de contingências onde o comportamento adequado é recompensado, e o comportamento inadequado é corrigido, nenhum integrante da comunidade teria motivos para se rebelar e agir de maneira contrária aos interesses coletivos, por que eles não são contrários aos seus. Estas contingências seriam determinadas inicialmente por um Conselho de Planejamento, que escreveu o "Código de Walden". Este código seria algo como as Tábuas da Lei de Walden, com a diferença que elas não estariam escritas na pedra como os Dez Mandamentos, mas abertos a revisões. Isto seria o maior diferencial da vila idealizada por Frazier das tentativas utópicas anteriores: abertura para mudança, que permitiria corrigir o que está errado e melhorar o que já está bom. Estas revisões poderiam ser feitas a partir da reclamação de qualquer membro da comunidade que achasse algo ruim e reclamasse, e a partir de experimentos científicos. Por exemplo: os membros de Walden II tomam café e chá em xícaras com "alças de balde", pois foi constatado que dessa maneira menos líquidos eram derrubados durante o transporte até a mesa. Além disso, toda a estrutura de tomada de decisões de Walden II fora montada de maneira que nenhum indivíduo sozinho pudesse subverter o Código geral em proveito próprio. Não que isto fosse necessário, por que nenhuma pessoa desejaria fazer algo assim, pois as contingências desta sociedade utópica seriam tais que ninguém que morasse ali conceberia isto como possível.

Explicado assim, tanto o reforço positivo quanto o "Código de Walden" parecem muito eficientes. E de fato são. Mas há um porém nisso tudo. Este livro, escrito em forma de romance, foi uma tentativa de Skinner de mostrar ao mundo o potencial que a sua linha teórica oferecia. Contudo, Skinner é famoso por ter sido um homem com muitas certezas. Entre elas, figurava a certeza de que a Análise do Comportamento era não só a melhor alternativa entre todas as linhas teóricas da Psicologia, como a única que poderia ser considerada como científica e portanto verdadeira, e isso o fazia defendê-la com um zelo quase fanático. O livro não escapa disto. Em Walden II, o reforço positivo e a ciência não só conseguiram fazer com que os trabalhadores se tornassem mais produtivos, como também aboliu a inveja, a raiva, a competitividade, a tristeza e a ambição e as substituiu por uma perene satisfação e altruísmo autênticos. Soa maravilhoso, não? Pois é, soa mesmo, mas alguma coisa parece estar fora de lugar ainda assim.

Tenho grande simpatia pela idéia de Skinner de "sociedade ideal", e até certo ponto, acredito que suas conclusões são muito acertadas - em especial, a necessidade de um método de regulação social baseado mais na recompensa do que no castigo, o uso da ciência para determinar as melhores condutas e a ausência de competitividade, que é apenas outra maneira de dizer "massagem no ego". Contudo, também acredito que, na exposição de suas idéias, Skinner caiu no erro que os filósofos chamam de "Declive Acentuado" - baseado em premissas corretas, atingir conclusões errôneas. Frazier, ao longo do livro, não cansa dizer que as técnicas que ele emprega não são nada inovadoras, mas que sempre estiveram nas mãos das pessoas erradas, como políticos, mercadores, governantes e grupos religiosos, que as usavam para fins próprios, e tudo que ele fez foi reuni-las e utilizá-las em nome do "bem comum". Mas o que realmente impede que Walden caia nas mãos de um tirano inteligente e disfarçado? Com a mesma facilidade que estas estruturas "anti-ditadura" foram montadas, uma pessoa má intencionada pode revertê-las. O emocionalmente instável mas amoroso e simpático Frazier nunca faria isto. Porém, podemos dizer o mesmo do resto da humanidade?Para alguém que defende a natureza neutra do ser humano (nem intrinsecamente bom ou ruim), ele depende demais da bondade humana.

E se estas técnicas estão disponíveis há tanto tempo, por que não foram usadas antes? Como as técnicas de "engenharia cultural" são a razão do sucesso de Walden II, é difícil de engolir que, com tantas pessoas brilhantes organizando utopias ao longo de toda a história, nenhuma delas teve sucesso. Parece arrogância de Skinner afirmar isto tantas vezes ao longo do livro.

Além de tudo isso, oss sentimentos negativos, como raiva e inveja, são parte integrante do ser humano há milênios, e alguns anos de condicionamento aboliram eles por completo? É difícil de engolir essa. Claro, um behaviorista diria que esta é uma "hipótese experimental", e que está aberta ao teste científico, o que, na língua deles, é apenas outro jeito de dizer "nós estamos certos, você errado", mesmo quando os dados experimentais provam o contrário.

Bem, acho que vou parando por aqui, antes que meus argumentos fiquem ainda mais bagunçados. Fiquei inspirado, contudo, a ler mais sobre utopias. A próxima vai ser "Horizonte Perdido", que fala de Shangri-lá.