quarta-feira, 1 de julho de 2009

Televisão, Estágio e Loucura (Parte 2)

Mais um dia de estágio, mais um dia de exposição às ondas televisivas. Fui na casa de um morador, para ver como ele estava e conversar um pouco. Como era de praxe, a TV estava ligada. Se serve de consolo, pelo menos desta vez ele não estava sentado no sofá semi-morto, mas tomando seu café da tarde na mesa ao lado, onde se podia apenas escutar a TV. O programa que assistiamos hoje não era nem um filme ruim de doer, nem aquele programa de velhas fofoqueiras com sede de sangue que é o "Brasil Urgente" do Datena - era o show da Márcia. Para os abençoados que não lembram ou são jovens demais para lembrar, aqui vai a maldição do conhecimento - depois que vocês lerem este post, nunca mais esquecerão. Resumidamente, essa Márcia é uma apresentadora rampeira que trabalha como "cabeça" de shows vagabundos há um bom tempo, mas que estourou de verdade há uns 10 anos ou mais quando foi contrada para apresentar um programa de auditório (narcisisticamente chamado de "Márcia") cuja principal missão era a de ser um fórum para aqueles que, não satisfeitos em brigar com algum amigo ou parente por um motivo besta, queriam mostrar para todo o Brasil que estavam brigando com algum amigo ou parente por um motivo besta. Lembro de ter assistido alguns episódios, e a coisa era realmente besta - a atração principal de um era dois amigos brigando sobre qual era o melhor time, Grêmio ou Inter (falando nisso, como tem corinthiano aqui em Porto Alegre, hein?). Tenho a impressão que, por mais que eu me esforçasse, jamais poderia ter idéias tão idiotas. Em todo caso, depois de um tempo ela começou a perder credibilidade (que mesmo hoje não é exatamente muito grande), o programa saiu do ar e ela foi parar na geladeira do SBT. Maaaas, sendo a fênix que ela é, ressurgiu tempos depois, em outro canal, apresentando a mesma porcaria. No presente momento, ela apresenta um programa praticamente igual ao que lembro dela apresentar no SBT, inclusive com o mesmo nome (por que alguém que disse ao vivo que queria que todas as mulheres que assistiam o seu programa fossem fortes, firmes e decididas não deixaria seu narcisismo assim tão facilmente).

O programa é um lixo. Um grande, verdadeiro, completo e total lixo. Não paira nenhuma dúvida a respeito disso. Eu sei disso, o auditório sabe disso, os moradores do São Pedro sabem disso, a produção do programa sabe disso, a Márcia sabe disso! Ainda assim, não dá para tirar os olhos da droga da TV por que a maldita apresentadora enrola tanto, faz tanto doce que no fim qualquer que seja a merda que ela esteja apresentando parece a coisa mais interessante do universo! Veja o exemplo do programa de hoje. A atração principal era um quadro chamado "Espelho Meu" - nesse quadro, a produção do "Márcia" escolhe uma pessoa, geralmente mulher, pobre, favelada e com uma história de fazer a Joseph Klimber chorar, para passar por uma reforma geral no próprio corpo e sair praticamente uma deusa. Esta proposta é duplamente chamativa, por que atrai a atenção do público tanto pela caridade que a Márcia "faz", quanto pela curiosidade mórbida. Eu fui pego pela segunda, pois o que realmente me chamou a atenção foi o close que deram nos dentes completamente podres da pobre candidata à princesa encantada antes do "extreme make over". Mas, o fator que gera mais curiosidade é o mistério. Não se acompanha passo a passo a lenta transformação desta mulher, nunca se vê ela por inteiro, só em partes (os dentes podres, por exemplo). Quando ela tem que aparecer com todo o corpo, ela aparece usando uma roupa preta e uma máscara branca, cobrindo tudo.


Disfarce da participante do quadro "Espelho Meu". Creepy...


A idéia é ir gerando tensão e curiosidade no público, para segurar ele até o final e ver o resultado. E, meu chapéu, como funciona! E como aquela desgraçada da Márcia se aproveitava de nossa paciência! A cada cinco minutos, mostrava na tela um pedaço do processo - no cabelereiro, no dentista, no dermatologista, no pai de santo - dizia que a mulher estava ali, conversava com ela, e então ameaçava mostrá-la ao público. Porém, no exato momento em que achávamos que ela ia mostrar, ela cortava para os comerciais ou para o jabá de algum produto remelento. Isso chegou a atrapalhar meu desempenho profissional. Estava lá eu, conversando com meu acompanhado terapêutico, fortalecendo nosso vínculo, quando de repente aparecia a Márcia e começava a falar no "Espelho Meu". Desconcentrava-me completamente e ficava prestando atenção na TV, pensando "É agora!". Não, nunca era. Depois da terceira vez que ela negou fogo, decidi que era hora de ir embora. Passei, contudo, na casa de outra moradora, e adivinhem o que ela estava fazendo? Sim, olhando a Márcia. Decidi que era meu destino ver como ficara a pobre mulher totalmente repaginada, e fiquei assistindo aquele lixo televisivo até o final. E, como era de se esperar, me decepcionei. Quando ela finalmente apareceu, a primeira coisa que falei foi "colocaram uma cebola no lugar do cabelo dela?" OK, admito, ela estava bonita, mas não o suficiente para justificar toda a atenção que dei para ela. E esse programa é sempre assim: capturam tua atenção com uma chamada espalhafatosa, te enrolam até onde conseguem e então te decepcionam. Mas, não importa quantas vezes isso tenha acontecido, sempre que você ligar a TV naquele canal, naquele horário, vai acabar olhando o programa da Márcia de novo, por que com certeza alguma idiotice vai te atrair. O site do programa também é assim - "mulher noiva há 25 anos"? "Marido infiel jura ter mudado"? Que porra é essa? Não sei, mas quero ver! E é assim que programas ruins continuam no ar: atacando continuamente os nossos pontos mentais mais fracos.




Márcia: histericamente chamando nossa atenção em mais de um front.