quarta-feira, 15 de abril de 2009

Notas sobre Psicologia Positiva

A Psicologia está mudando muito, e rápido. Quem quer que esteja interessado nos aspectos positivos da natureza humana encontrará uma vasta literatura, desde livros publicados até artigos indexados em sites como o Scielo ou o Portal de Periódicos da CAPES, cujo assunto principal é a Psicologia Positiva, o estudo das virtudes e forças de caráter dos seres humanos. Trinta anos atrás, isto seria na melhor das hipóteses um sonho distante.

Contudo, apesar disso, não significa que não fosse possível já naquela época encontrar alguma coisa a respeito deste assunto, pois autores como Erich Fromm, Carl Rogers e Abraham Maslow estavam no auge de suas carreiras, desbravando estas áreas que hoje vemos florescer. Gosto muito destes três autores que citei, mas o que mais me impressionou e cativa é o terceiro, o velho Maslow, que em suas obras deu vôos filosóficos ousados e inovadores. Na Psicologia acadêmica e nas faculdades de Administração, ele é mais conhecido por sua Teoria da Motivação Humana, frequentemente representada por uma pirâmide de necessidades. Contudo, se posso fazer isto, digo que sua maior contribuição para a ciência foram seus apontamentos sobre Auto-Atualização: a necessidade humana de transcender a si mesmo e crescer.

A Auto-Atualização, tal como muitos outros conceitos desenvolvidos nos anos 1960 pelos teóricos humanistas, passou por uma revitalização nos anos 1990 e 2000 e voltou a ser pesquisado pelos psicólogos positivos, mas com o nome de “Flourishing”, que poderia ser traduzido para português como “Florescer” ou “Desabrochar”. Um nome muito bem escolhido, diga-se de passagem.

Há uma semelhança em particular entre estas duas teorias que gostaria de ressaltar: a maneira como saúde e doença são encaradas por ambas. Maslow acreditava que a clássica divisão cartesiana entre o que é saudável e o que é patológico muito ineficiente, por depender demais em definições arbitrárias do que é bom e o que é ruim para uma pessoa, além de todo o histórico destas duas palavras. Para substituí-las, Maslow propôs o conceito de “Humanness”, um termo cunhado por ele próprio, que poderia ser entendido como “Nível de Humanidade”: quanto mais “humano” for alguém, mais feliz, desenvolvido e, enfim, saudável será uma pessoa, e quanto menos “humano”, mais infeliz, atrofiado e patológico. Ele defendia que a principal vantagem deste modelo era a possibilidade da criação de escalas psicológicas, capazes de medir objetivamente quão “humano” uma pessoa é.

Isto foi feito de fato pela moderna Psicologia Positiva, com o “Continuum de Saúde Mental”, cujos extremos são o Desabrochar (Saúde Mental) e o “Languish” – Fenecer, Decair (Psicopatologia). Esta escala leva em conta dois grandes fatores: a presença de aspectos positivos na vida de uma pessoa, tal como afeto positivo, rede social efetiva, sentimento de autoeficácia e sentido na vida, e ausência de aspectos negativos. Estes dois fatores, ao contrário do que poderia se imaginar, são completamente diferentes e não são extremos de um mesmo continuum. Claro, eles se correlacionam de forma negativa, mas é possível estar feliz e triste ao mesmo tempo.

Segundo uma pesquisa realizada recentemente, cujos resultados foram publicados no artigo “The Mental Health Continuum - From Languishing to Flourishing”, cerca de 17% da população dos EUA enquadra-se nos critérios de Florescimento, 56% como moderadamente saudáveis e não apresentando doença mental, e 18% como fenecendo (sendo que cerca de 4% apresentam comorbidade de Depressão Maior). Em outras palavras, quase 20% da população dos EUA está em franco processo de “tornar-se pessoa”, para citar o livro mais famoso de Carl Rogers, enquanto 17% segue o caminho contrário, de encolhimento existencial, e mais da metade da população fica no meio-termo: não está doente, mas está só um pouco saudável. Indiferentemente se estes são números positivos ou negativos para a nação estadunidense, fica a pergunta: quem são as pessoas que se enquadram nestes 20%?

Maslow fazia uma diferenciação entre dois tipos de pessoas auto-atualizantes: os comuns e os transcendentes. A diferença entre estes dois tipos reside na quantidade e na qualidade das experiências culminantes, sentimentos de plenitude e estados de consciência mais elevados e êxtases místicos, por eles vivenciadas. Os primeiros são pessoas boas, que cultivam boas relações e progridem em termos humanos, mas não vão muito além disso. Os segundos, por outro lado, muitas vezes foram considerados como sobre-humanos, seres tão desenvolvidos que parecem pertencer a outra espécie que não a Homo sapiens. Em outras palavras, são os santos, os heróis e os gênios; os Gandhis, os Lincolns e Einsteins. Como eles se tornam o que são, e como diferenciá-los dos 20%? Maslow acreditava que só 3% de toda a população do mundo atingia este patamar de Auto-Atualização. Identificá-los e estudá-los talvez não seja tarefa da Psicologia Positiva, mas de uma Teologia Empírica, tal como descrita por Aldous Huxley no prefácio de “A Filosofia Perene” – a Ciência da Iluminação Humana.