quarta-feira, 8 de abril de 2009

Histórias que entretêm - Passeio Etílico em Uruguaiana

O mundo é realmente um lugar estranho. Em um momento, estou bebendo néctar e cantando com os querubins e no próximo, quando abro os olhos, descubro que estou estatelado no chão em algum lugar muito, muito sujo. Fecho novamente as pálpebras, tentando voltar ao estado de graça anterior, mas tudo que consigo é sentir mais agudamente a dor que sinto em minhas costas e minha cabeça.

Desisto de voltar a sonhar, e olho o lugar em meu redor. Certamente o concreto sob meu corpo não era minha cama, e aquele lugar não era meu quarto. Apesar de não lembrar nada da noite anterior ou de como fui parar ali, utilizo meus conhecimentos prévios e percebo que estou em uma rodoviária - a sujeira e os ônibus deixavam isso bem claro (a sujeira mais do que tudo). Tendo percebido isto, fica claro por que sentia tamanha dor nas costas: dormi em um daqueles bancos desconfortáveis que a administração coloca para os passageiros esperarem sentados por suas conduções atrasadas, e caí no chão durante meu sono de beleza. Ligando os pontos que eu tinha passado uma noite inconsciente em uma rodoviária e que não sentira nada ao deslizar delicadamente de um banco para chão segui o procedimento lógico mais adequado: verificar se eu não tinha sido estuprado e/ou assaltado. Dar-me conta de que meu orifício retal não estava dolorido ou dilatado foi a melhor notícia que minhas mãos poderiam ter me dado aquele dia. O mesmo não pode ser dito sobre minhas posses.

Ao apalpar e revistar meus bolsos em busca de celular, chaves e carteira, descubro que apesar de contar com todos estes itens fisicamente, eles me eram absolutamente inúteis naquele momento: o celular estava com a bateria descarregada, não tinha a menor idéia em qual direção ficava o querido lar e só tinha 4 reais na carteira. Como fui me meter em tal situação?

As memórias começaram a fluir de volta para minha consciência, e a última coisa que lembrei antes de estar no chão de uma rodoviária cutucando minha bunda para conferir se tinha sido ou não currado foi de ter ido à uma pequena confraternização na casa de uns colegas. Meu amigo Borat, com aquele seu jeito de quem fora criado tanto na Capital quanto no interior, chegou em mim com uma garrafa de Johnny Walker e disse "hoje tu vai te entorpecer feito homem!", ao mesmo tempo em que me servia uma generosa dose. Aceitei o desafio e tomei tudo em um gole só e peço mais, como aquele moleque da propaganda do Tang, com a diferença que Borat não disse "ele não merece" e deu o whisky para um macaco beber. Quero dizer, eu acho que não, pois a partir desse ponto do "filme das lembranças" só consigo ver estática. Apesar dessa grave falta, tudo ficou mais claro. Sempre fui um tanto quanto exagerado, e sabia que, se algum dia eu tomasse um porre, ele mereceria uma menção honrosa nos livros de história.

Tendo esclarecido pelo menos parte do mistério de como fui parar ali, restava saber onde era "ali", pois nada naquela rodoviária me era familiar. Depois de alguns minutos elaborando hipóteses sobre em qual cidade da grande Porto Alegre eu deveria estar, levantei-me com dificuldade, e fui procurar alguém que pudesse esclarecer esta questão geográfica. Minhas costas doiam terrivelmente, e tive a impressão de que seria mais prazeroso que minha cabeça explodisse quando comecei a movimentá-la. Encontrar um ser humano capaz de explicar onde estávamos não foi tão difícil, mas a comunicação, nem tanto, pois, além de me deixar rouco, a bebida (e qualquer outra coisa que eu tivesse ingerido) me deixara falando como um disfásico e ouvindo com a mesma precisão que aquela velha surda de "A Praça é Nossa". Depois de 5 minutos de incompreensão mútua, consegui elaborar uma frase clara e coerente e entender algo mais do que "bleh":

- Moço, por favor, que rodoviária é essa?
- Como é que é?
- Eu quero dizer, em que cidade nós estamos? É Novo Hamburgo, Canoas...?
- Guri, tu tá bem? Isso aqui é a rodoviária de Uruguaiana, bem longe da Capital. Como que tu não sabia disso?
- Isso é outra coisa que eu também não sei.

Acho que fui um tanto quanto grosseiro com este gentil senhor que tão bem respondeu minha pergunta, pois simplesmente me virei e saí caminhando em qualquer direção. Creio que ele entendeu e não me levou a mal, afinal de contas, se havia alguém naquele local que poderia dizer que estava fodido na vida, era eu (e algum outro bêbado que foi parar ali por engano).

Olhei o relógio que pendia da parede de algum boteco vagabundo. Passava do meio-dia, mas eu não tinha o menor apetite, e só pensava em como diabos voltar para casa. Aquele seria um bom momento para começar a fumar, e ficar fazendo pose de Sartre enquanto ponderava sobre minha miserável existência, mas o maço mais barato daquele pulgueiro custava 5 reais. Fodam-se os existencialistas franceses, eles nunca ficaram sem dinheiro em uma rodoviária no fim do mundo! Além disso, fumar não me ajudaria a pensar melhor sobre qual curso de ação tomar.

Entrei, por fim, no meu modo sobrevivente de trabalhar com escassos recursos, comprei um cartão telefônico e dirigi-me ao orelhão mais próximo. Não sabia ainda com quem falar, mas sabia de uma coisa: teria que ser rápido, por que com aqueles 20 créditos não ia dar para discutir fenomenologia e teoria crítica. Ligar para meus pais estava fora de questão: claro, eles viriam até Uruguaiana para me buscar, mas isso seria feito provavelmente com uma ambulância, pois certamente eles teriam um treco. Restavam os amigos ainda. Gosto de fantasiar que todos os meus amigos viriam ao meu resgate se os telefonasse pedindo desesperadamente por isso, mas mesmo que isso fosse verdade, teria que me contentar com os amigos cujo telefone eu sabia de cor. E essa última variável limitava minhas chances de resgate consideravelmente.

Por algum tipo de milagre, consegui lembrar do telefone do Borat. Ele era o amigo mais indicado para conversar naquele contexto, pois ele com certeza elucidaria um pouco mais o mistério que cercava o meu passeio acidental pela fronteira:

- Alô Borat, Andarilho, tudo bem?
- SEU ANIMAL, FAZEM TRÊS DIAS QUE A GENTE TE PROCURA E NADA! POR ONDE TU ANDA?
- Ahn? Três dias? Eu tô na rodoviária de Uruguaiana, e qualquer informação sobre como eu vim parar aqui poderia me ajudar a voltar.
- COMO É QUE EU VOU SABER COMO TU FOI PARAR AÍ? TU TOMOU AQUELE WHISKY, FICOU MAIS LOUCO QUE O BOZO E SUMIU CORRENDO LÁ DA FESTA!
- Espera aí, ninguém viu o que eu fiz?
- CLARO QUE NÃO! OU TU ACHA QUE A GENTE IA DEIXAR TU FAZER UMA MERDA DESSE TAMANHO SE TIVESSE JUNTO?
- Quer que eu responda sinceramente esta pergunta?
- ...
- Ótimo, nem eu. Então, vamos ao que interessa: preciso que...

Não pude completar a frase por que os créditos do meu cartão acabaram subitamente. Juro que quando eu era criança eles duravam mais. Malditas companhias telefônicas.

A coisa só piorava para meu lado: continuava fodido em uma rodoviária na fronteira com a Argentina, mas agora sem um puto na carteira para comprar cartão telefônico. Murphy estava me atacando com todas as forças, e se não voltasse logo para casa, talvez eu precisasse vender meu corpo pelo resto de meus dias, por que Murphy é um grande sacana. Definitivamente, provou ser uma má idéia ligar para o Borat ao invés de meus pais, pois, tendo treco ou não, eles me buscariam, com a única condição de poderem dizer que foram salvar minha pele em Uruguaiana em discussões sobre responsabilidade e maturidade sempre que estivessem sem argumentos. O destino e meu orgulho salvaram-me de tamanha humilhação, mas deixaram-me por conta própria. Alô, Deus, posso devolver por correio o meu orgulho? Ele só me dá trabalho desnecessário!
Enfim, hora de considerar as opções disponíveis, ou eu nunca sairia dali. Telefonar já não era mais possível, e comprar uma passagem direto para Porto Alegre, ou qualquer outra cidade, menos ainda. Restava a opção de pedir ajuda às autoridades ou pedir carona na beira da estrada. Como eu não queria apanhar de brigadiano por mendigagem, resolvi ir direto até a estrada que levava à Porto Alegre e balançar meu tico polegar no ar.

Continua em outro post...

Músicas para cantar no chuveiro

Como ando sem muita inspiração (ou tempo) para escrever, deixo aqui mais um clipe, da música "Holding Out for a hero" e com cenas do Shrek. Ficou bem bacana.