sábado, 14 de março de 2009

Vida Dura (Parte 20) - Andarilho e seus pastéis

Em termos alimentares, creio que tenho uma dieta bastante saudável e balanceada: como salada e frutas em quantidade razoável, bebo bastante água e muito raramente como frituras ou fast food. Exceto pastel, por que eu adoro essa porcaria. Tanto que, esses dias, durante uma reunião de diretórios e centros acadêmicos da UFRGS no DCE, ao invés de prestar atenção no que estava sendo dito (algo sobre protestar contra alguma coisa), fiquei pensando no meu "plano alimentar" - quando saísse dali, passaria em um mercado, compraria massa pronta para pastel e tomate e levaria para casa, onde eu entraria dramaticamente no quarto da minha mãe e diria "mim fome. Frita pastel!" ou algo do gênero. Fiz exatamente isso (exceto a parte onde eu falo como um dislálico - acho que eu conjuguei mais adequadamente os verbos), e minha mãe, sendo a santa criatura que ela é, parou de jogar seu paciência Spider, vício virtual de pessoas na meia-idade, foi para a cozinha e fritou muitos pastéis, só para ver seu pimpolho satisfeito de barriguinha cheia.

Hoje, depois de um treino de Kung Fu relativamente cansativo, fiquei com fome, e pensei que comer alguns pastéis de novo não seria má idéia. Contudo, hoje a conjuntura doméstica não era a mesma do outro dia, pois minha mãe, como a boa esposa que é, voltou para Caxias do Sul para passar o final de semana com meu pai, o que torna a opção de entrar no apartamento esperneando e berrando até conseguir comida ineficaz (mas não impraticável - eu poderia fazer isto de qualquer jeito, mas dependendo dos decibéis empregados, eu poderia ser internado lá onde eu deveria fazer estágio). Mesmo assim, a idéia de comer um pouco de fritura no jantar era boa demais para ser abandonada, por isso, depois de certo tempo em devaneio, concluí que eu mesmo poderia fazer meus pastéis! Afinal de contas, tinha observado minha mãe preparando-os para mim, e não parecia ser tão difícil, aliás, parecia ser bastante fácil. "Que mistério existe em fritar massa recheada?" pensei, enquanto caminhava pela Lima e Silva, já saboreando os quitutes que ainda havia de fazer. Aaaah, este jovem gafanhoto iria aprender na marra que a coisa é mais complicada do que parece...

Chegando em casa, conferi os ingredientes, os dispus por sobre a mesa e repassei mentalmente o processo: pegar uma massa pronta, colocá-la no prato, recheá-la com queijo, tomate e orégano, dobrá-la e apertá-la com um garfo, para que não se desmanchasse na panela. Fácil, não? Bem, para uma dona de casa com pelo menos 20 anos de experiência em alimentar bebês chorões, deve ser quase uma segunda natureza, mas para um estudante de Psicologia cujas maiores habilidades consistem em devorar livros e treinar, o processo é um pouco mais... complexo. Peguei a primeira fatia de massa, estendi-a no prato e recheei-a. Tudo ia muito bem, até a hora que fui dobrá-la, e percebi que havia como que um plástico envolvendo meu projeto de pastel. É muito legal da parte do fabricante de ter colocado esta proteção a mais em seu produto, para garantir uma maior qualidade mas, porra, não dá pra por o pastel na panela com aquilo em volta! E tirando a camisinha alimentar do meu pastel, derrubei todo o recheio, e não consegui mais fazer com que ficasse do jeito que estava antes. Na hora de apertar com o garfo me atrapalhei um pouco e fiz uns furos um tanto quanto desnecessários, mas o resultado final ficou até que bonzinho. "Ficou bom, mas vou deixar pra fritar por último. Com a prática eu melhoro" pensei, antes de pegar a segunda fatia de massa e recomeçar o processo.

Não foi o que aconteceu exatamente com o segundo pastel. Me atrapalhei mais ainda, e o que saiu foi uma aberração. Rasguei uns pedaços aqui, furei com o garfo um outro naco ali, e, no fim, para deixar aquilo mais decente para ir pra panela, amassei a massa com a mão para tapar os buracos por onde o queijo escaparia. Em outras palavras, saiu um Pastel de Notre Dame. "Tá, ESSE aqui eu frito por último. O próximo vai sair melhor" pensei, mais uma vez. O terceiro pastel, ao contrário dos anteriores, saiu perfeito, uma verdadeira obra-prima. Senti-me como Michelangelo depois de ter terminado o "Davi", e só não bati no meu pastel e disse "Parla!" por que... bem, pastéis não falam, via de regra. Em todo caso, tinha atingido a perfeição, e pude, por breves instantes, acreditar que todos os outros seriam tão ou mais perfeitos que este terceiro. Porém, uma obra-prima é sempre única, e minha ilusão foi violentamente destruída quando destruí além de qualquer reparo o quarto pastel, tentando levantá-lo do prato. Não tinha como amassar tudo e tentar fritar, por que estava tudo uma bela merda. Então, em minha fúria, urrei e comi-o cru mesmo. Dramático, não? São momentos como este que me fazem pensar se não sou adotado, e que um dia meu pai vai chegar para mim e dizer "Andarilho, gostaria de ter te dito antes, mas eu não sou teu pai. Na verdade, teu pai biológico é um ogro, e nós só te achamos abandonado em uma lata de lixo", por que, sério, até uma coisa simples como fritar pastel para mim acaba se tornando um exercício do meu trogloditismo.

Decidi dar um tempo na lambança culinária e ir pro meu quarto. Aproveitei e comi o corcundinha também (só imagino que tipo de gente o Google vai acabar jogando aqui no blog por causa desta última frase). Voltei à carga de "pegar, rechear, dobrar e apertar" só depois de quinze ou vinte minutos, quando já tinha suplantado a memória do meu mais recente fracasso com as bobagens que procriam na internet e superado tamanho trauma. Foi normal, ou pelo menos tão normal quanto poderia ser. Alguns pastéis saíram melhores, enquanto outros acabaram mais esburacados do que gostaria, mas estavam prontos. Só faltava fritá-los. Neste ponto, comecei a repensar a genialidade de cozinhar minha própria junk food. Frituras envolvem óleo fervente, substância cuja fama não é devida a suas propriedades terapêuticas. OK, não é tão difícil assim fazer fritura, mas era exatamente o que eu tinha pensado a respeito de fazer pastéis como um todo, e não era como eu esperava. Já podia até imaginar a cena: eu entrando no HPS, me dirigindo ao guichê de atendimento e dizendo "oi moça, tudo bem? É o seguinte, eu tava lá em casa fritando uns pastéis, e no vuco-vuco da coisa acabei derrubando óleo fervente nas minhas costas. Tem como colocar um band-aid ou coisa assim?", e a estagiária secretária, já cansada de ver este tipo de besteira, me encaminha para a Emergência, onde os médicos iriam ficar fazendo chacota da minha inaptidão com as panelas, me restando apenas o consolo de que eu não seria o paciente mais debochado da noite, pois o cara deitado de bruços na cama ao meu lado veio parar ali por causa de um rojão acesso que ele inserira em seu orifício excretor.

OK, OK, minha imaginação é fértil e eu tenho um gosto pelo absurdo, e sei que isto dificilmente aconteceria, mas eu realmente considerei a possibilidade de comer todos os pastéis crus mesmo. Mas esta idéia, além de me fazer imaginar outra cena no HPS que acabaria divertindo muitos médicos em um congresso de Coloproctologia, era admitir que eu fora derrotado pela cozinha, mais uma vez. Não, não iria dar o braço a torcer: se o Obama pode mudar o mundo, eu podia fritar pastéis sem sofrer desfigurações. Eu ainda corria o risco de realizar alguma proeza e me queimar todo, mas para casos como este é que existe o SUS sistema de planos privados de saúde. Superado o medo, pus-me a cozinhar.

Como vocês podem imaginar, não foi tão dramático quanto fiz parecer. Para ser franco, foi até que bem ordinário. Fui meio estabanado, voaram alguns pingos de óleo fervente na minha mão por causa da água dos tomates que escorreu para fora dos pastéis, tostei eles um pouco mais do que gostaria e, no fim, sentei-me e comi. Para minha grata surpresa, pastéis fritos são melhores do que pastéis crus, apesar de conterem mais gordura saturada. Só isso, nada de morte e dor em proporções épicas. A batalha com a panela está acabada, e agora, só falta resolver um outro problema de cozinhar a própria comida: lavar a louça e limpar a cozinha, mas isto fica para outro post.

Hey, McFly!

Nos últimos tempos, o Google resolveu criar um serviço chamado Google Time Machine que, como o nome diz, funciona como uma máquina do tempo, e compara os sites de hoje com o que eles eram em 2001, quando o Google foi criado (se eles existissem na época, é claro).

Só que, aparentemente, esse gadget, aparentemente inútil, faz mais do que comparar um site com o outro: ele também te permite receber e-mails que nem sequer foram enviados.


Esses filhos da puta ainda vão conquistar o mundo.