sexta-feira, 13 de março de 2009

Entre a Ação e a Inação

O Mistério da Vida pode ser contemplado por diversos ângulos, e as dúvidas por ele suscitadas podem ser descritos de muitas formas. Contudo, a maneira que tem me inquietado é o difícil equilíbrio entre o agir e o não-agir. De um modo geral, este tema permeia toda a relação entre as civilizações ocidentais e orientais. Enquanto os monges zen e taoístas vivem o Wu Wei, a sábia não-ação, a contemplação do mundo tal como ele é, os filósofos existencialistas do ocidente como William James admoestam-nos para que agarremos o touro da vida com as próprias mãos, e nossa própria ciência age ativamente na modificação e controle da natureza. Pode parecer estranho que eu levante esta questão, pois, a primeira vista, é óbvio que o "melhor caminho" encontra-se na ciência positivista, pois foi graças à ela que "o mundo tornou-se nosso", e que tenhamos à nossa disposição ferramentas tão úteis e maravilhosas como o computador (isto não inclui o Windows Vista). Contudo, se formos honestos, perceberemos que estas conquistas são muito superficiais - continuamos sofrendo, nos matando de forma cruel e fazendo deste mundo por nós conquistado em um inferno particular da humanidade.

Caímos então no outro extremo, que foi muito bem formulada por algum cidadão ocidental, em algum momento da história, que proferiu as profundas palavras "se nada der certo, viro hippie". Não é uma idéia tão absurda ou pouco considerada quanto possa parecer. Lembro-me de, certa vez, durante uma aula no segundo ano do ensino médio, uma colega minha dizer que já considerou seriamente a possibilidade de virar freira e não ter que se preocupar mais com a vida - exceto com as orações matinais. Sedutora e atrante como parece, a acelerada vida do Ocidente muitas vezes nos faz olhar para aqueles chineses velhinhos fazendo Tai Chi em praça pública com certa inveja. "Ah! Isso sim é vida!" podemos ter exclamado um domingo desses, quando a Glória Maria ou alguma outra repórter celebridade fez alguma série de reportagens sobre a vida no Extremo Oriente, mas creio que poucos tenham realmente largado tudo o que tem aqui no Brasil para ir viver em Pequim para fazer lentos movimentos circulares. Não... isso daria trabalho demais.

E é aqui que minha consciência leva-me à um paradoxo: a mais vigorosa e enérgica ação vem sempre acompanhada da mais calma e meditativa contemplação. Não é algo que possa ser expresso de forma clara e cristalina em palavras, pois deve ser vivido, e as palavras corrompem a experiência pura. Percebi isto ontem, com o treino de Kung Fu. No tempo livre que dispunha antes de ir para a academia, comecei a ler um livro intitulado "Wu Wei: A sabedoria do não-agir", escrito por Henri Borel sobre este misterioso Wu Wei, e o que li entristeceu-me profundamente, pois pensei que nunca poderia atingir este estado, e que talvez nem mesmo quisesse fazê-lo, pois a maneira como o autor o explicava fazia parecer que o Wu Wei é apenas a arrogância de um homem que se orgulha de não fazer nada. Contudo, conforme treinava, minha tristeza desaparecia, ficando em seu lugar apenas o movimento, e então percebi que, ali, naquele momento e lugar, eu vivia o Wu Wei. A intelectualização da leitura toldara meus olhos para o óbvio! E é ali, treinando Kung Fu, exercitando todos os meus músculos, que o vivo. Movimento-me intensamente, mas no fundo, não estou fazendo nada, pois apenas sigo a corrente do universo que Lao Tsé chamou de Tao.

É um erro considerar que se ficarmos apenas sentados, olhando para uma risonha e gorda figura do Buda atingiremos o Wu Wei, este estado que foi chamado de Satori, Fluxo, Mindfulness, Iluminação e tantos outros nomes, mas é igualmente equivocado crer que o faremos através da volição ativa: é através dos dois, e nenhum ao mesmo tempo. Não entende o que eu digo? Ignore este texto, então. Ele é apenas aparência, e provavelmente tu te enganarás acreditando nele também.

Ô Dotô!

Tem uma comunidade no Orkut intitulada "Doutor é quem tem doutorado", e em seus fóruns, os membros da dita comunidade alternam acusações de arrogância aos médicos e advogados que exigem serem tratados por "doutor", e acusações de inveja aos demais, que foram incompetentes demais para entrar na faculdade de Medicina ou Direito e assim, merecerem o privilégio de poderem colocar "dr." na frente do nome.

Bem, isso pode parecer nobre e de suma importância para muitas pessoas, mas baseado em minhas experiências pessoais, posso dizer que isso é perda de tempo. Por que? Bem, esses dias, lá no ambulatório, estava conversando com a mãe de um paciente sobre o transtorno dele, quando ela me perguntou algo como "mas doutor, o que eu faço nesse caso?". Não lembro qual era a pergunta, mas lembro claramente que ela me chamou de doutor. Ontem mesmo, voltando da aula, uma colega minha disse que também fora chamada de "doutora" no estágio dela.

Nem eu, nem minha colega temos diploma em Medicina ou Direito, nenhum de nós dois fez doutorado, e tampouco temos caras de pessoas respeitáveis, pois ambos temos cara de criança. Na hora, pensei "puxa, como é disseminada essa mania de chamar alguém em posição de autoridade de 'doutor'", mas depois, quando percebi que qualquer estagiário pode ser doutor se disser algumas bobagens e prescrever alguns remédios para um paciente qualquer, vi que ser doutor não vale nada, e que ficar discutindo sobre isso é uma perda de tempo. Por isso, de agora em diante, assinarei meus textos como "Dr. Andarilho". Ou "Dom Andarilho", tipo bispo. Sei lá.

Texto escrito pelo genial, maravilhoso e humilde Dr. Andarilho