sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Narrativas

Acabei de checar meu e-mail. Pois é, nada de novo aí, considerando que faço isso quatro ou cinco vezes por dia. O que me levou a escrever um post a respeito foi uma mensagem que recebi, contendo o programa de uma disciplina obrigatória, Método Clínico e Diagnóstico. Como quase a totalidade das cadeiras de clínica, ela segue a orientação psicanalítica de Jacques Lacan. Quem lê este blog ou convive comigo e tem QI suficiente para discutir questões psicológicas sabe que eu detesto psicanálise, e que tenho espasmos de raiva quando ouço algum colega meu falar, com cara de sujeito suposto saber entendido, alguma bobagem que o Freud ou Lacan disseram em algum momento como se fosse a mais profunda verdade, ou quando leio os horríveis e incompreensíveis textos deste último cidadão ou do Deleuze e Guattari. Pelo menos costumava ser assim.

Não quero que me entendam mal - continuo não gostando deles por vários motivos, filosóficos, científicos e pessoais, mas nos últimos tempos, mas tenho os visto por um ângulo completamente diferente. Eu gosto de Neurociências, Psicologia Experimental e tantas outras coisas parecidas, considero elas importantes métodos de busca da verdade, mas não os únicos. Por mais que me desagrade, o saber produzido pelos psicanalistas, esquizoanalistas e toda essa trupe que não gosto também é importante. Numa visão pós-moderna, a ciência é uma narrativa, uma maneira de dizer algo a respeito do mundo, e existem muitas maneiras de fazer isto. Todas elas, seja a ciência moderna, a poesia, a literatura, a psicanálise, a mitologia, a religião, são importantes, por exporem lados diferentes do mesmo objeto, e se superpõem e se complementam. Seria uma pena se qualquer um desses desaparecesse e fosse suplantado em nome de uma maior cientificidade.

Este post marca a minha conversão ao Lacanismo? Não, continuo achando "O Estádio do Espelho na formação do [eu]" uma charlatanice, assim como praticamente todos os outros textos lacanianos que tive quer ler para a faculdade, mas há pessoas que os apreciam, e não há nada de errado com isto. Minha personalidade e meu destino me fizeram gostar de coisas como Terapia Cognitivo-Comportamental, mas meus gostos não são infalíveis, e não devem ser usados como modelo universal do que é certo. Seria um leito de Procusto. Quero dizer que todas as formas de conhecimento são equivalentes e que "tudo vale"? Sim, mas só até certo ponto. A ciência trouxe muitas vantagens para a humanidade, e continua trazendo. Porém seu alcance tem limites, como tudo que é humano. Para aquilo que seu discurso não abarca, há outras maneiras de pensar, como a religião e (ai ai) a psicanálise. No sentido oposto, é impensável substituir inteiramente a Medicina moderna pelo xamanismo ou por uma análise, por que isto seria estúpido e perigoso. Agora, fazer as três ao mesmo tempo para tratar um problema de saúde, por que não? Pode ser benéfico. Eu mesmo tenho tentado, quando leio alguma coisa de psicanálise, tirar algo de positivo, por mais detestável que possa ser, e incorporar na minha prática profissional.

Muito critiquei o pós-modernismo por sua atitude de "tanto faz", nihilista, mas a tolerância que perga é admirável. Posso não gostar das idéias de Freud ou de Lacan, mas quem sou eu para saber se eles não encontraram alguma verdade?