quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Lá e de Volta Outra Vez - Voltando do Sul e indo para o Norte

Faz um pouco menos de um mês desde que voltei da Argentina. Contudo, apesar de todo o sofrimento, toda a angústia e privação que passei na Patagônia Selvagem, a estrada chama novamente, e amanhã mesmo viajarei para Campo Grande - irei de avião, voltarei não sei como.

Viajar de verdade, conhecer pessoas e se envolver em mundos até então desconhecidos, é viciante. É diferente de apenas ir a um lugar famoso qualquer, como a Torre Eifel, tirar umas fotos e colocar no Orkut para todo mundo ver - é ter uma história para contar sobre aquela foto onde você aparece seis quilos mais magro e com cara de sono na frente de uma pizza de aspecto duvidoso. Esses dias, recebi um e-mail do Marcelo, com quem viajei pela Argentina. Quando ele tinha o enviado, estava em Aracaju, no Sergipe. Dias antes, ele estava acampado em Belém do Pará em uma tenda feita com troncos de madeira que ele próprio carregara da mata vizinha. Por alguns minutos, arrependi-me amargamente de não estar lá com ele, mesmo sabendo que ele (provavelmente) estava sendo devorado vivo por mosquitos do tamanho de baratas. Sendo um pouco pretensioso para afirmar tal coisa, digo que isto sim é viver. Não quero dizer com isto que deveríamos todos nos converter em sadhus e nos mortificarmos. Creio, contudo, que abandonar todo este conforto estupidificante e correr riscos, aceitar o desafio que a vida nos propõe, é algo que todos os seres humanos são chamados a fazer, mas poucos têm coragem para tanto.

Terminei de ler hoje "O Hobbit", de J.R.R. Tolkien, e, apesar de algumas pessoas acharem o livro infantil, identifiquei-me imensamente com Bilbo Bolseiro, o personagem principal que, um belo dia, conhece o mago Gandalf, e é arrastado para uma grande jornada junto com um bando de anões para matar um dragão do qual nunca antes ouvira falar, e recuperar um tesouro no qual pouco se interessava. Digo que identifiquei-me imensamente com este pequeno ser de pés peludos por que, apesar de sua tarefa ser muito mais dramática que a que enfrentei na Patagônia, vivi o mesmo processo que ele. Ele saiu de sua casa aos trancos e barrancos, preocupado por que não tinha nem sequer um lenço em seu bolso, e quando retornou ao lar, não precisava tanto assim de lenços; quando a viagem começara, nenhum dos anões acreditava que ele fosse capaz de chegar à Montanha Solitária onde dormitava Smaug, o dragão; mas, conforme progrediam, ele crescia em coragem, audácia e habilidade, até que enfim tornou-se o verdadeiro líder da expedição, um herói pequeno em estatura, mas grande em valor. A virada da maré, quando ele passou a acreditar em si mesmo, aconteceu quando ninguém havia para resgatá-lo, mas mesmo assim ele se salvou. Na grande Floresta Negra, ele fora atacado por uma aranha gigantesca e, sem a ajuda de nenhum dos anões, esquivou-se dela e a matou. Mais do que isso, ele ainda resgatou seus companheiros da morte certa, libertando-os das teias das aranhas restantes e liderando o contra-ataque. Lembrei-me do momento em que chegamos em Buenos Aires, depois de três dias buscando transporte para o norte desesperadamente, sem fogareiro, nem barraca. Como Bilbo, conseguimos.

Como Einstein disse uma vez, a mente que expande seus horizontes nunca mais poderá voltar ao seu tamanho original. Depois de uma aventura como esta, ninguém volta o mesmo, pois a insegurança, o comodismo e o medo do desconhecido, todos intimamente ligados, desaparecem, nunca completamente: apenas deixam espaço o suficiente para que possamos perceber que não precisamos deles. Pode-se voltar ao mesmo estilo de vida que se vivia antes de viajar verdadeiramente, mas não da mesma maneira. Sabe-se então que o mundo é muito maior, e que se tudo aquilo desaparecesse subitamente, o mundo não estaria perdido. É uma sensação deliciosa, ao mesmo tempo aterrorizante e prazerosa.

Tendo vivido tudo isto, visto minha Montanha Solitária e morto meu próprio dragão, não posso mais ficar em casa, como se aposentado estivesse de viajar. Como diria o próprio Bilbo, "é um negócio perigoso, sair pela própria porta. Você pisa na estrada, e se não controlar seus pés, ninguém sabe onde eles irão levá-lo".

Um Ano de Jornada

Ontem este blog fez um ano. Queria ter feito um post comemorativo, mas acabei indo comemorar outras coisas com meus colegas de estágio em um bar no Centro e acabei esquecendo completamente de escrevê-lo. Como prova de que superei, ainda que só um pouco, minhas obsessões de exatidão e simetria, faço o post agora, com um dia de atraso.

Apesar de todo este meu drama, não acho que haja muito o que falar a respeito deste um ano de blog. Um colega meu, no início do ano passado, quando este blog estava em seus princípios, me disse que, apesar de não gostar de tudo que escrevo, sempre gostou de como eu escrevo, e que meu estilo melhorou com a faculdade, assim como minhas capacidades de escrita. Não me lembro se ele disse por que isto ocorria, mas imagino que todo o processo de estudar Psicologia, lendo, discutindo em aula e escrevendo trabalhos poliu minhas habilidades literárias e argumentativas. Um ano depois, estas influências continuam me moldando ainda mais, com a diferença que, ao longo do ano de 2008 tive mais este espaço aqui para fazer minhas perguntas ao mundo. Não é uma tarefa simples, pois elaborar uma boa questão envolve discernimento do que não se sabe e do que se quer saber, além da capacidade de colocar tudo isto em palavras. Nem sempre tive sucesso nesta empreitada, e escrevi muita bobagem, mas, se comparado com onde estava há um ano, acho que progredi bastante.

Fez diferença eu criar um blog meu, com um nome e um foco mais idiossincráticos. No Roqueiro & Alcoólatra, agora falecido (apesar de ainda dar alguns suspiros eventuais) eu já fazia tudo isto, mas meus questionamentos mais elevados, espirituais, acabavam se perdendo no meio das bobagens que eu e os outros postadores escrevíamos. Fazendo uma comparação, era mais ou menos como escrever poesia para o Diário Gaúcho - completamente fora de lugar. Hesitei bastante, mas criei o Espadachim Cego. E foi uma boa idéia. Aqui, todos as perguntas que me fiz, mesmo as mais bobocas, puderam ser feitas com maior liberdade, e tentei respondê-las da melhor forma que pude. Para ser franco, não creio que tenha atingido nenhuma resposta satisfatória para nenhuma delas, mas talvez isto seja parte da natureza destes enigmas da vida.

Ouroboros II - Nasce uma turma

Sempre achei fascinante a maneira como grupos se formam e se transformam. Hoje ocorreu a matrícula presencial dos bixos, e eu pude observar como nasce uma turma.

Oficialmente, uma turma de faculdade surge quando o listão de aprovados do vestibular é liberada, mas só nasce verdadeiramente no dia da matrícula, quando os colegas se encontram de fato. Demora um pouco para eles se conhecerem bem, criarem amizades sólidas e desavenças amargas, mas a base de todas as relações são criadas ali, esperando para ser chamado pela COMGRAD. Naquelas poucas horas de convivência em um ambiente "desnatural" ninguém se comporta normalmente, ou como se comportaria em uma sala de aula, ambiente onde todos ficarão mais tempo na companhia uns dos outros. Contudo, dicas importantes são deixadas no ar. Baseado em como alguém se portou durante a matrícula, já dá pra dizer se ele ou ela são animados ou apáticos, agradáveis ou chatos, sério ou brincalhão, um possível bom amigo ou alguém para evitar puxar papo. Por exemplo, no dia da minha matrícula, naquele distante mês de janeiro de 2007, fiquei uma hora a mais do lado do Instituto de Psicologia conversando com outros três colegas meus. Destes, dois são grandes amigos meus hoje, em quem confio quase cegamente. Ali pudemos ver que se mantivéssemos relações amistosas nos sentiriamos bem. Obviamente a coisa não é tão direta ou simples, nem tão perfeita quanto posso ter dado a parecer (a terceira pessoa que participou da nossa conversa não se tornou tão amiga minha assim, apesar de estimá-la).

Claro, estou partindo do exemplo da Psicologia, onde é feita uma calorosa recepção aos calouros por parte dos veteranos (este ano, com direito a confete e balãozinho), e há uma sala de espera grande o suficiente para muitas pessoas ficarem ao mesmo tempo conversando. Não sei se isto ocorre, por exemplo, nas engenharias ou na matemática. Contudo, se houver, o processo por trás da formação da dinâmica do grupo é o mesmo.

Isto é só o nascimento da turma, sua concepção, o embrião do grupo. Ao longo dos semestres muitas coisas mudarão - o mais óbvio são colegas que desistem ou colegas que surgem do nada (como tanto aconteceu conosco). Um fator mais sutil é a mudança das relações entre as pessoas por causa da convivência. Grosso modo, as hipóteses que criamos no dia da matrícula são testadas no dia a dia de aulas, as pessoas revelam-se verdadeiramente e, por isso, passamos a gostar mais ou menos delas. Passamos a conhecer suas manias, seus medos, seus gostos, seus sonhos. Isto, tanto ano passado quando neste, também ficou evidenciado no dia da matrícula. Meus bixos, atuais veteranos, inspirados em algo que fizemos ano passado, criaram um perfil de sua turma, para que os novos bixos pudessem conhecê-los melhor. É uma lista bem simples, mas que destila a essência da dinâmica de grupo que rola entre eles (inclusive com aqueles colegas que ninguém sabia o que escrever a respeito). Talvez, daqui a um ano, a turma de 2009 faça o mesmo na recepção da turma de 2010. Provavelmente estarei observando de fora como as coisas vão acontecendo.