domingo, 25 de janeiro de 2009

Dramas de Estágio (Parte 10) - Jedi Knight

A Lady Hell, do Play the Coin, criou uma série intitulada "'Trabalhando' nas férias". Nas suas próprias palavras, ela criou esta série "para auxiliar as pessoas que, à despeito do solzão brilhando lá fora, do calor convidativo para um chopp ou ceva bem gelada e da lezeira provocada antes, durante ou depois do almoço, necessitam trabalhar. Afinal, as contas não se pagam sozinhas." Atualmente, me enquadro nesta descrição, apesar da minha situação ser muito mais suave: sou bolsista de iniciação científica e estagiário no ambulatório do departamento de genética para casos de agressão e violência. No primeiro emprego, ganho 300 reais por mês para ficar mexendo em uma caixa de madeira estranha e ficar fazendo perguntas ainda mais estranhas para desconhecidos catados pelos campi da UFRGS, além de outras coisas relacionadas à ciência, sem nenhum horário fixo. O segundo trabalho é voluntário (ou seja, nada de pilas pra mim), mas tem uma carga horária baixa - apenas um turno por semana atendendo pacientes. Contudo, apesar de ser relativamente pouco tempo, eu estou aprendendo horrores.

Apesar de ter começado com minha bolsa ainda no meio do ano passado, considero o estágio no ambulatório (que na verdade é uma extensão - vou estagiar oficialmente no Hospital São Pedro) meu primeiro emprego de verdade, pois apesar de estar localizado no Campus do Vale, seu ambiente é muito diferente do acadêmico. Lá há todos os elementos que um serviço subordinado à uma universidade necessariamente teria, mas o que acontece dentro daquelas salinhas transcende o meramente intelectual. Estou atuando como psicólogo, atendendo pacientes, fazendo diagnósticos e, ainda que não tenha feito isso até o momento, dou receitas médicas, que são assinadas pelo coordenador do ambulatório, formado em Medicina, mas confia em nossas decisões.

É uma experiência simultaneamente aterrorizante, desafiadora e envolvente. No meu primeiro dia no ambulatório, fiquei apenas assistindo alguns atendimentos, para conhecer o modus operandi do local e saber melhor o que fazer no próximo, quando finalmente encararia meus primeiros pacientes. Contudo, achava que, nestes primeiros encontros, o professor estaria comigo, guiando a mim e as sessões, até eu sentir-me confiante o bastante para fazer isto sozinho. Que nada. Logo no primeiro atendimento da tarde, ele entrou na sala, apresentou o ambulatório, a si mesmo e a mim para o gurizão que atenderia, me deu algumas diretrizes sobre quais os objetivos daquela entrevista e saiu, me deixando sozinho. Por um segundo, foi como se o chão tivesse desaparecido debaixo dos meus pés e minha mente esvaziado de qualquer idéia, deixando-me sem reação. Contudo, não pedi por ajuda, pois já sabia que a resposta seria "sei lá, te vira, tu que é o psicólogo aqui" ou algo parecido. Não estava sendo abandonado, mas ganhando carta branca para fazer o que eu achasse necessário (dentro dos limites cabíveis dados pela lei e meu bom senso). Era necessário honrar esse voto de confiança, e foi o que fiz. No final do dia, depois de duas consultas, já estava formulando livremente hipóteses de diagnóstico sobre meus casos e fazendo planos de tratamento. Creio que nos próximos atendimentos não vou nem mais precisar que o professor apareça na salinha.

Outra coisa que me dei conta após um dia de trabalho como psicólogo foi a importância das leituras para nossa prática. Até o segundo ano, o grosso da minha formação foi feita pelos livros - muitos deles, e tão variados quanto poderiam ser. Sem sombra de dúvida, sou o cara que mais lê em minha turma, mas mesmo assim, quando me vi frente a frente com meu primeiro paciente (um gurizão de 14 anos), não pude deixar de sentir que nada do que li me preparara completamente para aquele momento. Mas a coisa é mais complicada que isto, pois não quão preparado estaria se não tivesse estudado nada, e depois de ter terminado meus atendimentos, fiquei pensando em quais livros ler para melhor conduzir minhas intervenções. Atualmente, no campo da psicoterapia, que envolve médicos, psicólogos, assistentes sociais e, pelo menos no ambulatório, cientistas sociais, advogados e enfermeiros, a teoria mais importante é a das Terapias Cognitivo-Comportamentais. Digo "terapias" no plural por que há vários modelos diferentes de atuação, com diferentes técnicas, mas que se baseiam no pressuposto de que os pensamentos, comportamentos e sentimentos se influenciam mutuamente, e que é, alterando a forma como o paciente pensa, é possível levá-lo a se comportar e ter emoções mais saudáveis. Minha explicação está bastante simplificada, mas creio que captura a essência do chamado Modelo Cognitivo.

O que mais diferencia as terapias cognitivo-comportamentais dos demais modelos de psicoterapia é, além de seu tempo de duração, mais curto, o fato de suas técnicas e teorias serem empiricamente validadas. Em outras palavras, há muita pesquisa por trás das TCC, que embasam cientificamente tanto suas teorias quanto suas técnicas. Eu poderia escrever um post inteiro sobre ciência, pesquisa e seus mecanismos, pois adoro esse assunto e há muito sobre o que escrever, mas como este não é o assunto do texto, vou parando por aqui. Contudo, um dos corolários de toda essa produção científica é a publicação de muitos artigos e manuais de psicoterapia, que fazem toda essa informação circular, possibilitando que mais psicoterapeutas tenham acesso a elas, e possam testá-las, formular novas hipóteses, gerar mais informação e alimentar o processo científico (de novo, é mais complicado que isto, mas não quero digredir demais). Têm para todos os gostos, desde os introdutórios até os avançados, os focados em técnicas aos focados em teoria ou nos transtornos a serem abordadas. Atualmente, como vocês podem ver em minhas leituras atuais e futuras no final desta página, meu interesse neste campo está voltado mais para a Terapia Cognitiva, criada originalmente por Aaron Beck, a Terapia do Esquema, um modelo cognitivo com uma proposta diferente para a psicopatologia (ainda não consegui ler muito a respeito, mas o manual Schema Therapy já está comigo), e a ACT, sigla para Acceptance and Commitment Therapy (Terapia da Aceitação e Compromisso), que aborda não o conteúdo dos pensamentos, mas a própria estrutura da mente, explicada de forma muito clara e simples no livro "Get Out of Your Mind and Into Your Life". Tenho também um forte interesse pela Psicologia Humanista-Existencial, bem representada entre meus livros por Abraham Maslow e seu livro 'The Farther Reaches of Human Nature", e pelas Neurociências. Outras leituras, apesar de não tão atraentes assim para mim, incluem a Análise Experimental do Comportamento e as muitas teorias psicanalíticas, que variam enormemente em qualidade (desde C. G. Jung até Jacques Lacan - vocês sabem minhas opiniões a respeito desses cidadãos).

Todas estas abordagens, apesar de divergirem em vários pontos, são altamente congruentes, completando umas as falhas das outras, e suas diferenças apenas fomentam o processo científico. Conheci esses tempos uma menina que cursava, ao mesmo tempo, Ciências Sociais na UFRGS e Psicologia na UFCSPA, e fiquei pensando como este peculiar processo de estudo pelo qual ela está passando irá influenciar sua maneira de olhar o trabalho. Fico pensando agora como a leitura de todos estes livros e teorias, tão diferentes e ao mesmo tempo complementares, irão me moldar. Só vivendo para saber.

Eu e os Livros

Lendo um livro de Henry David Thoreau, fiquei mais uma vez maravilhado com a força da literatura. É impossível para mim deixar de me impressionar com ela. Homens como Sócrates ,Platão, Kierkegaard, Tolstoi e Frankl viveram e morreram anos antes que viesse a existir, nunca os vi, nem os ouvi, mas sinto-os tão próximos de mim como se fossem apenas irmãos que moram muito, muito longe, por causa do poder de suas palavras.

Neste texto de Thoreau que li, ele trata de como as pessoas são incultas, mesmo que saibam ler e escrever perfeitamente, por que não ultrapassam a fronteira da mediocridade, se atendo a ler livros fáceis e rasos, ignorando os grandes clássicos, e como os poucos que o fazem sentem-se solitários, por não terem com quem compartilhar suas descobertas. Senti a dor deste ser fantástico que escreve (a literatura não conhece o tempo - por isso, digo que Thoreau escreve, e não escrevia), pois a entendo e a compartilho.

Thoreau morreu há mais de 120 anos, mas conheço-o como se fosse meu vizinho, meu amigo, meu irmão, pois ele também é membro desta grande fraternidade que vive eternamente através das letras.