domingo, 15 de novembro de 2009

Utopias (4)

Terminei de ler, ainda esta semana, um livro que apesar de não descrever uma utopia propriamente dita, esbarra na irremediável busca do ser humano por algo mais elevado, e nos erros que ele comete nesta senda. Falo de "Sebastopol", escrito pelo russo Leon Tolstoi. Apesar de ter sido escrito por um autor mundialmente reconhecido, é bem provável que vocês nunca tenham ouvido falar deste livro, pois foi um dos primeiros que Tolstoi publicou e alcançou o sucesso. Quem leu alguma obra posterior de Tolstoi e ler "Sebastopol" perceberá que neste livro o estilo de escrita do autor ainda não alcançou a plenitude, e mesmo assim, não se sentirá decepcionado, pois as três histórias nele contadas são baseadas na vida do próprio Tolstoi, quando ele lutou como oficial de infantaria no Cerco de Sebastopol, a maior batalha da Guerra da Criméia e famosa pelos atos de heroísmo de seus defensores.

E é sobre esses atos de heroísmo de Tolstoi nos conta. À época da Guerra da Criméia, pululavam em toda a Rússia histórias sobre a grande coragem dos soldados de Sebastopol em sua incansável defesa da Grande Rússia e de sua lealdade ao Tsar, o "Pai da Pátria" contra um inimigo muito mais numeroso e bem equipado, e como os bastiões (onde as batalhas aconteciam) eram locais de bravura, glória e honra. Tolstoi, porém, conta uma outra versão – uma em que os soldados sentem medo, os oficiais preocupam-se mais com as condecorações, promoções e honrarias que poderiam ganhar na batalha, as trincheiras são fétidas e cheias de cadáveres, e que no fim, a luta parece não passar de uma grande e mortal vaidade. Tudo isto ele contrasta com aquela imagem romantizada da guerra que era tão comum àquela época e que ainda hoje encontra eco em nós – e a discrepância é gigantesca.

Como disse no primeiro post desta série, o ser humano desde muito tempo busca a perfeição, ou, em outras palavras, algo superior, que transcenda a si próprio, que traga cor e calor para sua vida cinzenta e fria. A guerra, neste sentido, tem servido para isto, levando homens comuns a erguerem-se como heróis em defesa de sua pátria, como ocorreu em Sebastopol, na II Guerra Mundial e mesmo nas guerras modernas. Contudo, o preço que elas cobram por esta transcendência é alto. Ao longo de sua vida e de seus escritos, Tolstoi foi lentamente forjando em si uma consciência pacifista, de que temos que transformar nossas espadas em relhas de arados, mesmo sendo um "herói de guerra". Fico com a impressão que, em nossa busca pela perfeição, devamos destruir essa utopia de que a guerra é algo belo, nobre e necessário, e substituí-la por outra, que cause menos destruição.

 

 


Vou demorar para ler "A Ilha" ou "A República", como disse no post anterior, mas não abandonei a idéia de lê-los e comentá-los aqui.

2 comentários:

Vane disse...

Tu falou de Tolstoi e eu me lembrei que acabei de comprar um livro dele, chamado Ana Karênina. Ouvi falar do título, mas nunca conteúdo da obra. Eplo que tu falou do autor, acho que foi um bom investimento.

Andarilho disse...

Ana Karênina é considerada a obra-prima do Tolstoi. Certamente foi um baita investimento ;)