sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Utopias (3)

Mais uma utopia a se comentar por aqui. Li, com muito esforço, "Horizonte Perdido", de James Hilton, que descreve o mítico monastério de Shangrí-La. Digo que foi difícil por que peguei uma cópia que, de tão velha, já se esfarelava e atiçava minhas alergias. Quanto à leitura em si, foi bastante agradável.

Sendo mais específico a respeito da história, ela é contada de uma maneira pouco costumeira. Não é um relato em primeira pessoa como "Walden II", onde o narrador visita a comunidade e descreve seus costumes, mas um relato de segunda mão. O narrador de "Horizonte Perdido" reencontra um velho amigo de escola, o escritor Rutherford, que lhe conta algumas coisas estranhas a respeito de um conhecido em comum, Hugh Conway. Por uma coincidência, os dois se encontram em uma pequena cidade chinesa e viajam juntos em um transatlântico, onde Conway conta, em uma noite, todos os fantásticos acontecimentos que o levaram de Baskal, na Índia, a Karakal, o Vale da Lua Azul escondido entre as impenetráveis montanhas da cordilheira de Kuen Lun (que, para minha surpresa, existem de verdade), que Rutherford prontamente transforma em um relato escrito e o entrega para o narrador.

Não vou estragar a história e contar os detalhes - se quiserem sabê-los, façam como eu e peguem uma rinite alérgica o livro e leiam - apenas a parte "sociológica", por assim dizer.

Como já deve ter dado para entender, Karakal era uma comunidade quase inacessível, pois ficava escondida entre altas montanhas, em uma região árida e desconhecida. Porém, por algum feliz acaso, ela se encontrava em um vale que, por motivos vários, era muito fértil e agradável de se viver, aos pés de uma magnífica montanha branca que emanava uma luz azul em noites de lua cheia. E esta confluência de fatores permitiu que seus aldeões, na maioria chineses e tibetanos, desenvolvessem uma cultura própria, sem maiores intromissões do resto da humanidade. Ainda assim, estas intromissões ocorriam. No início do século XVIII, um missionário cristão de Luxemburgo chamado Perrault chega em Karakal à beira da morte, e depois de se recuperar, põe-se a trabalhar na construção do monastério cristão de Shangri-Lá. Porém, o clima de Karakal não deu a seus moradores apenas a chance de criarem uma cultura pura, como também deu outro presente: longevidade. Os tibetanos e chineses criados naquele local não se tornavam especialmente mais longêvos em Karakal por já estarem acostumados desde a infância à sua atmosfera, mas estrangeiros que ali viessem a estabelecer residência poderiam atingir idades bastante avançadas. Quando a construção de Shangri-Lá terminou, Perrault contava 109 anos e estava bastante ativo. E ele prolongou ainda mais sua vida, através de exercícios de Ioga, alimentação controlada e sabe-se lá mais o quê.

Com o tempo, depois da construção do monastério, Perrault passou a estabelecer algumas políticas de contato com o mundo exterior, visando o bem de sua civilização, e também de engenharia cultural. Uma comunidade um pouco maior, como Porto Alegre, pode abrigar ondas relativamente grandes de imigrantes sem que sua cultura seja grandemente influenciada ou seus recursos todos utilizados, mas o mesmo não poderia ser dito de Karakal: se muitas pessoas aparecessem ao mesmo tempo para morar em Karakal, ela se autodestruiria por motivos econômicos. Ainda assim, para garantir a continuidade da comunidade e evitar os males das relações incestuosas, estrangeiros devem ser trazidos de fora de tempos em tempos. E, deste modo, foi se formando um pequeno grupo de europeus, que acabavam ficando por Lua Azul e tornando-se monges de Shangri-Lá e aprendendo os segredos da vida longa.

A cultura de Karakal é essencialmente chinesa e tibetana. Shangri-Lá, que foi concebida originalmente como um mosteiro cristão, ao longo do tempo tornou-se muito budista, por assim dizer. Esta religião, apesar de ser a dominante, não é a religião oficial do estado, e há liberdade de culto, com templos de outros credos no Vale, como taoísta. A cultura européia também deixou sua marca através de todos os imigrantes que de lá vieram, mas sua influência é mais sentida no monastério e em sua classe monástica do que na comunidade leiga. O mosteiro, apesar de ter sido construído no começo do século XVIII, dispõe de água encanada, uma vasta e ampla biblioteca de clássicos europeus e orientais e instrumentos musicais - como um piano de cauda. Karakal foi abençoada com um abundante suprimento de ouro, que é usado como moeda para os comerciantes dispostos a ir até lá para fazer negócio e trazer essas comodidades. No Vale da Lua Azul abaixo de Shangri-Lá, reina a paz, pois todos na vila seguem o princípio de ser moderado em tudo, inclusive na moderação: beber um pouco de álcool, fazer um pouco de sexo, ouvir um pouco de música, governar um pouco. Roubos não acontecem por que todos possuem o que necessitam, e crimes passionais são inexistentes por que todos possuem desejos também moderados. Os monges de Shangri-Lá são o principal exemplo desta filosofia de vida, passando seus dias sem pressa, apreciando as coisas com moderação ou "produzindo sabedoria" (meditando, imagino eu).

A utopia descrita em "Horizonte Perdida" é linda: há abundância de alimentos, seus habitantes vivem em harmonia em um paraíso natural e com uma cultura rica e florescente. Porém, há algo nela que rejeito, como se ela fosse falsa, ou pior, morta por dentro. William James certa feita visitou uma cidade universitária "experimental", onde tudo funcionava da maneira mais perfeita - nas escolas fundamentais as crianças aprendiam alegremente, nas faculdades os estudantes pensavam com ampla liberdade, festas aconteciam frequentemente e não havia menor sinal de miséria ou desigualdade social nas ruas. James obviamente achou tudo isto maravilhoso, mas logo que saiu de lá pensou "ainda bem que saí daquela pasmaceira pasteurizada! Precisava voltar para um mundo sujo e sangrento". Bem, tenho bastante certeza de que, apesar desta não ser a citação exata (que li em "A Filosofia de William James"), ter passado a sua mensagem. Ao longo de todo o livro, o autor consistentemente dá a entender que Karakal é um lugar de paz e tranquilidade, perfeito para Conway, de temperamento contemplativo. Porém, apesar das reiteradas afirmações de quão maravilhoso é este vale, não consigo sentir-me atraído por ele, por ser mais parecido com uma cemitério cheio de zumbis do que o berço de uma nascente civilização, e foi-me impossível não simpatizar com Mallinson, personagem que, apesar de ser irritante por causa de seu desejo de sair de Shangri-Lá o quanto antes, é o único que parece estar realmente vivo! Toda paixão de viver em Karakal é substituída por uma longa espera preguiçosa pela morte, sem objetivo ou sentido maiores. Talvez apenas eu seja incapaz de viver em tal lugar assim, por causa de meu temperamento, mas não acho que nenhum ser humano verdadeiramente saudável poderia considerar Karakal algo mais do que um local para passar as férias.

Próximas utopias: A Ilha, de Aldous Huxley e A República, de Platão.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

O Segundo Dia Que Me Caiu o Cu da Bunda

Resolvi olhar de novo o Recent Hits do contador do Bravenet. Se ontem eu achei "TESTE CEGO DA FRUKI COLA" de fazer cair os butiá do bolso, hoje a coisa veio em dose dupla:


Clique para aumentar e ver as aberrações em seu habitat natural

"trabalho de conclusao de curso sobre o filme 11 homens e um segredo" - O que possivelmente pode ser dito a respeito disso aqui? Será que ele estava procurando um trabalho de conclusão de curso cujo tema central era o filme "11 Homens e um Segredo"? Ou ele estava procurando subsídios para fazer o seu próprio TCC, que será sobre esse filme? Dúvidas, dúvidas, dúvidas! Quase me dá vontade de procurar a respeito disso (com palavras chave decentes) e ver se acho algo para esclarecer este enigma. Em todo caso, apesar de toda obscuridade envolvendo essa pesquisa, posso afirmar que esse TCC foi feito ou será feito em um curso de Psicologia, e terá um título do tipo "O Desejo perverso e a pulsão escópica em '11 Homens e Um Segredo' - Um Estudo de Caso".

"como Douglas Macgregor elaborou a teoria x y" - OK, com esse amigo aqui eu simpatizo, pois está pesquisando sobre um assunto interessante e com potencial para ser algo mais do que piada de bar. Porém, está me cheirando a trabalho sendo feito nas coxas: alguém não fez o que devia ter feito no tempo certo, e agora está apelando pra magia do Google. Boa sorte, garoto (por que garotas não fazem esse tipo de baianada), por que aqui eu não vou te dizer como ele elaborou. Procura uma médium pra falar com ele que é mais garantido.

"DANE-SE E PALAVRAO?" - Adoro caps lock. Me lembro da Xuxa e seu jeitinho. Quando começaram a sacanear a filha dela no Twitter, ela mandou todo mundo se danar ou ir à merda? Ah, dane-se. Deixando as digressões de lado, posso dizer que quem quer que estivesse com esta dúvida mordaz não a esclareceu aqui no Espadachim Cego, apesar de eu ser quase PhD em palavrão (teria me dado bem na Marinha Mercante). Porém, como eu sou um inútil indivíduo muito curioso, pequisei a mesma bobagem no Google, e descobri esse amável texto aqui. Segundo ele, "dane-se" é o "foda-se" dos menores de idade e pessoas politicamente corretas. Contudo, se pensarmos que "danar-se" é ir queimar no fogo dos infernos, deveria ser uma das ofensas mais pesadas em nossa sociedade judaico-cristã.

Acham que este post acabou? Não, ainda não. Depois de duas ou três horas, chequei de novo o Bravenet onde, para minha surpresa, descobri novas pesquisas bizarras que trouxeram internautas para esta perdida ilha no meio dos interblags:


"definiçao de cortex pré frontal" - Pô, custava pegar um livro de anatomia na biblioteca pública e ler?

"quanto tempo dura uma massa de pastel" - Se a pessoa que digitou esta pesquisa estava pensando em fritar pastéis, deve ter desistido depois de ler o meu post relatando a minha aventura no mundo das frituras.

Por hoje é só, pessoal. Prometo que este será o último post a respeito de pesquisas bizarras do Google que vem parar aqui. A não ser que apareça alguma coisa muito, muito, muito medonha. Até mais.


PS.: Daniela Cicarelli pelada fazendo sexo. Vamos ver quantos vão cair aqui por causa dessa.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

O Dia Que Me Caiu o Cu da Bunda

Pensemos metaforicamente. Imaginem que a Internet é um planeta, e o Google seu oceano. Agora, imaginem que, neste oceano, encontram-se muitos continentes e ilhas. Os continentes são, naturalmente, sites grandes e com grande número de acessos, como o G1 e o Kibe Loco, enquanto que as ilhas são os blogs pequenos e não tão visitados.

Seguindo esta lógica, o "Espadachim Cego" é a ilha de Lost. Não por que meus posts sejam todos a respeito de fumaças assassinas, escotilhas misteriosas ou ursos polares em regiões tropicais, mas por que visitante novo só aparece aqui depois de acidentes bizarros.

Faz algum tempo, eu instalei o contador de visitantes da Bravenet, para ver quantas pessoas apareciam na minha humilde  ilha. Originalmente, eram só os números  que me interessavan mesmo, mas descobri outros aplicativos da Bravenet bem mais fascinantes. Entre eles, o que mais se destaca é o "Recent Hits", que mostra como os visitantes vieram até aqui. Por exemplo, se você digitou o endereço no seu navegador, vai aparecer ali "Direct Hit"; se você clicou num link em outro site ou blog, o dito site/blog irá aparecer; ou ainda, se você navegou pelo Google, as palavras que você utilizou como parâmetro de busca serão mostradas.

E hoje eu descobri que alguém visitou o Espadachim Cego procurando por "TESTE CEGO DA FRUKI COLA".

Nem vou comentar o "kung fu cego"


Eu achava que já estava acostumado com as bizarrices. Sempre que eu verificava as últimas visitas, encontrava coisas do naipe de "como escrever um depoimento para mim mesmo" por pessoas que queriam afagar o próprio ego e acabavam caíndo em um texto meu que fora concebido originalmente para ficar no meu perfil do Orkut (sabendo que este post de agora em diante também será chamariz para estas pessoas, já aviso: não, não tem como escrever depoimentos para si próprio no Orkut, a não ser que você crie outro perfil e se adicione. Mas fazer isso é o fim da picada e de qualquer autoestima). Igualmente numerosos eram as pesquisas sobre Psicologia e livros obscuros, que para cá eram atraídas pelo meu gosto por estes dois assuntos e minha prolixa prolífica escrita.

Mas "TESTE CEGO DA FRUKI COLA" me fez cair o cu da bunda.

O que diabos este cidadão queria encontrar para usar estas palavras chave? Informações a respeito do rito de passagem de um clã de ninjas, onde o iniciado é obrigado a descobrir, com uma venda nos olhos, qual das Fruki Colas está envenenada? Ou o que ele procurava era um teste duplo cego entre o refrigerante de cola da Fruki e de outras marcas? Nunca saberemos ao certo. Mas, caso o indivíduo que empreende tão arrojada busca aqui voltar, deixo a seguinte dica: tem uma dissertação de mestrado em Administração na UNISINOS intitulada "Efeitos da sensibilidade ao preço sobre o valor de marca e na intenção de compra do consumidor", defendida em 2007. São uma 150 páginas, escritas de uma maneira muito, muito, muito chata, então vou te poupar o trabalho de ler tudo e resumir em uma frase: as pessoas compram a marca, e não o produto.

Pronto, fiz do mundo um lugar melhor, duas vezes até. Porém, fiquei agora com vontade de e

domingo, 20 de setembro de 2009

Revolução Farroupilha


Feliz 20 de setembro, dia que o Rio Grande do Sul inventou uma guerra contra o resto do Brasil, perdeu e disse que se rendeu pela paz! Aproveitem o feriado no domingo!

sábado, 19 de setembro de 2009

Vida Dura (Parte 26)

Há outra coisa no transporte público portoalegrense além da superlotação do D43 que me serve de pretexo pra fazer tempestade em copo d'água enche de horror: a BusTV. Se este ridículo nome, criado a partir da fusão das palavras "bus" e "TV", não foi óbvio o suficiente para você entender do que se trata, eu explico: são televisões dentro dos ônibus.

Praticamente todos os meus colegas de faculdade reclamam da programação da Rede Globo (e os que não fazem isso não assistem TV). No começo, eu pensava que era só empolamento de acadêmico, que acha que tudo no Brasil vai mal por que ele não é contatado pra arrumar as coisas, mas quando eu assisti "Fantástico" e "Caminho das Índias" depois de um jejum televisivo de quase um ano, fui obrigado a concordar. Os programas são feitos para retardados assistirem: superficiais, carnavalescamente coloridos e explicando até as vírgulas do que era dito, por que brasileiro é burro, e vai continuar burro com esse tratamento. Porém, meus amigos, quem critica a Globo certamente não anda de ônibus (o que não é uma má idéia), e não conhece a BusTV.

A programação da BusTV é ruim, muito ruim, tanto que me faz pensar que ela é montada por macacos com paralisia cerebral, por que só desta maneira seria possível escolher programas tão deploráveis. OK, talvez eu esteja sendo exagerado, mas só posso definir esse negócio como podre - são tomadas curtas que tentam imitar programas mais longos e atingir os mesmos resultados. Sem o menor sucesso, é claro. Poderia citar vários exemplos disto, mas minha memória é fraca e só lembro de dois. Esses dois, contudo, são para mim as cerejas do bolo: "Toque do Guru" e o Horóscopo. Que merdas fantásticas. O primeiro deve ser a realização do desejo reprimido de algum roteirista de escrever livros de auto-ajuda, dando conselhos profundos como um pires e cobertos de senso comum. O segundo é ainda melhor, por que, apesar de também dar conselhos profundos como um pires e cobertos de senso comum, ele faz de acordo com o signo das pessoas. Isto não significa que pessoas de Touro recebam conselhos diferentes das pessoas de Escorpião - a única diferença real é que se Peixes recebe o conselho de "Não faça nada que você possa se arrepender mais tarde" na terça, Aquário recebe na quarta. Só. E os conselhos são assim mesmo, puro senso comum. Se eu fosse um funcionário descontente da BusTV, eu certamente sabotaria esse quadro, e colocaria entre as pílulas diárias de sabedoria coisas como "pegue na minha e balance" ou "você é corno. Procure um terapeuta". Deixaria algumas senhoras de respeito escandalizadas e me tornaria simplesmente incapaz de arranjar qualquer emprego em Porto Alegre, mas valeria a pena. Há outros quadros que não são fixos (ou eu nunca vejo), mas que sempre me pegam num espírito de porco tal que, sempre que os vejo, preciso compartilhá-los com meus amigos por mensagem de celular. Se eu gostar de você e tiver seu telefone, você certamente receberá uma porcaria dessas (e vai me odiar por isso). Um deles é o "Recordes do Rio Grande do Sul", que compartilha com os passageiros do ônibus as coisas que o nosso amado estado tem de mais notável, como a maior cuia do mundo (4 metros de altura) e o maior arroz de leite do mundo (uma tonelada). É tão boboca e absurdo que eu quase tenho um surto psicótico de pensar nisso. Igualmente enlouquecedor é a sessão de piadas. Para sua decepção, não é o Ari  Toledo falando barbaridades a respeito das loiras ou dos papagaios, mas piadinhas família, que por serem limpas e comportadinhas, são completamente sem graça. Uma dessas ("O que o minhoco disse pra minhoca? Você minhoquece!") era tão ruim que o Marcelo me mandou tocar fogo no ônibus (é, eu tenho o celular dele, coitado). Por fim, digno de nota, foi no BusTV que eu descobri a existência de uma música chamada "Ur so Gay" (cujo clipe feito com barbies e uma letra bizarra é tão mesmerizante que eu deveria escrever um post só sobre como é a experiência de assisti-lo).

E tudo isso em câmera lenta. Sim, por que não basta fazer uma grade de programação só com lixo - ela tem que ser excruciantemente demorada, para te fazer sofrer todos os instantes dentro do coletivo. Aparentemente, os gorilas com paralisia cerebral além de tapados são lentos, então as legendas passam muito devagar. Assim sendo, para passar três horóscopos é necessário três paradas. E nesse tempo, meu cérebro morre um pouquinho, alguns milhões de neurônios de cada vez. Coloque-se no meu lugar, indo quase todas as manhãs de ônibus para o estágio, e quase todas as vezes sendo obrigado a assistir lavagens cerebrais em forma de dicas de guru e conselhos astrológicos. Até o final do curso eu vou estar no São Pedro, não como psicólogo, mas como um daqueles caras que anda pelado e carrega troncos de árvore de um lado para o outro! E isto não é um efeito colateral indesejável da BusTV: é tudo uma grande conspiração! Pesquisando no Google, encontrei um site listando todas as vantagens de anunciar pela BusTV. E não tenham dúvidas, meus amigos - eles querem conquistar o mundo. Vejam com seus próprios olhos:

Por que anunciar na BusTV?

* A 
BusTV conta com o apoio integral de instituições públicas e governamentais.

* A mensagem chegará de forma completa, sem interferência, sem efeito zapping.

* Atua em momento de pouca dispersão do usuário, o que permitirá maior fixação de seu produto na mente de seu consumidor.

* Entretenimento durante o tempo do percurso tornando a viagem mais agradável causando a sensação de menor tempo gasto.

* Fonte de informações úteis sobre assuntos de interesse público.

* Melhoria de visão que o usuário tem do transporte coletivo.

* Fidelização do usuário a uma programação atrativa procurando o seu bem estar psicológico.
 


Estão vendo? E o pior de tudo, meus amigos, é que isto não está acontecendo apenas em Porto Alegre, mas também em São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Brasília, Belo Horizonte e Fortaleza, além de Caxias do Sul e seus Visatões tocando funk sem parar! Estamos perdidos, resistence is futile! E além do mais, eu preciso ir pro estágio, então o que me resta fazer é pegar um livro e tentar (bastante) ignorar essas porcarias.

Esta quinta-feira, porém, no ônibus para o Campus do Vale, a programação foi um pouco diferente: uma tela preta, com palavras em vermelho dizendo "Signal Loss". E a paz esteve conosco.

sábado, 5 de setembro de 2009

Utopias (2)

Terminei ontem de ler "Walden II", de B.F. Skinner. Já fiz um extenso comentário a respeito do livro no post anterior, mas, tendo lido os capítulos que faltavam, sinto que preciso comentá-los também. Infelizmente, como não dá pra falar de uma parte de um livro sem falar dele todo, serei um pouco repetitivo em alguns momentos, porém, prometo reduzir isto a um mínimo.

Como expliquei anteriormente, Walden II é uma comunidade utópica imaginada pelo personagem Frazier, onde toda o sofrimento humano fora abolido através do reforço positivo. Esta técnica consiste, muito brevemente, em estabelecer condições ambientais que aumentam a probabilidade de um comportamento desejável através de uma consequencia agradável. Por exemplo, ao invés de ameaçar uma criança com algum castigo se não fizer os trabalhos escolars, é mais eficaz oferecer uma recompensa para tanto. Este seria o "segredo" de Walden II - assim, através de contingências onde o comportamento adequado é recompensado, e o comportamento inadequado é corrigido, nenhum integrante da comunidade teria motivos para se rebelar e agir de maneira contrária aos interesses coletivos, por que eles não são contrários aos seus. Estas contingências seriam determinadas inicialmente por um Conselho de Planejamento, que escreveu o "Código de Walden". Este código seria algo como as Tábuas da Lei de Walden, com a diferença que elas não estariam escritas na pedra como os Dez Mandamentos, mas abertos a revisões. Isto seria o maior diferencial da vila idealizada por Frazier das tentativas utópicas anteriores: abertura para mudança, que permitiria corrigir o que está errado e melhorar o que já está bom. Estas revisões poderiam ser feitas a partir da reclamação de qualquer membro da comunidade que achasse algo ruim e reclamasse, e a partir de experimentos científicos. Por exemplo: os membros de Walden II tomam café e chá em xícaras com "alças de balde", pois foi constatado que dessa maneira menos líquidos eram derrubados durante o transporte até a mesa. Além disso, toda a estrutura de tomada de decisões de Walden II fora montada de maneira que nenhum indivíduo sozinho pudesse subverter o Código geral em proveito próprio. Não que isto fosse necessário, por que nenhuma pessoa desejaria fazer algo assim, pois as contingências desta sociedade utópica seriam tais que ninguém que morasse ali conceberia isto como possível.

Explicado assim, tanto o reforço positivo quanto o "Código de Walden" parecem muito eficientes. E de fato são. Mas há um porém nisso tudo. Este livro, escrito em forma de romance, foi uma tentativa de Skinner de mostrar ao mundo o potencial que a sua linha teórica oferecia. Contudo, Skinner é famoso por ter sido um homem com muitas certezas. Entre elas, figurava a certeza de que a Análise do Comportamento era não só a melhor alternativa entre todas as linhas teóricas da Psicologia, como a única que poderia ser considerada como científica e portanto verdadeira, e isso o fazia defendê-la com um zelo quase fanático. O livro não escapa disto. Em Walden II, o reforço positivo e a ciência não só conseguiram fazer com que os trabalhadores se tornassem mais produtivos, como também aboliu a inveja, a raiva, a competitividade, a tristeza e a ambição e as substituiu por uma perene satisfação e altruísmo autênticos. Soa maravilhoso, não? Pois é, soa mesmo, mas alguma coisa parece estar fora de lugar ainda assim.

Tenho grande simpatia pela idéia de Skinner de "sociedade ideal", e até certo ponto, acredito que suas conclusões são muito acertadas - em especial, a necessidade de um método de regulação social baseado mais na recompensa do que no castigo, o uso da ciência para determinar as melhores condutas e a ausência de competitividade, que é apenas outra maneira de dizer "massagem no ego". Contudo, também acredito que, na exposição de suas idéias, Skinner caiu no erro que os filósofos chamam de "Declive Acentuado" - baseado em premissas corretas, atingir conclusões errôneas. Frazier, ao longo do livro, não cansa dizer que as técnicas que ele emprega não são nada inovadoras, mas que sempre estiveram nas mãos das pessoas erradas, como políticos, mercadores, governantes e grupos religiosos, que as usavam para fins próprios, e tudo que ele fez foi reuni-las e utilizá-las em nome do "bem comum". Mas o que realmente impede que Walden caia nas mãos de um tirano inteligente e disfarçado? Com a mesma facilidade que estas estruturas "anti-ditadura" foram montadas, uma pessoa má intencionada pode revertê-las. O emocionalmente instável mas amoroso e simpático Frazier nunca faria isto. Porém, podemos dizer o mesmo do resto da humanidade?Para alguém que defende a natureza neutra do ser humano (nem intrinsecamente bom ou ruim), ele depende demais da bondade humana.

E se estas técnicas estão disponíveis há tanto tempo, por que não foram usadas antes? Como as técnicas de "engenharia cultural" são a razão do sucesso de Walden II, é difícil de engolir que, com tantas pessoas brilhantes organizando utopias ao longo de toda a história, nenhuma delas teve sucesso. Parece arrogância de Skinner afirmar isto tantas vezes ao longo do livro.

Além de tudo isso, oss sentimentos negativos, como raiva e inveja, são parte integrante do ser humano há milênios, e alguns anos de condicionamento aboliram eles por completo? É difícil de engolir essa. Claro, um behaviorista diria que esta é uma "hipótese experimental", e que está aberta ao teste científico, o que, na língua deles, é apenas outro jeito de dizer "nós estamos certos, você errado", mesmo quando os dados experimentais provam o contrário.

Bem, acho que vou parando por aqui, antes que meus argumentos fiquem ainda mais bagunçados. Fiquei inspirado, contudo, a ler mais sobre utopias. A próxima vai ser "Horizonte Perdido", que fala de Shangri-lá.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Utopias


Apesar de ser algo tão distante quanto o horizonte, a perfeição sempre foi um dos maiores objetivos do ser humano. Realizar uma obra perfeita, e portanto eterna, é a meta de artistas, religiosos, cientistas, filósofos e pessoas comuns desde o mítico momento em que passamos a ver o universo através dos olhos de nosso pensamento. Desde então, estas cinco classes "ideais" de pessoas conceituam a perfeição de maneiras muito diversas. Porém, a todas elas de certa forma convergem no que poderia ser chamada de a mais antiga busca humana: a Utopia.

O termo "utopia" foi usado originalmente por Thomas More, em seu livro de mesmo nome, para descrever a sociedade ideal, onde a vida seria livre de problemas e seus cidadãos pudessem desabrochar e desenvolver seus potenciais até o mais elevado patamar. Apesar de ter sido o primeiro a usar a palavra "Utopia" neste sentido, ele não foi o primeiro a pensar neste conceito. Milênios antes dele, Platão escrevera "A República", que descreve como seria o governo perfeito, e mesmo antes dele, Pitágoras já estabelecera uma comunidade deste tipo. Depois deles e mesmo de More, poderia citar diversos outros casos reais, como Brook Farm, nos Estados Unidos, que reuniu vários escritores e intelectuais importantes da época, ou mesmo Canudos, aqui no Brasil, liderada por Antônio Conselheiro. Poderia citar muitas outras aqui, mas o que realmente importa é que, apesar de todas elas serem muito diferentes entre si, tanto em método quanto em população, todas elas buscavam constituir-se como modelo definitivo de agrupamento humano, onde o sofrimento seria abolido. Outra coisa que todas estas comunidades têm em comum é que nenhuma durou muito tempo. Não é para menos que More tenha usado a palavra "Utopia" como título de seu livro, pois significa "Lugar Nenhum".

A leitura de "Walden II" de B. F. Skinner me deixou particularmente motivado a escrever sobre utopias. No livro, que ainda  não terminei de ler, o autor descreve, por vezes de maneira excruciantemente detalhista, a também utópica comunidade de Walden II, liderada pelo psicólogo T.E. Frazier, que afirma que todas as tentativas anteriores de estabelecer sociedades perfeitas fracassaram por terem sido baseadas em idéias dogmáticas, sem comprovação científica e, assim sendo, incapazes de mudar quando necessário. Sua pequena vila, nomeada em homenagem à Henry David Thoreau e sua utopia solitária, estaria livre deste defeito, pois era um grande experimento de engenharia cultural em andamento, baseado nas mais modernas descobertas das ciências do comportamento e aberta à possibilidade de mudar seus princípios, se os dados empíricos confirmassem a vantagem de assim proceder. Além deste pressuposto central, Skinner expõe outras práticas interessantes para maximizar a produtividade humana sem pôr em risco a qualidade de vida, como a jornada de trabalho semanal de 24 horas (dá 4 por dia), a potencialização da produção artística e algumas idéias realmente curiosas em arquitetura e design de interiores.

Estou gostando bastante do livro, apesar de ter expectativas bastante negativas a respeito dele antes de começar a lê-lo. Ele não conta nenhuma história de fato, pois tudo o que os personagens fazem ou pensam a respeito é sobre Walden II e seu modus operandi, tornando-os bastante desinteressantes - se algum deles morresse e fosse substituído por qualquer outra pessoa, não faria diferença - e às vezes parece que estamos lendo algo mais parecido com um roteiro de programa educativo do que um romance. Mas, ei, é um livro do Skinner! Se você pegou para ler, já sabia desde o princípio que ele não ia ser um cara exatamente criativo, ou, em termos comportamentais, que seu repertório de escrita não é muito variado, e já devia esperar que seria um panfleto ideológico defendendo seu paradigma teórico, o Behaviorismo Radical. Feitas essas ressalvas mais "estruturais", vamos adiante.

Como disse antes, estou gostando de "Walden II", talvez não tanto por causa de suas teorias, mas por causa da atitude pragmática que envolve a gênese dessa utópica comunidade, de não ficar apenas no falatório academicista e pôr as coisas em prática. Quando Castle, filósofo da história cuja principal função é questionar Frazier, põe em dúvida alguma prática de Walden II, Frazier frequentemente responde com um "já testamos isso e dá certo" ou "ei, é um experimento! Se der errado a gente muda!", e isso me faz pensar, em alguns momentos, que um experimento desses poderia realmente dar certo na vida real (aliás, sei de algumas tentativas de criar Walden II na vida real que ainda perduram, mas não tenho muitas informações a respeito).

Contudo, tenho algumas críticas teóricas para fazer também. A primeira delas é que, se Skinner incluiu no livro um personagem que oferece um contraponto à Frazier e critica seu experimento em engenharia cultura, ele incluiu o personagem mais incapaz possível de fazer isto! Castle como filósofo incorpora o que há de mais dogmático e idealista em toda a Filosofia, e tudo que consegue fazer é dizer que "se não é ideal, não serve" e ter ataques de frescura. Até parece que Skinner desenhou sua personalidade no livro para mostrar que o Behaviorismo Radical está acima de críticas. Apesar de Castle ser peça crucial na história, acredito que teria sido muito melhor se, no seu lugar, tivesse ido para Walden II um mendigo psicótico, como o Dr. Hobo de VG Cats. A segunda é que Skinner, ao afirmar que todos os problemas da humanidade podem ser solucionados através de um ambiente controlado e reforçamento positivo, demonstra um profundo desconhecimento da própria espécie. Claro, quando questionado diretamente sobre a importância da genética e da hereditariedade no comportamento humano, ele nunca negou sua importância. O mesmo acontece no livro. Porém, parece que a importância destes fatores é apenas simbólica - em outras palavras, é como se Skinner dissesse "É elas são importantes, mas não importam".

Por fim, uma crítica derivada da segunda. Se todo o comportamento humano é definido de acordo com as contingências externas, as questões internas, como pensamentos, sentimentos e vontades humanas, são irrelevantes. Questiono se, para uma comunidade como Walden II dar certo, não seria necessário ter não só tecnologia comportamental de ponta, mas também seres humanos capazes de viver em tamanha harmonia.

E a busca pela Utopia continua para a humanidade.