domingo, 30 de agosto de 2009

O Poder da Vontade - Um Exemplo Prático

"Em verdades dependentes de nossa ação pessoal, portanto, a fé baseada na vontade é, certamente, algo lícito e possivelmente indispensável."
-William James, A Vontade de Crer



O pensamento é um elemento central da vida humana. Foi através do desenvolvimento de nossa capacidade de estabelecer relações simbólicas entre objetos, pessoas e eventos que nos tornamos capazes de desafiar nossos próprios limites, e através de navios, carros e aviões conquistar água, terra e ar. Sem dúvida, a mente é um instrumento poderoso, capaz de transformar a face da terra. Existem, porém, controvérsias a respeito do alcance deste poder, especialmente do pensamento deliberado, a vontade.

Não muito tempo atrás, foram lançados dois filmes, defendendo a posição de que o pensamento apenas é capaz de influenciar o mundo ao nosso redor, alterando a própria matéria que o constitui. Estes dois filmes foram severamente criticados pelos defensores da opinião oposta, de que a mente é uma função cerebral, e portanto incapaz de alterar a matéria sozinha, por ser derivada desta última. Os dois filmes são "Quem Somos Nós?" e "O Segredo", e seus detratores, parte considerável da comunidade científica. Não pretendo aqui julgar os méritos destes filmes ou dos seus críticos, mas relatar uma experiência pessoal cujo impacto me levou a pensar sobre o poder do pensamento.

Na última sexta-feira, como faço com regularidade, fui treinar Kung Fu na academia. Estava com o espírito leve, como se algum fardo muito grande tivesse sido tirado de mim, e eu pudesse andar livre pelo mundo novamente. Os motivos para sentir-me assim tão contente foram desaparecendo de minha consciência conforme o professor nos passava as instruções de aquecimento e alongamento, mas meu ânimo continuou elevado, se não ainda mais elevado pelo prazer de praticar artes marciais. A experiência que quero aqui relatar aconteceu durante a parte mais específica de nosso treino, quando nos separamos conforme as cores das faixas para treinarmos técnicas apropriadas ao nosso preparo físico, mental e espiritual. 

De vez em quando, os professores inventam exercícios novos, ou reformulam ou velhos de forma a deixá-los ainda mais desafiadores do que costumam ser. Geralmente, eles fazem isso com aspectos mais simplórios do treinamento, como flexões ou abdominais, deixando a prática dos aspectos mais complexos (e cansativos) inalterados. Não foi o que aconteceu naquele treino. Geralmente, na faixa verde, começamos a treinar uma técnica chamada Tan Tui. Esta técnica é dividida em seis partes de três repetições e, como as imagens do link devem ter dado a entender, tem por objetivo fortalecer as pernas, pois ficamos parados naquelas posições o suficiente para forçar os músculos inferiores. Naquele treino, o professor decidiu que não faríamos apenas três repetições em cada parte, mas quantas fossem necessárias para cruzarmos toda a extensão da sala, para só então voltarmos correndo para o outro lado da sala e começarmos outra parte. Dentro destas condições, éramos forçados a efetuar muito mais repetições do que de costume, forçando nossos limites.

Foi na terceira parte que minha experiência começou. Sentia-me cansado, e me parecia que dentro em breve minhas pernas não aguentariam mais o peso de meu corpo. Pensei em dizer isto para o professor e desistir do resto do exercício. Mas ali, naquele instante, afastei este pensamento com outro: "não, eu consigo." E a partir deste ponto, uma grande mudança ocorreu. Meus sentimentos transformaram-se: não havia mais tristeza, dor ou expectativa, apenas uma vontade inabalável de treinar, e uma grande satisfação por estar ali, naquele momento. É muito difícil descrever agora a sensação de então, pois parece-me agora que uma força além das palavras apoderou-se de mim, e deixou-me mais próximo de um deus, cuja força apenas se intensifica com as dificuldades que o desafiam, e para quem nada mais importava do que o movimento sendo feito. Esse poder continuou em mim pelo resto do treino, e com tal intensidade que em alguns momentos tive que me controlar, para não ferir algum colega. Poderia dizer que este episódio foi algum tipo de surto maníaco, se não fosse a incrível sensação de paz que o acompanhou.

Agora que o relato foi feito, gostaria de fazer algumas observações. A primeira e mais óbvia de todas é que não tenho a pretensão de abordar aqui o poder da vontade sobre o mundo material, pois me contento em relatar um caso em que ela exerceu uma grande influência sobre a minha própria fisiologia. Segundo, gostaria de destacar as condições prévias para que tal experiência se efetuasse, pois tenho a impressão de que algo além do meu desejo ou vontade estava em ação naquela noite. Acredito que, se não estivesse em um estado de espírito mais elevado, como estava então, não teria tido esta experiência culminante. Todavia, não dou esta explicação como final, pois ainda faltam muitas peças deste quebra-cabeça. Talvez na próxima vez que me sentir assim eu consiga coletar mais dados que elucidem esta dúvida.

Vida Dura (Parte 25)

Quando escrevi o primeiro post da série "Vida Dura", ainda no saudoso Roqueiro e Alcoólatra, foi depois de um impulso de escrever alguma coisa muito babaca, mas nunca parei para pensar qual seu verdadeiro intuito. Depois de vários posts no mesmo estilo, isto ficou claro: é fazer tempestade em copo d'água, pegando situações inócuas e transformando-as nos acontecimentos mais catastróficos que já se abateram sobre toda a humanidade. É muito divertido, tanto pra vocês, quanto para mim.

Seguindo essa lógica, hoje eu vou falar para vocês sobre um ônibus: o D43 Universitária, mais conhecido como o "Dê". Em Porto Alegre, existem várias instituições de ensino superior, em diversos pontos geográficos da cidade, o que traz como conseqüência que, todos os dias, milhares de estudantes universitários fiquem andando de lá para cá, pois precisam ir de casa para a faculdade, e da faculdade para casa (quando não precisam trabalhar entre um percurso e outro). Alguns destes estudantes têm carro próprio; outros, pegam carona com amigos ou pais; há também aqueles que vão naquelas vans fretadas, e aqueles felizardos que moram perto o suficiente para irem à pé para as aulas. Porém, há um último grupo, que não mora perto da faculdade, não têm carro, não tem como pedir carona, nem dinheiro para contratar os serviços de uma profissional do sexo van. Para estes, resta um último recurso: o sistema público de transporte. E esses sim, estão fodidos.

Eu moro do lado da faculdade. Não precisaria de ônibus, pois mesmo que eu fosse todos os dias pulando em um pé só e cantando as músicas do RBD, além de ser considerado psicótico, sempre chegaria a tempo para as aulas (pois essas sim, sempre começam com pelo menos 20 minutos de atraso). Se eu fosse mais humilde, e me contentasse em ter aulas só ali na Psicologia, eu me pouparia das muitas incomodações que empresas que a Carris e a Unibus me causam. Mas não! Eu não seria eu mesmo se eu não aranjasse sarna para me coçar, e não arranjasse alguma porra pra fazer no Campus do Vale, o campus mais isolado de toda a UFRGS. Reza a lenda que este campus foi originalmente construído durante a ditadura em cima de um antigo cemitério indígena, em parte para atender a crescente necessidade de espaço da portentosa universidade, em parte para arranjar um lugar onde os cientistas humanos e baderneiros em geral não pudessem encher o saco do governo militar. Ambos os objetivos foram atingidos com honras, por que sobra espaço nesse campus, e organizar passeata daqui até a frente da prefeitura para protestar contra a globalização é simplesmente inviável. OK, é verdade que, com a tecnologia moderna dos tempos contemporâneos de hoje em dia, o Vale não é mais tão inacessível quanto era na década de 1970, quando a atual Avenida Bento Gonçalves era só uma estrada de chão toda esburacada, mas muitos colegas meus se recusam a pegar aulas aqui* pelo campus ficar onde o Judas perdeu as botas.

Eu não sou assim. Sempre fui bastante aventureiro, e a idéia de ter aula no meio do mato me foi bastante atraente desde o primeiro ano de faculdade. Então, desde então, tradicionalmente no segundo semestre (não sei por que nunca no primeiro), me matriculo para alguma aula aqui. Em 2007/02, foi Alemão Instrumental. Em 2008/02, foi Genética para a Psicologia. E agora, em 2009/02, é Introdução ao Pensamento Filosófico. Além disso, desde o início deste ano, eu faço estágio aqui no Ambulatório Proteger, que atende casos de Saúde Mental, comportamento violento e casos casca-grossa em geral. Assim sendo, atualmente, eu tenho que vir para o Vale duas vezes na semana - uma na quinta de noite, e outra na sexta de manhã. Para poupar trabalho, eu já pensei em dormir aqui e poupar duas passagens, mas como eu acho que minha mãe ia ficar preocupada comigo (além de eu ficar sem jantar), acho melhor fazer a viagem duas vezes.

E para a viagem, conto com a ajuda dessa maravilhosa tecnologia moderna que nos ajuda em nossa rotina do dia-a-dia. Eu poderia citar as várias porcarias que fazem da nossa vida mais fácil, como meu chuveiro onde mantenho a higiene, a geladeira que conserva meu Nescau gelado, o próprio Nescau, meus sapatos e o guarda-chuva para os momentos que São Pedro abre as comportas do Céu quando o vapor atmosférico condensa-se em gotas d'água pesadas o suficiente cai o mundo e eu não quero me molhar. Mas a parte mais importante da minha ida e vinda do Campus do Vale é meio de transporte - o ônibus.

Ao contrário do que acontecia durante a ditadura, há hoje em dia diversas linhas de ônibus que fazem o trajeto "Campus do Vale - Civilização", sendo que pelo menos duas dessas atendem a demanda específica da população universitária, o Campus Ipiranga e o já mencionado D43. Ambos seguem um caminho muito similar, passando pelos três campi da UFRGS (menos na ESEF - o pessoal da Educação Física que vá correndo pra casa) e pela PUCRS. A diferença entre esses dois está apenas no tempo - enquanto o Campus Ipiranga para em quase todas as paradas do caminho, o D43 é bem mais direto e leva bem menos tempo. Isso, e o número de pessoas que pegam ele.

Eu sou um cidadão importante, com pouco tempo livre e com muita coisa por fazer (ou pelo menos essa é mentira que espalho por aí). Por isso, tenho pressa de chegar nos lugares onde sou necessário, e quanto mais rápido, melhor. Seguindo está lógica, não há nada mais racional, na minha situação, do que, tendo que atravessar a cidade para chegar no Campus do Cale, pegar o ônibus mais veloz e que faz menos paradas. Genial, não?

Genial, de fato, mas acreditem em mim, existem muito mais pessoas que têm essa mesma idéia diariamente. Muito mais. O suficiente para, toda vez que tenho que pegar o maldito D43, seja o carro do tamanho normal, ou seja um daqueles biarticulados, ele está sempre lotado. E quando digo "lotado", não quero dizer que todos os assentos estão ocupados e eu preciso ficar em pé. Quero dizer quer que até os lugares para ficar em pé estão ocupados, e que vou ter que passar um bom tempo da viagem me esfregando com criaturas desconhecidas e cujo status higiênico me é desconhecido! Todo dia de pegar Dê é mais ou menos igual: saio de casa, vou para a parada da Silva Só, e fico esperando. Quando vejo ele à distância, tento divisar quão atolado de gente ele está, para descobrir apenas no momento que ele passa do meu lado que tem gente se equilibrando no degrau da porta. Fantástico. Subo, tomando o cuidado para não ser atingido na bunda pela porta na hora em que ela se fecha, nem para cair na rua quando ela se abre. E, quando a oportunidade aparece, eu avanço um passo em direção à catraca (geralmente depois do cobrador dar o já tradicional grito de "um passinho pra frente, fazfavor, tem espaço no fundo do ônibus! Vamo liberá a catraca aqui, fazvafor!"). Repito esse processo várias vezes, até conseguir pagar a passagem e passar para o outro lado, com a única diferença que posso sendo encoxado por ainda mais pessoas. E se uma pessoa desde do ônibus, outras quatro vêm tomar o seu lugar.

Se a viagem inteira fosse assim, ela seria francamente insuportável e eu provavelmente teria desenvolvido alguma estratégia para evitar esta situação, como pegar outro ônibus, conseguir carona ou deixar de ser idiota e parar de me matricular em cadeiras no Vale. Contudo, há um ponto no meio do caminho em que as coisas mudam: a parada da PUCRS. Como o nome da linha implica, o D43 Universitária atende a demanda de transporte da população universitária, e as duas maiores universidades de Porto Alegre são UFRGS e PUCRS. De fato, quando o ônibus pára ali, ele magicamente esvazia, liberando metade dos assentos ou mais. Nos piores dias, ninguém que está sentado se levanta, e quem se levanta está longe demais para eu poder sentar, mas pelo menos eu consigo mexer minha bunda até chegarmos no Vale, e só isso me faz rezar o tempo todo para que cheguemos na PUCRS o mais rápido possível, e abençoá-la quando quase todo mundo desce. Claro, no caminho de volta acontece o oposto, e passo a xingar mentalmente todos os estudantes da PUCRS que jamais andaram de D43. Pelo menos daí eu estou bem sentado.





* Pois é gente, parte deste texto foi escrito durante um momento de vadiagem no estágio, durante o tempo ocioso que ordinariamente seria ocupado atendendo pacientes.

sábado, 22 de agosto de 2009

Minha Terça-Feira

Chove em Porto Alegre. É uma chuva fininha, mas persistente, que de tempos em tempos pára e dá lugar à uma neblina igualmente fina e constante, fazendo do clima na capital gaúcha um tanto quanto nojento.

Acordo mais tarde do que planejara, e, sentindo no frio que fazia fora das cobertas, postergo o inevitável momento de levantar e sair da cama. Já o segundo dia de aula do segundo semestre - o segundo depois das "férias gripais" que tanto queria que fossem estendidas. Deixo o confortável refúgio do colchão, e começo o ritual diário do despertar: tomar café, tomar banho, colocar roupas limpas para finalmente sair e ir para o campus, onde conseguirei alimento a baixo custo.

Dirijo-me ao Restaurante Universitário. Como é de praxe em todo início de semestre, a fila está duas vezes maior do que deveria, pois as novas turmas de calouros invadem todos os espaços da UFRGS como uma boiada descontrolada. Ao lado da mesa onde estão as bandejas, colocaram um porta álcool gel, para higienizarmos nossas mãos e não espalharmos a temida e afrescalhada Gripe A, e percebo como esta porcaria fede.

Em fim, este é um dia com tudo para ser ruim, mas nada disso importa, por que hoje, na sobremesa do RU, tem pavê. E todo dia de pavê no RU é um dia feliz.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

A Metade do Caminho

Apesar de ter ganho duas semanas a maos de féries de presentes, já efetuei minha matrícula nas cadeiras obrigatórias da sexta etapa do curso de Psicologia. Este é o marco oficial de que ultrapassei a metade da faculdade. Considero este fato como especialmente significativo, pois daqui por diante, tenho menos para vencer do que já venci até agora - semestres, créditos, encheção de saco. Não posso dizer que estou na reta final, mas ela está logo além da próxima curva. Ao mesmo tempo que isto me anima um pouco, também me deixa um tanto quanto preocupado: há vida depois da faculdade? E se há, de que tipo? Ela vai ser significativa, ou apenas horas aplicando e corrigindo testes de personalidade para seleções de uma empresa qualquer?

Também atingi um outro marco que não considero tão positivo: na hora de escolher quais eletivas cursar este semestre, percebi que nenhuma das alternativas a mim oferecidas realmente me satisfazia. Já faz algum tempo que curso as disciplinas obrigatórias mais por obrigação do que por desejo, mas as eletivas, as que eu posso escolher livremente, sempre foram o porto seguro para onde eu ia quando discussões inúteis e trabalhos ridículos me faziam pensar seriamente se queria mesmo ser psicólogo. Admito que em semestres passados sofri decepções com algumas eletivas, mas o conjunto delas sempre me foi muito satisfatório. Agora, pela primeira vez, escolho minhas eletivas de acordo com o princípio do "menos pior". Com a exceção da cadeira de Fenomenologia e Cognição (na qual não posso me matricular por que ela é uma daquelas "Tópicos em Psicologia"), só achei minimamente atraentes as disciplinas oferecidas pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, como Introdução à Sociologia e Introdução ao Pensamento Filosófico. E dessas, só vou poder fazer a última, pois a primeira ocorre no mesmo horário que uma das minhas obrigatórias (e que me levou a considerar seriamente a possibilidade de não fazer a obrigatória).

Não acho que isto fará do sexto semestre tão ruim assim, pois ainda tenho os estágios para me consolar, mas certamente as aulas, que já estavam muito chatas, vão ficar ainda mais, e eu já não sei se eu quero me formar logo ou não.

domingo, 2 de agosto de 2009

Olá mundo

É engraçado como as leituras podem influenciar alguém. No meu caso, noto que, depois de ler certos livros, textos ou poemas, além da óbvia vontade de agir conforme os ideiais neles contidos, sinto-me também compelido a escrever da mesma forma em que eles foram escritos. Preciso admitir que nunca consegui emular completamente o estilo de algum outro autor - até por que isto é praticamente impossível - mas consegui incluir alguns elementos de seu estilo no meu próprio e torná-lo mais rico e agradável.

Pensando nestas questões, lembrei-me deste blog, que é o melhor meio que possuo para dar vazão às minhas idéias, e que anda um tanto quanto negligenciado. Talvez esteja na hora de varrer a poeira deste lugar e voltar a escrever aqui.

Olá mundo, o Espadachim Cego voltou.