terça-feira, 31 de março de 2009

As Histórias da Expedição Austral (Parte I)

I. O Chamado da Estrada


O ser humano é uma criatura nômade. Mesmo que durante gerações tenhamos vivido vidas sedentárias, e mesmo que a esmagadora maioria de nossa raça viva assim até o fim dos tempos, sempre teremos em nossos corações o desejo de jogar tudo para o alto e ir para onde o vento soprar ou o sol brilhar. Pode ser que este desejo tenha embotado e quase desaparecido na maioria dos homens e mulheres de hoje, e que pareça muito mais razoável viver confortavelmente toda sua existência em um apartamento bem mobiliado e com uma despensa cheia. Talvez realmente seja. Contudo, não foi com confortos e facilidades que o Homo sapiens tornou-se o mamífero mais bem sucedido do planeta* – foi através do frio cortante, do calor infernal, da fome e da sede que nossa habilidade de sobrevivência tornou-se forte o suficiente para transformarmos o ambiente em nosso favor. Nós, representantes da orgulhosa classe média, podemos até fingir que é assim que sempre se viveu, em meio a preocupações com o mercado de trabalho e a bolsa de valores, com a importância de salários gordos e aposentadorias bem planejadas. Sim, podemos, mas qualquer um que seja honesto o suficiente precisa admitir que, no fundo, isso é tudo ilusão, e que somos animais da estepe, sempre errantes, e sempre haverá alguns poucos viventes que, impulsionados por este desejo, vivem pelos caminhos, livres de quaisquer raízes que os prendam a um pedaço de chão por muito tempo, lembrando-nos, muitas vezes horrorizados, de nossas origens andantes.

Não quero com esta descrição idealizá-los, dando a entender que são todos a fina flor de nossa cultura, elevados em pensamentos e nobres em atos, pois isso seria ingênuo da minha parte. Muitos deles são como o capitão Rodrigo Severo Cambará, personagem da imortal obra “O Tempo e o Vento” de Érico Verissimo. Rodrigo Cambará era um homem que viveu sua vida com uma forte labareda de fogo, brilhando forte porém brevemente, apaixonando-se por muitas terras, muitas mulheres, amando-as com intensidade mas abandonando-as, de uma forma outra, no final, pois a vontade de desbravar o mundo era forte demais para um ser tão inconseqüente e dominado pelos próprios instintos selvagens controlar. Alguns poucos talvez sejam como o gentil monge shaolin Kwai Chang Caine, personagem do seriado “Kung Fu” e encarnado por David Carradine, que caminhava só pelas vastas terras do Oeste americano, protegendo os fracos, consolando os desamparados e espalhando o infinito amor de quem dominou a si mesmo e segue o Tao – o Caminho, ou como Chris McCandless, um jovem norteamericano que abandonou casa, família, amigos e foi realizar seu sonho de viver errante pelo país e de morar no meio da natureza no gelado Alaska, onde acabou morrendo. Eles podem ser muito diferentes uns do outros, mas ainda compartilham muitas características que me fazem admirá-los.

Por que os admiro? Faz muito tempo que admiro viajantes sem saber explicar por que. Por mais que cite exemplos de nômades que estimo e enumere suas qualidades, sou incapaz de dar um motivo racional para achá-los tão impressionantes, pois simplesmente os admiro. Talvez eu os entenda, saiba intuitivamente o que se passou em seus corações diante dos desafios que a estrada os impôs e as glórias com que os recompensou, e quisesse ardentemente viver como eles viveram. Porém, sendo fraco demais para tirar os sapatos, jogar tudo para o alto e sentir o chão, restava-me esta admiração por seus feitos. Pode parecer um débil paliativo, satisfazer este desejo de correr pelo mundo através de relatos alheios, mas foi a distante luz na escuridão que me motivou a preparar-me para, um dia, fazer isto de verdade. Treinei meu corpo e minha mente, tornando-me cada vez mais forte e confiante, e me aproximando gradativamente desta vida aventureira. Comecei aos poucos, com os pequenos passos que podia dar. O primeiro de maior significância foi minha Jornada Escoteira de 1ª Classe, aos 14 anos. Claro, pensando retrospectivamente, eu não corri nenhum risco sério, pois havia toda uma equipe oculta de chefes cuidando de nossos passos, porém não sabíamos disso naqueles belos dias de caminhada, e todas as decisões que tomamos foram feitas por nós, como se estivéssemos absolutamente sozinhos naqueles caminhos entre Vila Seca e Fazenda Souza. Lembro-me até hoje de como foi voltar para a minha tropa, para junto dos demais companheiros. Sentia-me distante daqueles que não tinham feito a jornada, como se fosse capaz de enxergar algo que eram incapazes de ver, e mais próximo de todos aqueles que trilharam o mesmo caminho que eu em tempos passados, mesmo os desconhecidos. Como disse meu pai na carta que ele me escreveu para aquela ocasião, saí de casa um menino, mas voltei um homem. Estava transformado.

O segundo passo significativo foi ter mudado de escola, do pequeno e aconchegante Raio de Luz (é, nome de creche), onde conheci quase todos os meus amigos de infância para o colossal e hostil São José, onde não passava de mais um pivete potencialmente problemático. Os três solitários anos que passei lá foram talvez os mais sombrios de toda minha vida, mas nenhuma outra prova de fogo me preparou tão bem para os desafios que o universo me imporia. Encarei a solidão, provei de sua força e tornei-me um com ela. Depois de me formar no Ensino Médio pelo São José, dei não um passo, mas um grande salto: viajei para os Estados Unidos como intercambista, e lá morei por cinco meses, longe de tudo aquilo que chamava de casa, e tornei-me ainda mais forte. Ainda antes de retornar ao lar, tornou-se óbvio que Caxias do Sul tornara-se uma cidade por demais estreita para mim, e que precisava de um novo horizonte. Assim sendo, fiz vestibular para Psicologia na UFRGS, passei e me mudei para Porto Alegre. A vida da capital e da faculdade me permitiram mais e mais pequenos passos – encontros estudantis em São Lourenço do Sul, Curitiba, Passo Fundo, Campo Grande, Buenos Aires e várias outras oportunidades que, se não me levaram longe, pelo menos me trouxeram experiência e confiança. Contudo, em todos estes vôos que dei, por mais corajosos que fossem, eu ainda estava acompanhado por muitas pessoas. Não acho isso ruim, mas, se algo desse muito errado, eu sempre poderia apelar para elas. Restava uma última prova: viajar não em um grande grupo, mas por conta própria, e depender apenas dos meus próprios recursos.

E a hora de responder a este desafio um dia chegou numa conversa pelo MSN. Falava com o Marcelo sobre alguma coisa qualquer, quando ele me perguntou, naquele seu jeito extremamente objetivo: “cara, quero viajar para a Patagônia nessas férias, mas preciso de alguém para ir comigo. Quer vir junto?” Eis que a estrada me chamava! Aceitei, e daquele momento em diante, todas as vezes que nos encontrávamos na faculdade ou na internet, nosso assunto principal era essa viagem, por ele batizada de “Expedição Austral”. Precisávamos nos preparar, mesmo sem saber exatamente como ou para o quê. Marcelo, outro aventureiro, já tinha alguma experiência em viagens, pois já tinha ido atravessado a Bolívia e o Peru e conhecido as ruínas de Machu Picchu, e tinha alguma noção do que nos esperava naquelas terras do extremo sul do continente, mas, como eu, nunca antes tinha empreendido aventura tão audaciosa. Viajaríamos sem veículo próprio e com pouco dinheiro. Estas contingências afetariam toda a expedição, e precisávamos nos preparar de acordo: procuramos rotas para seguir, lugares para visitar, lugares para dormir, quais equipamentos levar, cuidados para se tomar. Chegamos à conclusão que viajaríamos bastante de ônibus entre cidades, dormiríamos em campings, cozinharíamos nossa própria comida e que um excelente preparo físico era um imperativo categórico se quiséssemos aproveitar a viagem. Como descobrimos ao longo do caminho, estávamos relativamente certos em nossos pressupostos, mas terrivelmente ignorantes da magnitude dos problemas à nossa frente.

Montamos nosso equipamento da melhor maneira possível com base nas informações coletadas pela internet, especialmente no fórum Mochileiros: encomendamos uma barraca especial pensando nos fortes ventos patagônicos, separamos nossas roupas e ferramentas mais adequadas, compramos uma pequena panela pequena, arranjamos um fogareiro emprestado e até mesmo fizemos um “blitzkurs” (curso relâmpago) de culinária guerrilheira com uma tia do Marcelo, que em sua juventude também desbravou o mundo, para que soubéssemos como fazer comida em condições adversas. Todas estas providências, por mais importantes que tenham sido, em algum momento da viagem provaram-se inúteis ou mesmo pegadinhas de Deus ou algum espírito primordial com nossa inocência. Mas, no momento, estou falando dos dias antes da Expedição começar de fato, e por isso deixarei a descrição destes acontecimentos mais para a frente.

Há outra parte do equipamento que levamos para a Expedição que, mesmo não sendo diretamente ligado à nossa sobrevivência, provou ser de extrema importância em nossas andanças: nossos livros e diários. Como intelectuais que somos, parecia-nos inconcebível nos metermos em uma viagem cuja duração estava estimada em no mínimo três semanas sem ter absolutamente nada para lermos, e muito menos deixar de registrar os fatos e sentimentos de tamanha empreitada. Por isso, antes de partirmos dedicamos especial atenção as coisas que leríamos e onde escreveríamos. Marcelo, mais focado e decidido, levou um só, porém gigantesco livro, enquanto eu, mais impulsivo e indeciso, levei quatro livros menores, mas que no final das contas acabavam pesando tanto quanto a escolha de Marcelo. Nós dois acreditávamos que seria estúpido lermos algo que em nada acrescentassem à Expedição, e por isso, escolhemos cuidadosamente estes livros. Marcelo levou a edição completa de “Dom Quixote”, de Cervantes a história do cavaleiro da triste figura, enquanto eu levei “A Morte de Ivan Ilitch” de Tolstoi, “Get Out of Your Mind and Into Your Life” de Steven Hayes, “O Caminho da Egoência” de Ramon Muñoz Soller e “A Filosofia Perene” de Aldous Huxley. Não posso dizer ao certo o que levou Marcelo a escolher aquele livro e não qualquer outro (apesar de ter boas hipóteses a respeito). Posso, porém, explicar o que motivou as minhas escolhas. Sentia que esta viagem seria uma grande revolução espiritual para mim, e que o que quer eu lesse influenciaria como ela se daria. Desde o início sabia que queria ter comigo “O Caminho da Egoência”, por causa do forte impacto que causara em mim. O mesmo se passou com “A Filosofia Perene”, cuja ilustração da capa (uma serpente mordendo a própria cauda) impressionou-me ainda criança. “A Morte de Ivan Ilitch” decidi levar um pouco por acaso, depois de tê-lo encontrado jogado às traças num armário em Caxias do Sul, e “Get Out...” levei mais por insistência paterna do que qualquer outra coisa. Foram escolhidos de forma aleatória e discrepante, mas nunca poderia ter conscientemente pego livros que se complementassem de forma tão harmoniosa. Quanto às nossas ferramentas de escrita, também diferimos, Marcelo e eu: ele levou um diário com capa de couro com seu nome gravado, encomendado à muito tempo, enquanto eu fui com um caderno de capa dura da “Lazy Town”, comprado na semana antes de partirmos.

Assim foram indo as coisas até que chegou o dia da viagem. Em 9 de dezembro de 2008, sairíamos de Porto Alegre em direção à Buenos Aires, em um ônibus da empresa Flechabus. Participaríamos do 7º Congresso Internacional de Saúde Mental e Direitos Humanos da Universidade Popular das Madres da Praça de Maio, junto com cerca de 80 colegas nossos, que viajavam em excursão organizada pelo Diretório Acadêmico de nosso curso. Viajávamos em separado principalmente por motivos burocráticos, pois, caso fossemos com eles, teríamos que voltar com eles, o que não estava em nossos planos, mas também por um desejo de individualidade, de não nos perdermos naquela multidão que estava mais interessada em beber Quilmes do que ir ao congresso ou mesmo conhecer a capital argentina.

Com cuidado, revisei minha mochila pela última vez em casa, e pus-me a caminhar rumo à rodoviária. Poderia ter ido de ônibus, mas dispunha de tempo de sobra e queria saber na prática como seria carregar minha vida nas costas junto com o peso de nossa barraca. Fiz questão, como última despedida, de passar em minha academia de Kung Fu, pois se não o fizesse, ficaria com a sensação de ter deixado algo muito importante para trás. Respirei o ar tranqüilo daquele santuário, observei o treino como se fosse nunca mais fosse ver algo parecido em minha vida, abracei os professores e pus-me novamente a andar. Meus ombros doíam por causa do peso excessivo em minha mochila, mas sabia que precisava me acostumar com esta dor. Depois de chegar na rodoviária e encontrar o Marcelo, esperamos ainda uma hora antes que nosso ônibus, atrasado, aparecesse. Talvez esse atraso tenha sido uma mensagem do universo – ainda era tempo de ir embora, pegar um táxi e voltar para casa, desistir daquela loucura toda, pois a partir do momento que entrássemos no ônibus, seguiríamos invariavelmente rumo a desafios que nunca antes tínhamos enfrentado. Talvez aquele fosse o momento perfeito para colocar o rabo entre as pernas e fugir, mas nenhum de nós dois sequer pensou nisso.

Colocamos nossas mochilas no bagageiro e ocupamos nossos lugares. Não havia mais retorno. Já estávamos na estrada.





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* Junto com os pequenos roedores que comem as porcarias que deixamos por aí e os animais de estimação e de fazenda, mas esse não é um post sobre biologia ou teoria da evolução.

sexta-feira, 27 de março de 2009

Fixação na Fase Oral

Mais dois posts sobre comida e eu vou ter que mudar o nome do blog de "Espadachim Cego" para "Aventuras Culinárias na Terra dos Babacas" ou coisa parecida. Estou falando tanto sobre comida que hoje, quando vi esta nova guia no painel do Blogger


Eu pensei "'Gerar receita?' Tipo de bolo?". Preciso escrever sobre outros assuntos, e logo.

Vida Dura (Parte 23)

quinta-feira, 26 de março de 2009

Músicas Instrumentais

Como faz tempo que não posto vídeos, aqui vai uma música bacana do seriado Samurai X.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Filme Aleatório da Semana

Fui pro cinema hoje, e assisti "O Menino da Porteira", estrelando o cantor sertanejo Daniel. Antes que qualquer um que lê este blog pense que uma barra de ferro atravessou meu cérebro e alterou toda minha personalidade, explico: cheguei no estágio hoje, pensando no que diabos eu ia fazer lá hoje, quando me avisaram que alguns moradores iam ver um filme no outro lado da Ipiranga, no Shopping Bourbon, e me perguntaram se eu gostaria de ir junto, para acompanhá-los. Assistir um filme, mesmo que não seja minha primeira escolha, com a entrada paga por outra pessoa (é costume do local que a equipe tenha seu bilhete pago por algum morador) e ainda por cima poder dizer que "é pro estágio" parecia perfeito demais para recusar.

Depois de algumas peripécias passadas para chegarmos até o cinema (que, junto com um comentário que a Luiza deixou aqui, me inspirou a escrever outro post), começamos a assistir o tal filme. E, acreditem se quiser, não achei ruim, e até mesmo gostei. Para quem, como eu, não sabe nada sobre o que está em cartaz no cinema e está pensando sobre o que é este filme, ele foi inspirado na música sertaneja de mesmo nome cantada pelo Sérgio Reis. Conhecendo já a música faz algum tempo (meu pai, infelizmente, tem um gosto por música sertaneja e por volume alto), pensei, quando o tal menino da porteira apareceu na tela, "esse piá tá morto". Isso não chega a ser um spoiler, por que a droga da música já revela que ele vai ser MORTO POR UM BOI SEM CORAÇÃO!

É um filme clichê, mas com alguns toques de originalidade que me agradaram. Grosso modo, é um filme de cowboy, só que, ao invés de se passar na Califórnia de 1880, acontece em alguma biboca do interior do Brasil na década de 1950. E apesar dessa semelhança, continuou sendo um filme brasileiro falando de brasileiros e até um certo ponto verossímil. Contudo, como bom filme clichê, ele está cheio de obviedades, e uma das minhas maiores diversões é identificar que estereótipo cada ator irá encarnar antes que isto fique óbvio demais. Daniel, montado à cavalo, tocando a boiada e seu berrante? Ele vai ser o cavaleiro errante de alma livre, nobre, justo, leal, que não leva desaforo pra casa e um tanto quanto calado (silêncio este que tem a dupla função de criar a aura mítica em torno de seu personagem, e de impedir que fique ululante que Daniel tem tanto talento artístico quanto a sela onde ele está sentado). O cidadão que todos chamam com muita deferência de "Major"? Vilão. Dá pra ver pelos dentes mal-cuidados (o sindicato dos malvados tem uma péssima assistência dental). A menina de espírito independente e vanguardista demais para uma moça dos anos 50 que dá aulas para as crianças do povoado e cavalga por aqui feito homem? Ah, essa vai ser o interesse romântico do Daniel, e vai se atirar pra cima dele assim que ela tiver certeza que ele é um homem justo e bom, ao contrário dos capangas de seu padrasto, o Major. O menino pedindo pro boiadeiro tocar o berrante e fazendo traquinagens com seus amiguinhos? Desnecessário. Ele podia aparecer só no começo do filme e no final, quando ele finalmente morre pisoteado por um boi doido, mas o diretor do filme discorda da minha mui elevada opinião e acha que ele seria um bom comic relief (junto com o melhor amigo do personagem principal), e para permear a história com um ar infantil.

Não tem muito o que dizer sem entregar a história do filme (exceto a parte onde o guri morre, mas todo mundo que vai no cinema já sabia desse detalhe), mas há outras coisas que me irritaram a respeito do filme. Uma delas é o uso exagerado das gírias e do "dialeto" para deixar claro que o enredo se passava em uma vilazinha no interior do Brasil. Claro, quando se filma com a intenção de mostrar a vida em um lugar deve se prestar atenção à linguagem utilizada, mas não precisa a cada cinco minutos um personagem dizer "Mas tchê barbaridade, bagual!" pro público entender que ele é gaúcho ou que está no Rio Grande do Sul. Outra coisa é o próprio Daniel - ele não fala! OK, eu já falei isso antes, mas a coisa é muito pior, o que me leva a imaginar ele tendo um papinho com o diretor do negócio antes de começar as gravações:

- Daniel, negócio é o seguinte. Isso aqui é um filme sério, um drama! O menino da porteira vai morrer no final do filme!
- Vai mesmo, seu diretor?
- Claro que vai! Não conhece a música, porra? Além do mais, se a gente mudasse o final algum fã maldito do Sérgio Reis ia ficar enchendo nosso saco dizendo que a gente desvirtuou o espírito da história! Em todo caso, isso aqui não é um daqueles filmes dos Trapalhões, e os diálogos tem que ser decentes, entendeu? Tu só vai falar o mínimo necessário pra não estragar tudo!
- Mas seu diretor, e se eu esquecer minhas falas?
- Ah, qualquer coisa tu começa a cantar alguma coisa que encaixe, e finge que era pra ser assim mesmo.


E, realmente, ele passa a maior parte do filme cantando ao invés de falar. Admito que a maioria destas cenas pareciam estar programadas pra encher linguiça, mas uma cena em especial me fez pensar que naquela hora ele não tinha decorado as suas falas. No momento mais romântico entre ele e a menina independente, ela pergunta "E agora boiadeiro, o que vai ser?" e em resposta, ele começa a cantar uma das músicas dele, que são todas desse tipo! É irritante, mas fiquei pensando se, ao invés de Daniel, tivessem convidado o Alceu Valença:

- E agora, Boiadeiro, o que vai ser?
- Morena tropicana, eu quero teu sabor! Ooo io io io!
- Ai, me passa a murcilha!

Para finalizar, gostaria de dizer que não foi um filme ruim. Na verdade, ele tem muitos méritos, entre eles o de não me entediar profundamente ou me causar espasmos de raiva por ser profundamente estúpido, e em vários momentos do filme eu achei que estava muito bem feito. O próprio Daniel se saiu bem. E digo mais: se ele parar de ficar se vendendo para os filmes do Renato Aragão e entrar em uma escola de atuação séria, ele bem que poderia se tornar o Clint Eastwood brasileiro. Não acredita em mim? Nem eu. Mas depois que a época dos faroestes passou, ninguém dava nada pelo Clint Eastwood, enquanto que hoje muitas pessoas fazem fila para puxar o seu saco septuagenário. Se eu errar minha previsão, ninguém vai se importar, mas se eu acertar, vou fazer questão de mandar esse texto para toda a internet quando ele ganhar o Oscar Urso de Berlim Globo de Ouro o prêmio vagabundo do Festival de Gramado. E tenho dito.

terça-feira, 24 de março de 2009

Difícil Harmonia

"Tempo, minha gente, é questão de prioridade minha gente" já disse várias vezes meu chefe de tropa sênior, Eli Velho de Guerra. Com isso ele quis dizer que, quando realmente queremos alguma coisa, arranjamos tempo para fazê-la, mesmo que trabalhemos ou estudemos em turno integral. Longos dois anos de faculdade e malabarismo cronométrico me permitem dizer que isto é verdadeiro, mas nem por isso fácil.

Treino Kung Fu duas ou três vezes por semana. Costumeiramente, vou nas terças e quintas no horário das 21 horas, depois que todas as aulas já acabaram e eu posso fazer o que bem entendo. Treinar me faz bem, por motivos e de maneiras demais para detalhar aqui. Contudo, de tempos em tempos, sou forçado a não ir para a academia e ficar em casa estudando ou fazendo algum trabalho para a faculdade. Hoje, por exemplo, resignei-me a ficar em casa para ler os textos para a disciplina de Psicologia Positiva, que é amanhã de manhã, e por isso, vou ter que transferir meu treino para sexta-feira.

Também há um outro lado nessa história - quando eu uso a faculdade como desculpa para minha preguiça de ficar jogado no sofá da sala olhando para o nada ao invés de sacudir minha inércia com o Kung Fu. Costumava fazer isso mais em Caxias do Sul, quando era apenas um estudante secundarista, e me deixava encantar pelas tardes inteiras vazias de atividades e cheias de ócio. Naquela época, eu podia fazer isso sem me sentir muito mal, mas agora, sinto um mal-estar muito grande por deixar a inércia me vencer e me manter parado. Talvez seja razoável dizer que sou muito mais saudável hoje, biopsicossocialmente falando (credo, que palavrão), e que os efeitos desagradáveis da minha preguicite apenas ficassem mascarados por um estilo de vida mais pobre.

Creio que progredi muito desde então na tarefa de conquistar a mim mesmo e meu comportamento, mas isto se deve aos meus esforços contínuos de treinar, de me disciplinar, de fazer o que me proponho a fazer, e isso não se restringe apenas ao Kung Fu ou aos estudos, mas a tudo. Se parar por um tempo longo o suficiente, os bons hábitos desaparecerão e em seu lugar surgirão outros, mas acomodados e pobres. E aí é que está: não me considero grande coisa em termos de disciplina ou força de vontade, mas eu nunca parei de treinar, desde meu primeiro ano do ensino médio até agora, mesmo que tenha sido sempre aos trancos e barrancos, tropeçando agora e me levantando depois. Talvez eu nunca alcance o nível onde a disciplina se torne absoluta e a vontade suprema, mas vou indo nesta direção, passo a passo, com autocontrole e harmonia cada vez maiores.

domingo, 22 de março de 2009

Vida Dura (Parte 22)

Acabo de perceber que é quando estou com fome que tenho as piores idéias, pois elas invariavelmente envolvem a cozinha. Da última vez, com desejo de fritura, decidi fazer pastel por conta própria, com resultados duvidosos. Hoje, com fome de qualquer coisa, resolvi cozinhar ovo.

Pode parecer piada (e se não parecesse, não estaria escrevendo a respeito disso aqui), mas cozinhar ovo é mais difícil do que se pode imaginar. OK, é só colocar os ovos na água e pôr para ferver, mas como eu vou saber que já posso desligar o fogão e tirá-los da panela? Geralmente quando tenho uma dúvida dessas ou eu pego o telefone e ligo para minha mãe perguntando da forma mais objetiva possível, ou pesquiso no Google. Este último, apesar de não ter o carinho de mãe, é anônimo, e poupa muitos constrangimentos (por que, convenhamos, cozinhar ovo é provavelmente o nível mais baixo de conhecimento culinário).

Aparentemente, não sou o único homem no mundo que sabe chongas de como se faz ovo cozido, por que já nas sugestões de pesquisa aparecem as seguintes opções:

E, não sendo isso o bastante, eu encontrei um blog chamado Culinária Masculina, e que tem por objetivo explicar "tudo o que um homem sempre quis saber daquele cômodo cheio de azulejos que não é o banheiro", mas que até o advento da internet não tinha coragem de perguntar para ninguém.

Para minha grata satisfação, um dos posts desse blog era justamente sobre a arte de cozinhar ovos. O texto falava das coisas simples, mas não tão óbvias para nós, turistas da cozinha, sobre esta refinada prática, e elucidava minha principal dúvida: 15 minutos e ficava pronto. Com este conhecimento em mãos (e considerando que cozinhar ovos no microondas deve ser o equivalente culinário de colocar Mentos numa garrafa de Coca-Cola), enchi a leiteira de água, coloquei os ovos e liguei o fogo. Diferentemente dos pastéis e demais frituras, que demandam a presença constante do cozinheiro, quando se cozinha algo pode-se abandonar a comida ao seu próprio destino e ir fazer alguma outra coisa, até que ela fique pronta. No meu caso, fui para a sala e fiquei lendo. Apesar de mais confortável do que os pingos de óleo fervente que voam para todos os lados quando se frita pastéis, a experiência de esperar os ovos cozinharem é muito mais perturbadora, pois é inevitável escutar o barulho da água borbulhante, os ovos colidindo uns com os outros e pensar "será que essas porcarias não vão explodir e esmerdalhar encher a cozinha de dejetos?" (não seria a primeira vez que faço algo parecido na cozinha).

Depois de 15 minutos passados, tirei os ovos do fogão, e comecei o lento processo de descascá-los. Este ponto marca a passagem da fase dramática do processo para a fase patética, pois meus esforços podem muito bem serem assim qualificados. Começou na hora de despejar a água quente na pia e deixar os ovos esfriarem, tarefa que imaginava demandar muito tato e delicadeza, pois os ovos poderiam se quebrar. Tirei a leiteira do fogão e equilibrei-a na borda da pia. Como o cabo por onde a segurava estava muito quente, peguei um paninho para segurá-la sem me queimar. Isso acabou se provando mais inútil do que o imaginado, pois acabei esbarrando na leiteira e derrubando-a dentro da pia. Apesar da lambança, foi até melhor deste jeito, pois me poupou o trabalho de ficar segurando a panela como alguém segura um recém-nascido (metaforicamente falando, pois bebês não saem de fábrica com alças plásticas. Infelizmente).

Peguei os ovos, coloquei-os novamente na leiteira, e a enchi de água fria, pois era essa a sugestão do Culinária Masculina para que esfriassem. Passado mais um tempo (preciso dizer que fui para a sala ler de novo?), comecei a descascar os ovos. O que é muito, muito chato, pois ficam pedacinhos de casca, bem pequenos, presos no ovo, que não podem ser removidos sem destroçar um pedaço da clara. Além disso, é um trabalho repetitivo e que não permite quase nenhuma abordagem mais criativa. Quero dizer, eu até poderia inventar um jeito mais emocionante de tirar a casca, como jogar os ovos na parede, mas isso implicaria em mais sujeira, que implicaria em mais faxina por minha conta, que é coisa que eu evito sempre que possível.

Enfim, segui assim, tirando tanto quanto era possível da casca dos ovos. Tinha planejado guardá-los para fazer sanduíches mais tarde, mas como estava com fome e sou impaciente, simplesmente os comia quando considerava que já estava descascado o suficiente (não que eu não tenha pensado em comê-los com casca mesmo. Essa porcaria deve ter cálcio, ou alguma coisa saudável do genêro e que justificaria seu consumo). Enquanto comia o terceiro e último dos ovos cozidos, saí para a área de serviço para respirar o ar da noite, e senti um cheiro de comida vindo de algum apartamento mais abaixo. Era o cheiro de uma refeição completa, feita por alguém que domina minimamente os preceitos da culinária. Dei a última mordida na minha saborosa janta e pensei "merda. Um dia eu aprendo a cozinhar".

sábado, 21 de março de 2009

Vida Dura (Parte 21)

Hoje, como na semana passada, fui treinar, saí morto de fome da academia e quis comer uns pastéis. A diferença é que, desta vez eu paguei para alguém fritá-los por mim. Achei melhor do que correr o risco de comer mais corcundinhas.

sábado, 14 de março de 2009

Vida Dura (Parte 20) - Andarilho e seus pastéis

Em termos alimentares, creio que tenho uma dieta bastante saudável e balanceada: como salada e frutas em quantidade razoável, bebo bastante água e muito raramente como frituras ou fast food. Exceto pastel, por que eu adoro essa porcaria. Tanto que, esses dias, durante uma reunião de diretórios e centros acadêmicos da UFRGS no DCE, ao invés de prestar atenção no que estava sendo dito (algo sobre protestar contra alguma coisa), fiquei pensando no meu "plano alimentar" - quando saísse dali, passaria em um mercado, compraria massa pronta para pastel e tomate e levaria para casa, onde eu entraria dramaticamente no quarto da minha mãe e diria "mim fome. Frita pastel!" ou algo do gênero. Fiz exatamente isso (exceto a parte onde eu falo como um dislálico - acho que eu conjuguei mais adequadamente os verbos), e minha mãe, sendo a santa criatura que ela é, parou de jogar seu paciência Spider, vício virtual de pessoas na meia-idade, foi para a cozinha e fritou muitos pastéis, só para ver seu pimpolho satisfeito de barriguinha cheia.

Hoje, depois de um treino de Kung Fu relativamente cansativo, fiquei com fome, e pensei que comer alguns pastéis de novo não seria má idéia. Contudo, hoje a conjuntura doméstica não era a mesma do outro dia, pois minha mãe, como a boa esposa que é, voltou para Caxias do Sul para passar o final de semana com meu pai, o que torna a opção de entrar no apartamento esperneando e berrando até conseguir comida ineficaz (mas não impraticável - eu poderia fazer isto de qualquer jeito, mas dependendo dos decibéis empregados, eu poderia ser internado lá onde eu deveria fazer estágio). Mesmo assim, a idéia de comer um pouco de fritura no jantar era boa demais para ser abandonada, por isso, depois de certo tempo em devaneio, concluí que eu mesmo poderia fazer meus pastéis! Afinal de contas, tinha observado minha mãe preparando-os para mim, e não parecia ser tão difícil, aliás, parecia ser bastante fácil. "Que mistério existe em fritar massa recheada?" pensei, enquanto caminhava pela Lima e Silva, já saboreando os quitutes que ainda havia de fazer. Aaaah, este jovem gafanhoto iria aprender na marra que a coisa é mais complicada do que parece...

Chegando em casa, conferi os ingredientes, os dispus por sobre a mesa e repassei mentalmente o processo: pegar uma massa pronta, colocá-la no prato, recheá-la com queijo, tomate e orégano, dobrá-la e apertá-la com um garfo, para que não se desmanchasse na panela. Fácil, não? Bem, para uma dona de casa com pelo menos 20 anos de experiência em alimentar bebês chorões, deve ser quase uma segunda natureza, mas para um estudante de Psicologia cujas maiores habilidades consistem em devorar livros e treinar, o processo é um pouco mais... complexo. Peguei a primeira fatia de massa, estendi-a no prato e recheei-a. Tudo ia muito bem, até a hora que fui dobrá-la, e percebi que havia como que um plástico envolvendo meu projeto de pastel. É muito legal da parte do fabricante de ter colocado esta proteção a mais em seu produto, para garantir uma maior qualidade mas, porra, não dá pra por o pastel na panela com aquilo em volta! E tirando a camisinha alimentar do meu pastel, derrubei todo o recheio, e não consegui mais fazer com que ficasse do jeito que estava antes. Na hora de apertar com o garfo me atrapalhei um pouco e fiz uns furos um tanto quanto desnecessários, mas o resultado final ficou até que bonzinho. "Ficou bom, mas vou deixar pra fritar por último. Com a prática eu melhoro" pensei, antes de pegar a segunda fatia de massa e recomeçar o processo.

Não foi o que aconteceu exatamente com o segundo pastel. Me atrapalhei mais ainda, e o que saiu foi uma aberração. Rasguei uns pedaços aqui, furei com o garfo um outro naco ali, e, no fim, para deixar aquilo mais decente para ir pra panela, amassei a massa com a mão para tapar os buracos por onde o queijo escaparia. Em outras palavras, saiu um Pastel de Notre Dame. "Tá, ESSE aqui eu frito por último. O próximo vai sair melhor" pensei, mais uma vez. O terceiro pastel, ao contrário dos anteriores, saiu perfeito, uma verdadeira obra-prima. Senti-me como Michelangelo depois de ter terminado o "Davi", e só não bati no meu pastel e disse "Parla!" por que... bem, pastéis não falam, via de regra. Em todo caso, tinha atingido a perfeição, e pude, por breves instantes, acreditar que todos os outros seriam tão ou mais perfeitos que este terceiro. Porém, uma obra-prima é sempre única, e minha ilusão foi violentamente destruída quando destruí além de qualquer reparo o quarto pastel, tentando levantá-lo do prato. Não tinha como amassar tudo e tentar fritar, por que estava tudo uma bela merda. Então, em minha fúria, urrei e comi-o cru mesmo. Dramático, não? São momentos como este que me fazem pensar se não sou adotado, e que um dia meu pai vai chegar para mim e dizer "Andarilho, gostaria de ter te dito antes, mas eu não sou teu pai. Na verdade, teu pai biológico é um ogro, e nós só te achamos abandonado em uma lata de lixo", por que, sério, até uma coisa simples como fritar pastel para mim acaba se tornando um exercício do meu trogloditismo.

Decidi dar um tempo na lambança culinária e ir pro meu quarto. Aproveitei e comi o corcundinha também (só imagino que tipo de gente o Google vai acabar jogando aqui no blog por causa desta última frase). Voltei à carga de "pegar, rechear, dobrar e apertar" só depois de quinze ou vinte minutos, quando já tinha suplantado a memória do meu mais recente fracasso com as bobagens que procriam na internet e superado tamanho trauma. Foi normal, ou pelo menos tão normal quanto poderia ser. Alguns pastéis saíram melhores, enquanto outros acabaram mais esburacados do que gostaria, mas estavam prontos. Só faltava fritá-los. Neste ponto, comecei a repensar a genialidade de cozinhar minha própria junk food. Frituras envolvem óleo fervente, substância cuja fama não é devida a suas propriedades terapêuticas. OK, não é tão difícil assim fazer fritura, mas era exatamente o que eu tinha pensado a respeito de fazer pastéis como um todo, e não era como eu esperava. Já podia até imaginar a cena: eu entrando no HPS, me dirigindo ao guichê de atendimento e dizendo "oi moça, tudo bem? É o seguinte, eu tava lá em casa fritando uns pastéis, e no vuco-vuco da coisa acabei derrubando óleo fervente nas minhas costas. Tem como colocar um band-aid ou coisa assim?", e a estagiária secretária, já cansada de ver este tipo de besteira, me encaminha para a Emergência, onde os médicos iriam ficar fazendo chacota da minha inaptidão com as panelas, me restando apenas o consolo de que eu não seria o paciente mais debochado da noite, pois o cara deitado de bruços na cama ao meu lado veio parar ali por causa de um rojão acesso que ele inserira em seu orifício excretor.

OK, OK, minha imaginação é fértil e eu tenho um gosto pelo absurdo, e sei que isto dificilmente aconteceria, mas eu realmente considerei a possibilidade de comer todos os pastéis crus mesmo. Mas esta idéia, além de me fazer imaginar outra cena no HPS que acabaria divertindo muitos médicos em um congresso de Coloproctologia, era admitir que eu fora derrotado pela cozinha, mais uma vez. Não, não iria dar o braço a torcer: se o Obama pode mudar o mundo, eu podia fritar pastéis sem sofrer desfigurações. Eu ainda corria o risco de realizar alguma proeza e me queimar todo, mas para casos como este é que existe o SUS sistema de planos privados de saúde. Superado o medo, pus-me a cozinhar.

Como vocês podem imaginar, não foi tão dramático quanto fiz parecer. Para ser franco, foi até que bem ordinário. Fui meio estabanado, voaram alguns pingos de óleo fervente na minha mão por causa da água dos tomates que escorreu para fora dos pastéis, tostei eles um pouco mais do que gostaria e, no fim, sentei-me e comi. Para minha grata surpresa, pastéis fritos são melhores do que pastéis crus, apesar de conterem mais gordura saturada. Só isso, nada de morte e dor em proporções épicas. A batalha com a panela está acabada, e agora, só falta resolver um outro problema de cozinhar a própria comida: lavar a louça e limpar a cozinha, mas isto fica para outro post.

Hey, McFly!

Nos últimos tempos, o Google resolveu criar um serviço chamado Google Time Machine que, como o nome diz, funciona como uma máquina do tempo, e compara os sites de hoje com o que eles eram em 2001, quando o Google foi criado (se eles existissem na época, é claro).

Só que, aparentemente, esse gadget, aparentemente inútil, faz mais do que comparar um site com o outro: ele também te permite receber e-mails que nem sequer foram enviados.


Esses filhos da puta ainda vão conquistar o mundo.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Entre a Ação e a Inação

O Mistério da Vida pode ser contemplado por diversos ângulos, e as dúvidas por ele suscitadas podem ser descritos de muitas formas. Contudo, a maneira que tem me inquietado é o difícil equilíbrio entre o agir e o não-agir. De um modo geral, este tema permeia toda a relação entre as civilizações ocidentais e orientais. Enquanto os monges zen e taoístas vivem o Wu Wei, a sábia não-ação, a contemplação do mundo tal como ele é, os filósofos existencialistas do ocidente como William James admoestam-nos para que agarremos o touro da vida com as próprias mãos, e nossa própria ciência age ativamente na modificação e controle da natureza. Pode parecer estranho que eu levante esta questão, pois, a primeira vista, é óbvio que o "melhor caminho" encontra-se na ciência positivista, pois foi graças à ela que "o mundo tornou-se nosso", e que tenhamos à nossa disposição ferramentas tão úteis e maravilhosas como o computador (isto não inclui o Windows Vista). Contudo, se formos honestos, perceberemos que estas conquistas são muito superficiais - continuamos sofrendo, nos matando de forma cruel e fazendo deste mundo por nós conquistado em um inferno particular da humanidade.

Caímos então no outro extremo, que foi muito bem formulada por algum cidadão ocidental, em algum momento da história, que proferiu as profundas palavras "se nada der certo, viro hippie". Não é uma idéia tão absurda ou pouco considerada quanto possa parecer. Lembro-me de, certa vez, durante uma aula no segundo ano do ensino médio, uma colega minha dizer que já considerou seriamente a possibilidade de virar freira e não ter que se preocupar mais com a vida - exceto com as orações matinais. Sedutora e atrante como parece, a acelerada vida do Ocidente muitas vezes nos faz olhar para aqueles chineses velhinhos fazendo Tai Chi em praça pública com certa inveja. "Ah! Isso sim é vida!" podemos ter exclamado um domingo desses, quando a Glória Maria ou alguma outra repórter celebridade fez alguma série de reportagens sobre a vida no Extremo Oriente, mas creio que poucos tenham realmente largado tudo o que tem aqui no Brasil para ir viver em Pequim para fazer lentos movimentos circulares. Não... isso daria trabalho demais.

E é aqui que minha consciência leva-me à um paradoxo: a mais vigorosa e enérgica ação vem sempre acompanhada da mais calma e meditativa contemplação. Não é algo que possa ser expresso de forma clara e cristalina em palavras, pois deve ser vivido, e as palavras corrompem a experiência pura. Percebi isto ontem, com o treino de Kung Fu. No tempo livre que dispunha antes de ir para a academia, comecei a ler um livro intitulado "Wu Wei: A sabedoria do não-agir", escrito por Henri Borel sobre este misterioso Wu Wei, e o que li entristeceu-me profundamente, pois pensei que nunca poderia atingir este estado, e que talvez nem mesmo quisesse fazê-lo, pois a maneira como o autor o explicava fazia parecer que o Wu Wei é apenas a arrogância de um homem que se orgulha de não fazer nada. Contudo, conforme treinava, minha tristeza desaparecia, ficando em seu lugar apenas o movimento, e então percebi que, ali, naquele momento e lugar, eu vivia o Wu Wei. A intelectualização da leitura toldara meus olhos para o óbvio! E é ali, treinando Kung Fu, exercitando todos os meus músculos, que o vivo. Movimento-me intensamente, mas no fundo, não estou fazendo nada, pois apenas sigo a corrente do universo que Lao Tsé chamou de Tao.

É um erro considerar que se ficarmos apenas sentados, olhando para uma risonha e gorda figura do Buda atingiremos o Wu Wei, este estado que foi chamado de Satori, Fluxo, Mindfulness, Iluminação e tantos outros nomes, mas é igualmente equivocado crer que o faremos através da volição ativa: é através dos dois, e nenhum ao mesmo tempo. Não entende o que eu digo? Ignore este texto, então. Ele é apenas aparência, e provavelmente tu te enganarás acreditando nele também.

Ô Dotô!

Tem uma comunidade no Orkut intitulada "Doutor é quem tem doutorado", e em seus fóruns, os membros da dita comunidade alternam acusações de arrogância aos médicos e advogados que exigem serem tratados por "doutor", e acusações de inveja aos demais, que foram incompetentes demais para entrar na faculdade de Medicina ou Direito e assim, merecerem o privilégio de poderem colocar "dr." na frente do nome.

Bem, isso pode parecer nobre e de suma importância para muitas pessoas, mas baseado em minhas experiências pessoais, posso dizer que isso é perda de tempo. Por que? Bem, esses dias, lá no ambulatório, estava conversando com a mãe de um paciente sobre o transtorno dele, quando ela me perguntou algo como "mas doutor, o que eu faço nesse caso?". Não lembro qual era a pergunta, mas lembro claramente que ela me chamou de doutor. Ontem mesmo, voltando da aula, uma colega minha disse que também fora chamada de "doutora" no estágio dela.

Nem eu, nem minha colega temos diploma em Medicina ou Direito, nenhum de nós dois fez doutorado, e tampouco temos caras de pessoas respeitáveis, pois ambos temos cara de criança. Na hora, pensei "puxa, como é disseminada essa mania de chamar alguém em posição de autoridade de 'doutor'", mas depois, quando percebi que qualquer estagiário pode ser doutor se disser algumas bobagens e prescrever alguns remédios para um paciente qualquer, vi que ser doutor não vale nada, e que ficar discutindo sobre isso é uma perda de tempo. Por isso, de agora em diante, assinarei meus textos como "Dr. Andarilho". Ou "Dom Andarilho", tipo bispo. Sei lá.

Texto escrito pelo genial, maravilhoso e humilde Dr. Andarilho

segunda-feira, 2 de março de 2009

Finais e Recomeços

Fui dormir tarde ontem, às quatro da manhã, acometido de uma certa insônia, fruto da minha indisciplina de verão, e tarde despertei esta manhã. Apesar da chuva, era uma manhã como outra qualquer, mas parecia que algo tinha mudado profundamente. O ar frio que entrava pelas janelas de casa não tinha mais a mesma leveza, e como que me lembrava que não poderia mais ficar deitado. Hoje começaram minhas aulas. E este fato, mais do que o clima chuvoso, parecia tornar a atmosfera ao meu redor mais pesada, carregada da responsabilidade de ir à faculdade, assistir seminários, fazer trabalhos.

Desde meus seis ou sete anos, na primeira série do primeiro grau, sentia que o espírito que envolve as férias ou as aulas são distintos como água e vinho. Na primeira manhã que passei em Porto Alegre depois da minha viagem pela Argentina também chovia, mas os pingos de água que caiam sobre mim eram completamente diferentes do que tamborilam pela minha janela neste momento. A chuva, o cheiro das ruas, as pessoas caminhando pelas calçadas e os carros, tudo me trazia a sensação de tranquilidade, sossêgo e contemplação que sentia durante minhas férias e o tempo que passava na praia. Não precisava ir a lugar algum, e minhas pernas, protegidas apenas por frágeis chinelos e bermudas, poderiam levar-me onde quer que quisessem. Hoje, apesar de praticamente não ter aulas, posto que fui fazer um exame médico de manhã e que a primeira aula da tarde fora cancelada, não tenho mais esta sensação. O que senti esta manhã foi que tinha que estar em outros lugares que não onde já estava. Meu passo tranquilo, sossegado e contemplativo teve que dar lugar às passadas rápidas, inquietas e focadas em alguma coisa mais além do que minha vista alcança, ao pesado sentimento de dever que acompanham a volta às aulas, e minhas pernas, agora firmemente vestidas com botas impermeáveis e calças jeans, voltaram a obedecer meus comandos, pois não mais poderiam levar-me para ver tudo que quisessem, mas sim a cumprir tarefas, uma após a outra, e a própria chuva, seu cheiro, as pessoas na parada esperando o ônibus e os carros passando pela Ipiranga lembravam-me de tudo isto.

Apesar do ar carregado que envolve Porto Alegre nesta volta à vida regrada e certinha que a maioria de nós precisa viver após o Carnaval, não desejo que isto acabe e que as férias voltem. Não por que meu tempo de descanso tenha sido ruim, mas justamente por que ele foi tão bemaproveitado - nele, vivi desde a mais intensa aventura até a mais profunda contemplação; a solidão mais silente de meu quarto até a camaradagem ruidosa dos bares da Cidade Baixa; a dureza dos treinos até o ócio completo; o vento gelado da Patagônia e o calor de um abraço carinhoso. Como diria Viktor Frankl, estas memórias agora estão para sempre guardadas em meu passado, e ninguém as tirará de mim. Mas, por mais belo que o passado seja, nada acontece lá. Tenho agora, diante de mim, o desafio que o futuro me lança agora, com os estágios e as aulas. E é meu dever aceitá-lo.