terça-feira, 4 de novembro de 2008

O Monstro da Política

Apesar de fazer uma semana que a Comissão Eleitoral permitiu o começo das campanhas das chapas para o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFRGS, mas somente hoje ela começou, com os inúmeros cartazes da Chapa 1 espalhados por todo Campus Saúde, e provavelmente todos os outros. Queria escrever um post sobre a experiência de ser um protagonista direto nesta eleição, mas hoje este desejo tornou-se necessidade.

Tal qual ano passado, há quatro chapas concorrendo para o DCE e representações discentes: a Chapa 1: DCE Sempre em frente, da atual gestão, fortemente ligada ao PSOL; a Chapa 2: DCE Livre, do grupo de direita Movimento Estudantil Liberdade (MEL), associado ao Democratas e mesma chapa do ano passado; a Chapa 3: Pode Chegar, composta por membros dissidentes da atual gestão do DCE e com ligações ao PSTU; e a Chapa 4: Roda Viva, associada ao PT e composta pelas mesmas pessoas que compuseram a chapa de mesmo número e mesmo nome ano passado. Mas em marcante contraste com o pleito anterior, a disputa não é entre “direita contra esquerda”, “capitalistas vs. socialistas”, “cotas vs. não às cotas”, mas entre duas chapas de esquerda: a 1 e a 3, que, talvez por ambas representarem a atual gestão e serem muito capazes de mobilização, conseguiram recrutar números consideráveis de participantes e apoiadores novos, enquanto que a 2 e a 4 contam com um número reduzido de militantes (detesto essa palavra) e pequena margem de campanha.

A história por trás da cisão do atual grupo dirigente do DCE e como fiquei sabendo dela é digna de nota. Como disse antes, quero participar ativamente na construção de uma UFRGS melhor, mas sempre me mantive longe da política estudantil maior, fora da Psicologia, por desconfiar tremendamente dos jogos que ali acontecem. Porém, meu cansaço de ver as coisas acontecerem ao meu redor e minha vontade de agir superaram minha desconfiança, e me deixaram psicologicamente pronto para participar dela, de algum jeito ou de outro. Recusei o primeiro convite, no começo de outubro, para concorrer dentro de uma chapa para o DCE, mas por causa de meu estado de espírito, fiquei pensando bastante a respeito dele e o aceitei. Por essa época, as pessoas ligadas a movimentos políticos dentro da universidade interessados em gerirem o DCE passam pelos campi e pelas unidades de ensino, procurando pessoas para entrarem em suas chapas, principalmente o pessoal das chapas 1 e 3. Pelo o que vim a descobrir, eles estavam tecnicamente divorciados uns dos outros desde setembro, após uma briga feia que aconteceu por causa do Encontro de Mulheres UFRGS (no qual eu participei como bode expiatório de mulheres raivosas), mas na época apenas eles sabiam disto. Por isso, acabei expressando meu desejo de participar para duas pessoas de duas chapas diferente, uma da 1, e outra da 3, e demorei para ficar sabendo desta cisma que ocorrera. E mesmo um tempo após terem me contado, compareci às assembléias iniciais de chapas das duas. Isso me causou grande angústia, pois não sabia em qual me filiar.

Decidi-me definitivamente numa manhã de sábado, quando uma pessoa da chapa 3 ligou-me pedindo uma assinatura minha, para que pudesse oficializar minha candidatura como coordenador do Campus Saúde. Como estava na casa dos meus pais naquela hora, ele considerou seriamente a possibilidade de pegar um ônibus, vir até Caxias, pegar minha assinatura e voltar. Este é o tipo de idéia absurda que eu mesmo pensaria e, caso fosse necessário, colocaria em prática. Naquele momento vi que eu estava certo em entrar para a chapa 3. E foi assim, baseado numa idiossincrasia, que selei meu destino político dentro do movimento estudantil da UFRGS. Nenhum motivo político ou racional, ou desejo de poder e glória. Apenas a rooteria e o ideal demente de vida, que considera qualquer um disposto a viajar 2 horas apenas para pegar um papel alguém digno de admiração.

Contudo, apesar de ter decido que caminho seguir, ainda estava muito curioso sobre a cisão da atual gestão. Sabia que tinha ocorrido, mas não sabia por que. Como bom aspirante à cientista humano, queria descobrir o que tinha acontecido, e comecei a perguntar para todas as pessoas envolvidas, seja em alguma das chapas ou não, o que teria desencadeado a ruptura, como se estivesse empreendendo uma pesquisa sociológica. Com as entrevistas que realizei, aprendi bastante a respeito não só da política estudantil em si, mas da natureza das pessoas envolvidas. Como disse antes, houve uma briga por causa do Encontro de Mulheres. O motivo, segundo minha confiável fonte afirma, foi por que as meninas do PSTU começaram a fazer intrigas com as demais, dizendo que, se elas não tivessem se mobilizado, o encontro não teria saído. Isto gerou uma epidemia de bumbum doído entre as demais, que começaram a retrucar, e isto acabou envolvendo também os homens e levou, finalmente, à dissolução da aliança entre PSTU e PSOL. Contudo, por mais confiável que minha fonte seja, ela é de segunda mão, não presenciou os fatos pessoalmente e não sabe até que ponto isto é verdade. Por outro lado, a informação que tenho dos integrantes da minha chapa que ajudaram na organização do evento é que, realmente, foram as gurias do PSTU que fizeram todo o trabalho, enquanto as outras coçavam seus sacos imaginários ou algo assim.

Curiosamente, quando perguntei diretamente para as pessoas das duas chapas por que aconteceu tal divisão, obtenho as mesmas respostas. Depois da assembléia geral da chapa 1, conversei com um de seus líderes, que afirmou estar tranqüilo de não ter ninguém do PSTU ali na chapa, pois eles eram antidemocráticos, só se interessavam pelas pautas relacionadas ao seu partido, e que nas outras apenas causavam confusão e discórdia, sendo eles o motivo principal de por que a gestão não crescera e atraíra novas pessoas. Contudo, conversando com pessoas da chapa 3, ouvi que o pessoal do PSOL não é democrático, que monopolizam e manipulam as discussões, que se interessam apenas por aquilo que diz respeito ao seu próprio partido, que se mantiveram distantes dos demais estudantes da UFRGS, e que todos os movimentos do DCE que buscaram o contato com pessoas de fora da gestão foram empreendidos por eles, a atual chapa 3. Repito: basicamente, as acusações são as mesmas. Mudam as palavras, mudam as pessoas a quem se dirigem, mas em essência são iguais. Agora pergunto: como faço para saber quem está certo? Que critério objetivo utilizo para decidir quem fala a verdade? Não há como. O único critério de decisão aqui é subjetivo. Não posso falar muito sobre a democracia na chapa 1 (tenho que falar com meus amigos que dela participam), mas o fato dela incorporar quase 300 pessoas* de 38 cursos diferentes (nenhum da Psicologia, o que me faz sentir muito exclusivo), entre candidatos e apoiadores, mostra que seus líderes não são tão ditatoriais quanto dizem. Da mesma forma, a chapa 3 conta com uns 200 apoiadores também, sendo que muitos deles, eu inclusive, nunca participaram antes de eleições para o DCE, nem eram membros de partido algum. Baseado nestas informações, só posso concluir que ou ambos os grupos definem democracia de jeitos diferentes e conflitantes, ou que ambos são autoritaristas e antidemocráticos, e que possuem objetivos diferentes. Mas por experiência própria, posso dizer que a chapa 3 não é antidemocrática ou coisa parecida. Até o momento, pude discordar dos demais sem problema algum, pois apresentei argumentos razoáveis.

Nesse aspecto, acontece algo curioso. Muitos estudantes do curso de Ciências Sociais compõem a chapa, da mesma forma que estudantes de História, Pedagogia e outros cursos de Ciências Humanas. E, apesar de Psicologia também ser uma Ciência Humana, geralmente estou politicamente mais próximo do pessoal das Ciências Exatas. Até agora, todas as vezes que discordei da maioria, eu apoiara os argumentos de alguém que estuda Matemática ou Engenharia Elétrica. Foram só duas discussões, mas foram longas, e estas pessoas expressaram várias pensamentos que já passaram pela minha mente em algum momento. Acredito que isto seja, caricaturalmente falando, uma “guerra de classes”, no sentido marxista do termo. A maior discordância que já tivemos até agora na chapa foi a respeito das fundações de apoio privado, empresas privadas que financiam pesquisas na universidade. O pessoal das Ciências Humanas é contra a intrusão destas instituições na UFRGS, e apresentam muitos bons motivos, os principais sendo a corrupção crônica que as envolve e o fato de muitas vezes as pesquisas financiadas beneficiarem apenas a empresa (o principal exemplo disto sendo a linha de pesquisa em cosméticos desenvolvida em uma das engenharias). No outro lado, não há verba pública para pesquisa, e estas fundações, por bem ou por mal, tornam possíveis muitas das pesquisas atualmente em andamento na UFRGS, gerando conhecimento e qualificando o ensino dos estudantes envolvidos. Depois de alguns minutos trocando argumentos (que já esqueci), uma colega falou que as fundações muito dificilmente financiam pesquisas em Ciências Humanas, e então percebi que um maior fluxo de verba pública permitiria que mais pesquisas nesta área fossem realizadas. Isto não explica toda a indignação do pessoal das Humanas contra as fundações, mas pessoalmente considero significativo. E esta diferença entre eu da Psicologia e os demais das outras Ciências Sociais**, tão grande que fez com que alguns na sala acreditassem que eu cursasse alguma Ciência Exata, me levou a concluir que pelo menos um terço da Psicologia é mais matemática do que humana, e é o terço com que mais me identifico.

Tenho encarado a minha participação nestas eleições para o DCE de diversas formas, ou melhor dizendo, tenho elaborado descrições verbais diferentes para o que estou fazendo, que apesar de diferentes, se complementam. Encaro-a como uma experiência antropológica, onde insiro-me em uma comunidade distinta da minha e aprendo sobre a maneira como seus membros vêem o mundo partilhando de suas atividades; vejo-a como um grande jogo de Roleplay (RPG), afinal, como diria um veterano meu, a vida dá XP, especialmente para aqueles que se aventuram; também a vejo como uma missão, de problematizar e apontar para coisas antes ignoradas pelos outros, mesmo que para isto tenha que discordar deles; e, principalmente, vejo minha participação nestas eleições como uma situação-limite. Para alguns filósofos e psicólogos existencialistas, situações-limites são acontecimentos da vida que nos forçam a sairmos de nossa condição anterior, enfrentar a dor e a angústia e transcendermos a nós mesmos, tornando-nos, assim, seres humanos mais plenos. E concorrer para o cargo de coordenador de campus dentro de uma chapa, vestir uma camiseta da campanha, panfletear nas entradas dos RUs, explicar para meus colegas por que tomei a decisão de entrar para uma organização política, mesmo não concordando com a maioria de suas posições, e até mesmo publicar este post tem sido muito desafiador, pois me tira da confortável e segura posição da falsa coerência, de não fazer nada errado por não fazer absolutamente nada, e me faz todos os dias dar a cara à tapa e matar meu ego um pouquinho. Até agora, tem sido difícil e até mesmo assustador, mas muito, muito positivo.


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* Segundo um dos coordenadores desta chapa, o fato de tantas pessoas novas participarem da chapa é prova de que era o pessoal da chapa 3 que atravancava a abertura do DCE. Obviamente o bobinho não teve aula de metodologia de pesquisa, por que a única coisa que esse alto número de colaboradores prova é que eles conseguiram atrair um monte de gente para a causa deles, e que não há nenhuma evidência sólida de que isto não aconteceria se o racha não tivesse acontecido. Pronto, fui chato.

** Sim, Psicologia também é uma ciência social. Tanto que existe a Psicologia Social.