sexta-feira, 26 de setembro de 2008

A Força Desafiadora do Espírito

Acho que um dos maiores problemas da humanidade é a apatia, aquele estado de ânimo que nos faz encararmos as paredes de casa o dia ou dormindo o dia inteiro, nos deixando levemente deprimidos, mas ao mesmo tempo sem vontade de fazer nada, criando um círculo vicioso que nos leva a ter cada vez menos vontade de fazer qualquer coisa. E isto vai lentamente se ampliando, tomando proporções mais globais, até que conseguimos instalar um episódio depressivo maior, com direito a dignóstico e tudo.

Falo por experiência própria. Hoje, depois do almoço, entrei nesta espiral de sono e não fiz nada do que queria fazer. Dormi pelo menos umas três ou quatro horas. E, mesmo quando estava acordado, não sentia o menor desejo de fazer nada - seja escrever, ler ou assistir TV. Voltava a dormir, para acordar alguns minutos mais tarde e ter a sensação de estar perdendo o dia, e pensar que não adianta mais tentar salvá-lo.

A única maneira que conheço de vencer a apatia é deliberadamente fazendo qualquer coisa ativa. Ao contrário do que muitas pessoas pensam, não dá para ficar esperando que uma força mágica chamada motivação venha e encha nossos corpos. Se fosse assim, ninguém nunca iria para o trabalho de manhã ou faria qualquer esforço sobre-humano. A ação precede a motivação, e a torna realidade. Quando decidi escrever este texto, foi para sacudir a poeira do meu próprio corpo e animar-me novamente.

É uma coisa simples de ser feita, mas muito difícil ao mesmo tempo. Já estamos disfóricos e tudo parece um esforço gigantesco demais ou muito pouco prazeroso para valer a pena. Pessoas muito deprimidas não conseguem nem sair da cama para ir no banheiro! Deste ponto de vista, é bem compreensível que esperemos pela fada motivadora nos fortalecer. Entendo isto como sendo parte de uma questão mais ampla: o auto-domínio e a auto-transcendência.

Mais uma vez, falo por mim mesmo. Tenho problemas sérios de disciplina, ou, pelo menos, acho que são sérios. Preciso ler muitos textos para a faculdade, mas não consigo ler todos; quero acordar cedo, mas a "síndrome ds 5 minutinhos" quase sempre leva a melhor sobre mim; quero treinar mais, mas o "cansaço" é uma desculpa para não fazê-lo; tenho trabalhos para fazer, mas prefiro ficar vendo babaquices na internet por que é mais fácil. A apatia está por trás de tudo isto, e minha falta de auto-domínio permite que as coisas continuem como estão. Sinto-me muitas vezes desanimado, e até mesmo desesperado: como eu vou viver desta maneira? Parece que sempre será assim! Mas, se eu for honesto comigo mesmo, vejo que as coisas podem ser diferentes. Há dois anos, decidi que não iria mais ligar o chuveiro e tomar banho gelado todos os dias. E, pouco tempo antes, decidira parar de tomar refrigerantes. Foram dias e semanas lutando para entrar no chuveiro, resistindo ativamente à tentação de parar em qualquer lugar por aí e comprar uma garrafa 600ml de Coca-Cola, e muitas vezes não conseguindo. Mas hoje, eu estou no controle, e eu decido quando tomarei banho quente ou um gole de refrigerante. A tentação continua aí, mas é quase desprezível.

Estas minhas duas conquistas são pequenas, mas absolutamente verdadeiras, e me animam a não desistir. E mesmo minhas aparentes derrotas até o momento não são destituídas de valor. Não leio tanto quanto quero, mas ainda consigo ler mais do que quase todos os meus colegas; as poucas vezes que me determinei a manter-me acordado, eu consegui; meus treinos na academia são cumpridos religiosamente; e, até hoje, só atrasei um trabalho da faculdade (qualquer estudante de psicologia da UFRGS pode dizer que isto é um verdadeiro feito, levando-se em conta a cultura procrastinadora que lá existe). Mas quem disse que seria fácil? Eu vou tropeçar muitas vezes ainda, mas um dia eu vou poder dizer, da mesma forma que posso sobre os refrigerantes e os banhos, que tenho pleno domínio sobre meus hábitos de estudo e treino. E esta capacidade humana de buscar ser cada vez melhor é o que o psiquiatra vienense Viktor Frankl (um dos mais citados por aqui) chama de auto-transcendência, a força de nosso espírito que desafia o próprio e destino.