quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Dia do Psicólogo

Hoje, oficialmente, é o Dia do Psicólogo. Já fiz um long post a respeito da (falta de) importância da nossa profissão, e acabo de voltar de uma palestra na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) sobre o mesmo assunto. Contudo, acho que mais um questionamento cabe ser feito. Na última aula de Ética, perguntei o que impedia a Psicologia de se tornar um curso de graduação para charlatões e aproveitadores.

Primeiro, quero deixar claro que acho nossa profissão de extrema importância, não por sermos capazes de fazer coisas que ninguém mais é. Pelo contrário, frequentemente tenho que ouvir piadinhas sobre como terapia é uma enganação, e que seria melhor pagar 10 reais para um amigo ficar te ouvindo do que ir num psicólogo. Nossa força reside na nossa trajetória de formação, cuja gestalt nos torna capazes de realizar muitos serviços e trabalhos diferentes em vários contextos, e de conseguirmos, até um certo ponto, darmos uma certa unidade para tudo isto. Em outras palavras, o psicólogo é o coringa do baralho, especialmente entre as profissões da saúde. Mas cheguei à esta conclusão depois de muito refletir, e tenho a impressão de que é justamente esta reflexão que falta aos meus colegas de faculdade e muitos psicólogos formados. Para eles, a importância de nossa profissão é auto-evidente.

René Descartes é muito criticado no nosso meio, principalmente por causa de sua filosofia racionalista. Mas há uma parte da filosofia dele que não deve nunca ser esquecida: a Dúvida Metódica. Duvidar de tudo, a não ser que tenhamos um bom motivo para acreditar. Muitas vezes esquecemos de que nossas teorias, no final das contas, são só um amontoado de hipóteses. Úteis, sem dúvida, mas esperando serem falseadas. Antes de concluir que a Psicologia é verdadeiramente útil, eu preciso ter um motivo, e para encontrá-lo, preciso pensar o que seria do mundo se não existissem psicólogos ("a better place" diria um veterano meu). Depois dos médicos, somos a classe mais corporativista da área da saúde. Nosso Conselho Regional frequentemente está envolvido em campanhas que, se bem sucedidas, garantem uma maior reserva de mercado e aumentam o "nosso" poder. Poderiam me perguntar se esta não é uma das funções do CRP, e se os outros conselhos profissionais não fazem o mesmo. Bem, tenho que admitir que, excetuando o CREMERS, cuja atuação contra a Reforma Psiquiátrica eu vi espalhada por inúmeros outdoors pela cidade, não conheço nenhum outro conselho profissional, como o de Odontologia, Enfermagem ou Fonoaudiologia. Apesar da minha blatante ignorância, também seria forçado a admitir que todos estes conselhos praticam a política do "farinha pouca, meu pirão primeiro", e que o CRPRS apenas tenta manter nossa classe com condições dignas de trabalho praticando a mesma política. Não deixa de ser errado. Ou dez homens estuprarem uma mulher é mais aceitável do que só um estuprar?

Estas comemorações do Dia do Psicólogo sempre são recheadas de eventos interessantes, mas todos são até certa medida auto-aduladores. "Yay! Viva nós, e nossa extrema importância para a sociedade, que seria apenas um amontoado de lixo sem nós!" é basicamente o que se vê por aí, de forma mais sutil. A própria palestra do dia tinha como título "O que é Ser-Psicólogo?", e todas as palestrantes falaram partindo do pressuposto de que somos essenciais. Mas será que somos mesmo?

Que a Psicologia cumpre um papel na nossa sociedade é óbvio: sua própria existência atesta este fato, e se ela se tornasse completamente inútil, ela desapareceria. Mas da mesma forma que psicólogos, jornalistas, astrólogos e traficantes também cumprem um papel - que não necessariamente corresponde às fantasias de classe. Um traficante de cocaína pode se ver como o "Libertador da Favela", mas não passar de um assassino. A mesma lógica vale para os psicólogos. Somos realmente "médicos da alma", "portadores do archote", "guias do crescimento pessoal" como gostamos de acreditar? Ou não passamos de farsas, que ganham dinheiro em cima dos outros usando conhecimentos falsos e enganadores?

Esta não é uma pergunta fácil, e não há uma resposta universal: cada psicólogo deve encontrar a sua verdade. Se, ao se questionar isto, chego à conclusão de que a Psicologia não vale a pena, devo procurar outra profissão, pois caso contrário serei um péssimo psicólogo. E, devo ser sincero, vejo muitos motivos para dizer que meu curso e futura profissão fede. Mas, se mesmo com todos estes deméritos, ainda acreditar que há algo para se fazer com a Psicologia, que ela pode criar um mundo mais justo, caia de cabeça, estude e invista na sua formação, por que realmente vale a pena! Apesar de todas as minhas dúvidas e queixas, eu acredito que a profissão mais digna para mim é a de psicólogo, não importa o que eu faça futuramente com meu diploma. Porque? Não sei. Este é meu enigma, e provavelmente passarei minha vida tentando sem sucesso solucioná-lo. Mas outras pessoas, outros colegas meus podem encontrar respostas absurdamente diferentes para esta pergunta. Um amigo meu concluiu hoje, depois da aula de Neuropsicologia, que ele estaria melhor se estivesse cursando Engenharia Elétrica. Vou sentir falta dele, tanto em aula quanto nos intervalos, se ele realmente pular fora. Mas, ei, esse é o enigma dele, e eu não tenho direito de intervir. O que considero inaceitável é assumir que a Psicologia tem um valor intrínseco inalienável. Não, não tem.

Com este post "comemorativo", não quero desancar nem elevar a Psicologia às alturas. Desejo apenas lançar uma provocação para quem quer que leia este blog e que esteja envolvido na mesma área que eu. Desconstrua o que você sabe sobre os psicólogos, a faculdade e todos os livros que lemos. Veja que não há nada eterno e sagrado por trás deles. Mas reconstrua tudo de novo, e encontre um novo e pessoal sentido para tudo isto. Feliz Dia do Psicólogo.