sábado, 19 de julho de 2008

Oh não! Ainda mais algumas notas sobre minha alimentação!

Prometo que este será o último post do dia sobre comida (até por que acho que falei sobre tudo que me deixa pensativo sobre esse assunto atualmente). Desta vez, o tópico é salada. No Orkut, já fui membro de uma comunidade intitulada “capim é pra cavalo!”. Admito, salada tem gosto ruim. Rúcula é amarga, alface não tem gosto de nada e tomate, bem, tomate até que é gostoso. Apesar de tudo isso, sempre soube que salada é saudável e que é necessário comer um pouco por dia. Só depois de 17 ou 18 anos de vida me disciplinei a pegar salada nos bifes e restaurantes em que como. No RU, eu sempre pego um pouco, por mais medonha que seja a aparência, e como junto com o feijão e com o arroz para disfarçar o gosto. Na casa dos meus pais, como com óleo de oliva, que é muito gostoso (e bom para o coração ou algum órgão vital do corpo, dizem por aí). Aqui no meu apartamento, contudo, salada é coisa rara: quando tem, eu não pego, apodrece fácil, vai fora, e concluo que salada é dinheiro posto fora. E assim, abandono qualquer plano de ter um estoque de alface e tomate na minha geladeira.

Não descarto a possibilidade de, um dia, comprar salada em quantidade razoável para consumo próprio aqui em Porto Alegre. Mas, no momento, vou empurrando com a barriga o dia tomarei esta decisão. Acho que preciso, primeiramente, me acostumar a comer coisas saudáveis mais gostosas, como frutas, e ir gradualmente comprando capins mais agradáveis ao paladar, como tomate e beterraba, para só então partir para os extremos, como rúcula.

Aqui perto de casa tem um restaurante de comida chinesa que só serve pratos vegetarianos. É gostoso comer lá, apesar de caro. Até eu me acostumar a comer menos carne e mais salada, vou almoçando por lá e no RU.

Ainda mais algumas notas sobre minha alimentação

Como ainda estou embalado, decidi escrever um terceiro post sobre meus hábitos alimentares: o hábito de comer carne. Vegetarianismo e carnivorismo são dois movimentos alimentares tão opostos quanto Grêmio e Internacional. De minha parte, estou dividido entre os dois.

Há muitos argumentos contra o consumo de carne – religiosos, éticos e científicos. Como este não é o lugar para ficar falando extensamente sobre a questão de comer carne ou não, citarei apenas os principais: infligimos sofrimento aos animais, que são nossos semelhantes e não possuem meios de defenderem-se do ser humano, o que gera karma. Além disso, um número considerável de pesquisas científicas tem demonstrado que comer carne faz mal para a saúde em diversos aspectos, e que o consumo de vegetais (frutas, legumes e verduras) é extremamente saudável. Em contrapartida, também há argumentos religiosos, éticos e científicos em defesa do consumo de carne, a saber: Deus criou os animais para servirem o ser humano, o que inclui a alimentação; nos preocupamos com os animais e não com as pessoas morrendo de fome, e, para coroar tudo, há um número igualmente considerável de pesquisas demonstrando exatamente que consumir carne faz bem para a saúde, e que ingerir apenas vegetais pode ser danoso à saúde.

Não vou discutir se estes argumentos são válidos ou não (aposto que alguém vai fazer algum comentário sobre isso). Quero apenas enumerá-los para mostrar como a questão é complexa. Como já disse, sinto-me dividido entre comer e não comer carne. O argumento de que causamos sofrimento desnecessário aos animais ressoa muito fortemente dentro de mim, da mesma forma que não somos superiores a eles. Continuo a comer carne, contudo, por diversos motivos. O primeiro deles é por que é gostoso. Fui criado comendo carne, e admito que gosto.O segundo motivo é comodismo: o RU da Saúde é ótimo, mas não dá muita trela para vegetarianos, e eu não gosto da idéia de negligenciar minha dieta por um idealismo que não faz sentido para mim, pelo menos não agora. O terceiro, e talvez mais importante motivo, é justamente a minha saúde – não acho que as pesquisas científicas de ambos os lados tenham chegado à conclusão definitiva alguma. Poderia deixar de comer carne, mas não sei o que comeria em seu lugar. Carne de soja? Tem gosto de sola de sapato. E não, nunca comi sola de sapato, mas só queria usar um comparativo que deixasse claro que abomino o gosto do supracitado alimento. Já ouvi vegetarianos dizerem que carne de soja tem o sabor que o cozinheiro desejar, desde que este saiba o que está fazendo com as panelas, mas não sei não. Além disso, não conheço muitos modelos alimentares vegetarianos confiáveis. A quintessência da alimentação 100% sem carne, para mim, é a macrobiótica, e não a vejo com bons olhos. Segundo ela, não poderíamos comer feijão com arroz, por que o primeiro é um legume, e o segundo uma semente, ou alguma babaquice sem fundamento do gênero (tá certo, o fato de ter ouvido uma pessoa sem o menor conhecimento de Nutrição falar isso com a maior convicção do mundo ajudou a moldar minha opinião, mas isso não vem ao caso). E histórias que ouvi de gente que passa uma semana só comendo arroz integral me soam absurdas.

Apesar das minhas dúvidas, não fiquei paralisado. Seguindo o conselho do meu antigo professor de Kung Fu, parei de comer carne de gado e de porco, e, exceto em situações extraordinárias (o RU servindo bife na chapa e eu ter só R$ 1,30 no bolso e nada pra comer em casa), como só carne de frango e peixe. A lógica por trás desta decisão é tão científica quanto a explicação macrobiótica para não comermos feijão com arroz, mas fez sentido (e por confiar no meu professor): primeiro, paro de comer carne de animais de quatro patas; depois, de duas patas, e, por fim, deixo de comer qualquer tipo de animal, tenha ele patas ou não. Esse processo é gradual, e não me faria ter uma “crise de abstinência carnívora”, e me acostumaria aos poucos com uma dieta mais vegetariana.

Mais algumas notas sobre minha alimentação

Outro assunto referente à minha alimentação são os líquidos que bebo. Normalmente, não ingiro bebidas alcoólicas, por achar que têm gosto ruim (exceto quando são doces, como caipirinha) e que os efeitos colaterais não compensam qualquer desvantagem social de ser abstêmio. Também não bebo refrigerantes, por ter sentido na pele a influência devastadora que eles exercem sobre a resistência e capacidades físicas: fui competir numa prova de 3200 metros depois de comer um cachorro-quente e tomar uma Coca-Cola, e não me lembro de nenhuma outra situação que eu tenha desejado tão ardorosamente morrer, tão desagradável a experiência foi. Tomo, contudo, muitos sucos. Prefiro os naturais, mas os de caixinha industrializados são gostosos e saudáveis, pelo menos aparentemente. Normalmente, é bem tranqüilo para mim não beber álcool ou refrigerante, mesmo em situações que só haja estes dois tipos de bebida e comida muito salgada.

No ENEP, contudo, eu relaxei a disciplina, e bebi muito refrigerante – Coca-Cola principalmente, mas bastante Guaraná. Racionalizei que ENEP só acontece uma vez por ano, e poderia curtir tanto quanto pudesse, desde que, de volta em Porto Alegre, eu começasse um programa de purificação corporal. Antes do ENEP, não ingeria muito da boa e velha água mineral. Por isso, decidi que passaria pelo menos uma semana sem tomar sucos, naturais ou industrializados, e beberia só água nas refeições, que seriam regulares. A exceção desta regra foram as bebidas “grossas”, como o leite de vaca e de soja, que bebo no café da manhã e após os treinos. Talvez esta decisão tenha sido um erro, mas me parece plausível que, ao acordar, eu precise de mais energia que um copo de água pode me oferecer, e que depois de exercício físico, eu precise repor mais proteína e todas aquelas coisas de nome complicado que os nutricionistas falam do que de costume.

Não segui, contudo, essa minha dieta à risca. Na quarta-feira, na festa do sushi da minha turma, tomei caipirinha (com efeitos já bem conhecidos por meus leitores). Decidi, como forma de compensação, estender até a próxima quarta-feira meu regime de água. Outro erro que cometi foi beber leite demais, tomando três ou quatro copos bem servidos (o suficiente é um e meio, segundo meus cálculos e intuição). Estou considerando a opção de estender por mais alguns dias para compensar este excesso, mas não sei determinar quanto tempo mais.

Algumas notas sobre minha alimentação

Comida! Um assunto muito importante para todo ser humano. É base da hierarquia de necessidades de Maslow, algo que nos mantém vivos e felizes. Pesquisando pela palavra “comida” no Google, aparecem aproximadamente 46.700.000 resultados. Claro, é uma pesquisa tão rigorosa quanto, digamos, ficar discutindo psicopatologias de personagens literários, mas dá uma mostra de quão importante comer é para nós.

Quando um determinado assunto é importante, ele é levado em consideração de diversas maneiras por diferentes pontos de vista. Acredito ser razoável dizer que todos os sistemas religiosos do mundo possuem um código de conduta relacionado à boa alimentação. Judeus e muçulmanos não comem carne de porco, alguns hindus não comem carne nenhuma, outros chineses não comem alho ou cebola, por motivos tão variados quanto é possível. Como era de se esperar, há um campo de pesquisas científicas sobre alimentos e saúde, as Ciências da Nutrição, que, apesar de crença em contrário, vêm ampliar e apoiar os esforços espirituais por uma vida mais pura. Cientistas e místicos podem não concordar em tudo, por exemplo, em relação à carne, mas são atritos necessários para o progresso.

Comecei a ler esta semana a autobiografia de Mohandas Gandhi, “Minha Vida e Experiências com a Verdade”. Neste livro, o aclamado Pai da Índia (ele provavelmente detestava esse título, por isso o aclamado) fala, além de seu envolvimento com política e resistência não-violenta, de seus experimentos alimentares comportamentais, que praticava em busca de maior harmonia e com o mundo e a Verdade. Eu próprio, como um buscador da Verdade tenho feito algumas tentativas de melhorar minha alimentação. Tento várias abordagens diferentes ao mesmo tempo, mas no momento, desejo falar da minha busca por comer mais frutas.

Casa de solteiro homem universitário é uma tristeza, pois as únicas criaturas que se alimentam bem em tal recinto são as formigas e as baratas. O webcomic PhD frequentemente faz piada disso, debochando do grande gosto que os estudantes de pós-graduação dos EUA têm por Cup Noodles e Miojo (por lá conhecido como Ramen). Admito que muitas das insuficiências alimentares que enfrento são devidas à preguiça, mas meu desconhecimento das artes culinárias e caseiras muito contribuiu para que eu seja um cliente assíduo do RU (que, diga-se de passagem, oferece uma dieta bastante balanceada, ainda que bastante carnívora).

Minhas experiências de comprar frutas começaram fazem dois ou três meses, quando, passando na frente de uma banquinha perto da rodoviária, resolvi comprar uma manga. Comi no mesmo dia. Verde. Não sei, ainda, diferenciar frutas maduras das verdes, nem em quanto tempo elas amadurecem. Por essas e outras já joguei muita laranja fora por deixar “passar do prazo”. Tenho comprado, com certa freqüência, maçãs, que são relativamente baratas e gostosas, além de fáceis de comer, já que não precisa descascar nem nada. Já comprei pêras também, mas deixei elas um pouco de lado depois de perceber que, mais uma vez, eu não sei a diferença entre verde e maduro. Quando compro frutas, tento comê-las o mais rápido possível, para que não apodreçam, mas isso já me custou muito gosto ruim na boca por ingeri-las antes do ideal (indigestão, contudo, não tenho tido, pois me acostumei com essa vida dura).

Minha última “descoberta” (na verdade, dica do Marcelo, outro morto de fome sovina) foram as bananas: elas vêm em quantidade, são baratas, versáteis e fáceis de descascar – verdadeiros coringas em dias de fome. O inconveniente delas é o apodrecimento veloz. Comprei uma penca no início desta semana, e acabei com elas agora há pouco. Como vou para Caxias esta tarde, decidi comer todas, para que não fossem fora. Havia três sobrando, o que me fez pensar “por que não as amasso e como com açúcar e toddy?” Minha mãe fazia isso direto pra mim quando era pequeno – e eu gostava. Por que não iria gostar agora? Além disso, não devia ter nenhum segredo em pegar um garfo e ficar pressionando as bananas até elas virarem pasta.

Essa minha ilusão de ser uma barbada foi por água abaixo quando comecei a amassá-las. Credo, como pode uma fruta tão mole oferecer tanta resistência? Estava sozinho na cozinha, mas se tivesse alguém por perto, ele certamente riria dos meus achaques histéricos perante o prato empapado de fruta. Por fim, depois de muita briga, peguei o jeito, e logo as bananas estavam tão amassadas que um desdentado poderia ingeri-las sem problemas. Peguei o açúcar, o Toddy, uma colher e comecei a espalhar pelo prato. O açúcar eu misturei com a pasta, mas o Toddy eu deixei por cima. Por causa de um telefonema, deixei o prato parado por alguns minutos, e o achocolatado foi absorvido pela banana, criando uma mistura entre amarelo-banana e marrom-chocolate até que bonito. Pena que não durou o suficiente pra tirar uma foto.

O meu problema em comprar frutas é a falta de hábito: sei que me faz bem, mas se não faço um esforço consciente, quando vou ao mercado dificilmente as compro. Acho que estou revertendo isto, pois está mais fácil ir ao Zaffari e sair com duas maçãs (tudo devidamente pago, claro). Vou comprar bananas com mais freqüência daqui em diante, provavelmente tentando alternar com maçãs. Gradativamente, vou comprando mais tipos de fruta diferentes, como pêras, mangas, laranjas, bergamotas e talvez até mesmo limões.

Argonautas do Asfalto - Parte IV

Antes de começar o relato propriamente dito, gostaria de abrir um parênteses, e dizer que, talvez não tenha sido a melhor das escolhas falar sobre o ENEP cronologicamente, pois, de certa forma, ele está além do tempo. O Marcelo bem disse que cada um viveu seu próprio ENEP. Eu acrescentaria que cada um o viveu em seu próprio tempo.

O quinto e último dia oficial de encontro chegou, e com ele, um ar cheio de alegria e tristeza. Alegria pelo o que vivemos, e tristeza pela despedida, precoce na opinião da grande maioria dos participantes. A plenária final tomou lugar no centro do alojamento. Bem diferente da do ano anterior, foi apenas um círculo informal, sem frescuras burocráticas para falar ou votar: bastava chegar ali e dar sua opinião. Apesar deste clima mais livre, evitei tanto quanto pude participar dela: não estava lá para aquilo.

Nossa sociedade se dividia e dissipava pelo Brasil: Karol ficaria em Campo Grande, para ir num show; Lucas e Natanael decidiram ir para Belo Horizonte com o pessoal de Minas Gerais que estava por ali; Roger voltaria mais cedo de avião, enquanto que eu, Marcelo, Chico, Dani e William pegaríamos o primeiro ônibus que pudéssemos; os porto-alegrenses voltariam para Porto Alegre, e o William voltaria para aquela cidade dele cujo nome não me recordo. Mas é uma cidade amável, tenho certeza.

Para nossa insatisfação, não conseguimos passagem alguma para aquele dia, e teríamos que ficar mais uma noite no alojamento, quando o evento já tivesse acabado e os seguranças ido embora. Mas nossa insatisfação não foi tão grande, pois ninguém estava tão interessado assim em encarar mais 20 e tantas horas de viagem para voltar a fazer o que sempre fazemos em casa.

As despedidas tomaram conta do ENEP – tínhamos que dar adeus não só as pessoas que conhecemos ou reencontramos, mas do alojamento, das capivaras, de Campo Grande e de toda a experiência transformadora que foi este encontro. Para onde quer que olhássemos, víamos aspirantes à psicólogos fazendo isso. Dei meu adeus para tudo aos poucos: primeiro dos amigos, depois do alojamento e, por fim, da cidade. Da menina do vestido amarelo, despedi-me pelo menos quatro vezes. Não me despedi, porém, do próprio ENEP, pois ele continua a acontecer dentro de mim, pois as marcas que em mim deixou são indeléveis.

Pouco a pouco, aquele espaço vibrante e cheio de vida que era o Moreninho foi esvaindo-se, esvaziando-se, e onde havia anteriormente um grande acampamento colorido foi transformando-se novamente em um grande piso de madeira, frio e vazio. Pouco a pouco, as pessoas foram indo embora, mergulhando aquele ginásio cada vez mais no silêncio. Houve, contudo, um movimento de resistência contra isto – nos unimos e cantamos juntos, por uma última vez em Campo Grande, todas as besteiras que aprendemos nesse tempo de faculdade, fizemos aquelas dancinhas ridículas e humilhantes e afastamos, ainda que por um breve instante, o pensamento que logo iríamos embora, e por um breve instante, vivemos uma vez mais o ENEP em toda sua força.

Esse instante acabou, e cada um foi para seu lugar. Tentei ir dormir mais cedo, mas acabei indo parar no churrasquinho atrás do ginásio, e conversando com um colega de artes marciais de Porto Velho, RO. Após a conversa acabar, esbocei uma tentativa de leitura, mas ela soçobrou diante meu sono.

Na manhã que se seguiu a última noite de festa, fomos de carona para a rodoviária. Eram nossos últimos momentos na capital do Mato Grosso do Sul. Nos despedimos de William, que iria em outro ônibus, e embarcamos para nossa viagem de volta. Nas trinta horas que se seguiram, em todas as paradas e durante o caminho, o silêncio foi nosso mais constante companheiro. Mas este silêncio já não era o mesmo da ida, pois nós também não éramos os mesmos. Não havia constrangimento ou vergonha no fato de permanecermos quietos – talvez o cansaço tenha contribuído para esta situação, mas havia algo maior por trás de tudo. Este silêncio era fruto e símbolo da profunda amizade que brotou entre nós, argonautas do asfalto, que decidimos, juntos, buscar a riqueza, a aventura e a loucura em Campo Grande, no Encontro Nacional de Estudantes de Psicologia. Nós tivemos a coragem e o desapego para viajarmos mil quilômetros, e sofremos e sorrimos juntos. Se tivéssemos viajado em um grande grupo, nossa jornada não teria o mesmo significado que teve e tem até agora. Nenhum de nós é o mesmo agora.

E assim, concluo minha breve narrativa sobre o ENEP. Ano que vem tem mais: EREP Maringá e ENEP Belo Horizonte. Até lá, quando desbravaremos mais rodovias do Brasil.

O Direito de Sonhar e o Dever para Realizar

É fácil sonhar. É fácil imaginar como as coisas seriam se pudéssemos morar em outra cidade, estudar em outra faculdade, arranjar um trabalho e ganhar nosso próprio dinheiro. É realmente fácil. Todos temos o direito de sonhar, mas junto com este direito, vem o dever de fazermos tudo ao nosso alcance para torná-los algo mais que doce quimera. E onde o direito vira dever que as coisas começam a tornarem-se difíceis. Quando sonhamos, viajamos em nossa própria mente para um mundo ideal, onde as coisas acontecem como queremos, mas no mundo real, tudo permanece igual. Mas quando buscamos mudar isto, fazer realidade de nossos sonhos, nada é fácil.

Realizar um sonho é sempre uma tarefa solitária. Podemos contar com a ajuda de pais, amigos e parentes, mas no final das contas, está tudo sobre nossos ombros. E o caminho para realizarmos o que buscamos é árduo, longo e envolto na névoa misteriosa do futuro, que tudo promete, mas tudo esconde e muito nos engana. O futuro é sempre promissor, mas nunca certo. E, diante desta incerteza, desta solidão, já vi muitos amigos e conhecidos meus desistirem, e meramente aferrarem-se ao seguro e conhecido, por mais desagradável e indesejável que ele seja, e por mais brilhantes que suas esperanças fossem. Frequentemente, alegam que “o mundo” não permitiu que realizassem seus sonhos. Asneira! O mundo não está aí para nos dar respostas ou coisas prontas, mas para ser um desafio para nosso caráter e força de vontade! Nele, estão todas as ferramentas que precisamos para transformar sonho em realidade, e todo o material para construirmos nosso castelo nas nuvens. Devemos, contudo, não nos acomodarmos com o que é confortável, nem nos desanimarmos com as oportunidades que perdemos. Para cada porta que se fecha, outras três se abrem para nós. É preciso, entretanto, estar atento para elas.

Estamos aqui para nos tornarmos tudo que podemos ser, e há poucas coisas que considero tão tristes quanto alguém que poderia ser grande, um símbolo de coragem e perseverança para toda a humanidade, mas prefere ser um pouco mais do que nada, por ter medo do que terá de enfrentar. Choro por todos os sonhos que morreram antes de nascerem! Como seres humanos, somos frágeis e finitos, mas através de nossa coragem para realizarmos nossos sonhos, nos tornamos imortais, mesmo que no fim nada dê certo. “É melhor que alguém cumpra sua própria tarefa como puder, mesmo falhando, que assumir deveres dos outros, embora pareçam bons” diz o Bhagavad Gita. Talvez o que os outros desejam para nós seja mais belo ou mais grandioso, mas somos nós quem devemos decidir qual é a verdade de nossa vida. De certa forma, sermos nós mesmos da forma mais autêntica e profunda é atingir a imortalidade, e qualquer ato contra esta auto-realização de quem quer que seja é o maior crime que pode ser cometido por um homem ou uma mulher.

Por isso te peço, ó desconhecido que lê estas palavras, que não desista do teu sonho, por mais distante que ele pareça. Não quero fazer coro com as vozes do desânimo, e dizer-te que nada podes fazer, e encher-te o coração de desespero. Já há pessoas demais fazendo isto! Prefiro ser aquela voz distante, porém segura, que te encoraja a fazer o impossível. Vai, contra todas as probabilidades, te lança no desconhecido e conquista teu destino! Torna-te eterno através da tua audácia e da tua sinceridade, mesmo que por um segundo apenas. Vai, e faz aquilo que ninguém antes conseguiu. Quem sabe tu não consigas? Vai, e mostra para este mundo cruel, pessimista, materialista e cego que a força do teu espírito é a maior de todas as forças.

Argonautas do Asfalto - Parte III

Mais uma vez, poucas lembranças vêm a minha mente sobre o quarto dia de ENEP. Posso dizer que foi um dia agradável, que passei bem aninhado nos braços da menina de saia amarela, mas com poucos acontecimentos marcantes. Porém, os poucos eventos de que me recordo foram verdadeiramente extraordinários.

Uma hora da noite, resolvi sair e caminhar pelo campus, isolar-me um pouco dos demais e refletir sobre o que estava vivendo ali. Sentei-me do lado da piscina olímpica, onde um aglomerado de capivaras pastava. Pensei sobre o ENEP, sobre tudo que aconteceu antes dele e o que seria de mim depois dele. Não seria o mesmo, já sabia. No caminho de volta, encontro mais uma vez William e outro ser, desta vez carioca, indo até o Atacadão. Como Will já tinha uma bermuda (apertada) e chinelos, desta vez iriam comprar bebidas. Mais uma vez, aceitei o convite de ir junto com eles até lá, e mais uma vez, pus-me a imaginar por que fiz isto. O motivo da caminhada já evidenciava que me sentiria outra vez como um peixe fora d’água com os assuntos da conversa. Lembrei de Jung. Em sua autobiografia “Memórias, Sonhos e Reflexões”, ele fala que, por causa de seus interesses em filosofia, teologia e ciência, sentiu-se muitas vezes solitário e sem nenhum semelhante com quem poderia agir de igual para igual. Muitas vezes me senti assim, talvez por arrogância, talvez não, e lamentei a falta de um amigo para conversar verdadeiramente, e não repetir o que todos repetem.

No alojamento, aconteceria uma festa. Minha atitude perante ela não foi muito diferente das demais – ler era mais interessante. Porém, mais uma vez o destino guiou-me para outros lugares e conversas, ao invés de me deixar só com meus livros. Chico, deitado e com apenas a cabeça para fora de sua barraca, pediu uma opinião sincera, minha e de Roger, o oitavo gaúcho do ENEP, e nono membro de nossa sociedade, sobre questões de movimento estudantil, trabalho e motivação. Para ser sincero, nada poderia acrescentar de extraordinário à conversa. Por isso, fiquei apenas escutando. Nesse ínterim, Marcelo se aproximou, sentou e fez o mesmo que eu, escutou. Tenho a impressão que o Chico apenas queria alguém para conversar e expor o que pensava, pois foi o que mais falou, apesar de ter pedido opinião alheia. Foi Roger quem fechou com chave de ouro a pequena assembléia. Citando o Bhagavad Gita, livro sagrado do hinduísmo, disse “é melhor fazer mal os próprios deveres do que realizar bem os deveres dos outros”. Naquele momento, achei a frase bonita, mas ela pouco ocupou minha mente consciente. Minha mente inconsciente, percebo agora, foi muito afetada.

Finda a conversa, preparava-me para cair de cabeça no mundo da leitura e do esquecimento, quando o Marcelo se aproxima de mim e pergunta “Qual a tua opinião sobre a Astrologia?”. Foi uma pergunta inusitada, vinda do meu veterano, positivista até os ossos. Antigamente, para ele coisas como Astrologia eram simplesmente pseudocientíficas, e portanto descartáveis. Mas, ao longo do ENEP, ele dera sinais de que algo mudara. A Biodança o atingira de forma muito mais profunda do que poderia então supor. Elaborei a melhor resposta que podia dar, a mais adequada teoricamente e a mais sincera e congruente possível. A conversa que se seguiu foi uma das mais inspiradoras, desafiadoras e instigantes que tive desde que entrei para a faculdade. Não lembro de tudo o que foi discutido, nem cabe aqui relatar. Digo apenas que foi uma longa e produtiva conversa, e que, depois dela, nem eu, nem o Marcelo éramos os mesmos.

Não lembro em que dia ocorreu a segunda oficina de Biodança. Pouco importa também. Participei dela, e pude constatar o que causara tamanha comoção em meu veterano. É uma experiência para poucos, pois exige muito desprendimento emocional. Lembro de ter visto pelo menos duas pessoas chorando ao final da oficina, graças a grande carga afetiva produzida pelos participantes. Como disse o próprio Marcelo, não dá para explicar: só vivenciando para entender.

Tão breve quanto possível, publicarei a quarta e última parte parte desta série.