quarta-feira, 28 de maio de 2008

A Decepcionante Política

Esta é uma época politicamente efervescente na UFRGS. Universidades públicas, federais em particular, têm por característica mais marcante sua intensa movimentação política, já que os destinos da instituição estão mais ligados ao governo e seus membros do que as instituições particulares, mas este ano tem sido mais movimentado do que o anterior. Primeiro por que esta semana está se realizando o plebiscito sobre o REUNI na UFRGS, organizado pelo pessoal do DCE, dentro em breve acontecerá a eleição para a reitoria, e no segundo semestre, teremos a tradicional eleição para o DCE, e todos os outros cargos que vão de arrasto.

Confesso que, apesar do meu interesse em política, sinto-me bastante desmotivado este ano, apesar de toda essa algazarra. Nos meus tempos de bixo, que acabaram a não faz tanto tempo assim, eu tinha mais esperança de ver as coisas darem certo se as pessoas se mobilizassem. Além disso, tudo aqui na Federal era novo para mim, tinha um sabor de descoberta, então me envolvia tanto quanto podia e achava seguro nas pendengas políticas. Às vezes, comparo minha estadia aqui na UFRGS com os livros do Harry Potter, pois cada semestre conheço faces novas desta universidade. O primeiro semestre fora meu livro de estréia, “Andarilho e o Instituto de Psicologia” e consistiu nas minhas proezas como novato aqui pelo Campus Saúde e no Centro; o segundo continuara minha saga, “Andarilho e a Política Universitária”, e conta minhas andanças pelo Campus do Vale e meu interesse e envolvimento nas eleições para o DCE. Não consigo definir um título para este terceiro semestre, pelo menos não ainda. Sei, contudo, que o seu livro falará das minhas descobertas no infame mundo da pesquisa e do Reino CAPES. Política? Só de leve, por que não dá para evitar receber panfletos bobocas na saída do RU.

O movimento estudantil é um movimento prioritariamente político, em seu sentido mais usado – lida com o presidente da república, o governador do estado, o prefeito municipal e as leis e políticas que eles inventam. A Educação aparece, sim, mas só como bandeira oportunista, pois como meu colega de apartamento já me dissera, eles nunca fazem campanhas por bibliotecas maiores e melhor equipadas, ou por ensino de excelente qualidade. No máximo, colocam alguma coisa a respeito nos seus panfletos e cartazes.

Como falei no primeiro parágrafo, o Diretório Central dos Estudantes (DCE) está organizando esta semana um plebiscito para conhecer a opinião dos estudantes da UFRGS sobre o Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI). Mas esperto que sou, já sei o resultado. Não que precise ser um rocket scientist para saber isto, basta saber ler e interpretar textos adequadamente. Certo dia, ao ir almoçar no RU, foi me entregue um panfleto escrito no cabeçalho “Plebiscito Nacional sobre o REUNI – diga NÃO!”. Considero perfeitamente aceitável que se faça propaganda política antes de uma votação importante como esta, dita nacional, mas não vi ninguém por aí distribuindo panfletos dizendo “SIM ao REUNI!”. Gozado isso. E lendo meio por cima o tal do panfleto dá para ver seu conteúdo. O texto é dividido nos seguintes três subtítulos:

1 – Você concorda com o decreto REUNI do governo Lula, que praticamente dobra o número de alunos por professor e institui os cursos tecnólogos?

2 – Você concorda com uma eleição para reitor em que os professores têm 70% do peso dos votos, os estudantes têm 15% e os técnicos administrativos 15%?


3 – Você é a favor que se mantenham ligadas às universidades as fundações de apoio, que facilitam o desvio de dinheiro público para fins privados?

No final da folha, está escrito em letras garrafais “VAMOS DIZER NÃO AO REUNI!”

Não consegui entender como a segunda e a terceira questões estão ligadas ao REUNI, mas pensei que o panfleto não estava escrito assim, com subtítulos em forma de questão por nada. Intui que estas perguntas estariam na cédula de votação do tal plebiscito, mas achei que isto seria absurdo demais. Seria melhor colocar algo como “Sim, sou contra o REUNI” e “Não, não sou a favor do REUNI”. Logo depois de receber o tal panfleto, conversei com uma veterana minha que confirmou minhas expectativas. Os organizadores do plebiscito compareceram a uma reunião do DAP (Diretório Acadêmico de Psicologia) para pedir nosso apoio para sua causa, que é dizer não ao REUNI de qualquer jeito, e que provavelmente as perguntas do panfleto seriam as mesmas na cédula.

Muitas vezes já ouvi que os jovens, os estudantes têm direito à voz, de dizer o que pensam e que os governantes devem ouvi-los, mas certamente o máximo de atenção que daria como presidente ou reitor para um plebiscito desses seria para dizer que ele é altamente enviesado e inválido. E o pior é que é inválido de propósito. A atitude do DCE me parece muito com daquelas crianças pequenas que querem ganhar tudo no berro, que se fossem capazes de articular frases coerentes diriam em sua defesa “como eu gritei bem alto, eu estou certa, então ME DÁ O DOCE!”. Mais do que isso, é uma atitude autocrática e manipuladora, pois tem por objetivo levar milhares de estudantes pelo cabresto para dizer não ao REUNI, sem ao menos dar-lhes a chance de decidir por conta própria os méritos e deméritos deste projeto.

Esta atitude manifesta-se não só no tal do plebiscito, mas nos comportamentos de seus campeões também. Um dia desses, estava eu assistindo uma aula de Processos Grupais I bem interessante (o que é raro), quando me lembrei de que queria procurar mais tarde um artigo no portal de periódicos da CAPES, e que precisava de um livro para encontrá-lo. Saí da sala e fui até em casa pegar o tal do livro (moro a uma quadra de distância do Instituto de Psicologia). Quando voltei, um grupo relativamente grande de pessoas carregando bandeiras da CONLUTE e com adesivos “REUNI NÃO!” estavam paradas na frente da porta da sala em que estava tendo aula. Em volta de cinco minutos depois de ter entrado, eles batem à porta e pedem se podem entrar para falar do plebiscito. O professor faz uma cara meio estranha e faz um sinal dando a entender que a decisão era nossa, dos estudantes. Algumas pessoas se manifestaram, e falaram “não”, e acredito que o sentimento da turma fosse que não queríamos ouvir nada a respeito, pelo menos não durante aquela aula específica. Ainda assim, o cara que bateu na porta entrou na sala mesmo assim para falar do tal plebiscito, e seus companheiros para entregar mais panfletos (fiz um aviãozinho bem bonito com o meu). Indignado com essa falta de respeito, um colega meu exclamou que tínhamos dito que não, e perguntou por que ele entrara mesmo assim. “Ah, é que o ‘não’ tava meio tímido, e vai que tem um ‘sim’ escondido?” foi a resposta que ouvimos. Então, ele perguntou qual nosso curso, e quando constatou que éramos da área da saúde, começou a falar de um curso de tecnólogo que estava por abrir na UFRGS, “Administração de Redes de Saúde Pública” ou algo assim. Ele não falou muita coisa, pois já tínhamos sido desrespeitados o suficiente por aquela aula, e meu colega novamente os mandou irem embora (educadamente, apesar de um “SE TOQUEM DAQUI AGORA!” ser apropriado para a ocasião).

Acho que esta atitude por parte deste cidadão deixa claro que eles não se importam com nossa opinião, com nossos desejos ou inclinações políticas – a gente só tem que ouvir e fazer o que eles nos dizem. E se há algo neste mundo que me deixa indignado é esse tipo de comportamento. Por que tenho que aceitar passivamente como verdadeiro o que eles, ou qualquer outra pessoa, sobre qualquer outro assunto, nos dizem? Acho vergonhoso e preocupante ver que as pessoas por trás de um plebiscito dito democrático tenham atitudes tão autoritárias.

A eleição para reitoria é outra apurrinhação. Se tivesse acontecido ano passado eu teria ficado bem empolgado, mas esse ano, toda vez que eu vejo os montes de cartazes colados por aí, só consigo pensar quem é que vai limpar essa sujeira quando a brincadeira acabar. Só posso dizer com certeza que não vai ser nem o reitor eleito, nem os outros candidatos. São quatro chapas concorrendo este ano, mas estou por fora das propostas de todas. Sei que um candidato à vice-reitor parece o Olívio nos tempos áureos de seu bigode e tem um nome esquisito, e que um dos candidatos à reitor, o Schmidtão, foi um figurão da ADUFRGS (Associação Docente da UFRGS), que conseguiu comprar um apartamento em Paris com salário de professor, e que, pra tirar uma graninha em cima disso, publicou no boletim da referida instituição que o tal apartamento estava disponível para aluguel. No mais, apesar de poder votar, não estou muito interessado: tenho trabalhos por fazer e textos por ler, e se envolvimento político é algo secundário em minha vida, a eleição para a reitoria é terciário. O panfleto contra o REUNI não diz só abobrinhas, por que os professores de fato detêm 70% do peso dos votos na eleição para reitor, ficando os 30% divididos entre estudantes e funcionários administrativos. Não vou gastar pólvora em chimango, ir até a urna mais próxima, preencher a cédula e votar na chapa “Kiko e Seu Madruga: pela união da vizinhança”, pois eu sei que não vai mudar nada. Estou ciente de que esta é uma atitude omissa, e que tudo que o mal precisa para triunfar é que os homens bons não façam nada (Alucard, 1997). Mas não vejo como os estudantes poderiam virar a mesa nesse tipo de eleição. Votando em massa em um candidato que vá instituir a paridade 33/33/33? Duvido que o melhor estrategista de campanha seja capaz de fazer todos os estudantes da UFRGS votarem, quanto mais votarem no mesmo candidato. Fazer um voto simbólico, um ato de vontade contra a injustiça do mundo? Isso é mais a minha cara, mas dadas as circunstâncias, prefiro ser pragmático e deixar a poesia para quando eu puder.

E, por fim, as eleições para o DCE. Acho que já mostrei como a atual gestão trabalha, seus altos ideais de liberdade e democracia, mas seria injusto se não fizesse o mesmo com as outras facções estudantis dentro da UFRGS que não ganharam o primeiro prêmio da eleição DCE 2007. Faltam alguns meses para a próxima eleição, mas não vai ser muito diferente do que já vi ano passado, considerando que serão as mesmas pessoas a participarem do jogo eleitoral.

Quando se fala de política estudantil, pode-se agrupar as facções em dois grandes grupos: esquerda e direita. Alguns cursos são tradicionalmente de esquerda, como História, Ciências Sociais e Comunicação, outros de direita, como Medicina, Engenharias e Direito. Isso pode parecer uma generalização um tanto grosseira, e de fato o é, exceto em dois casos, Medicina e Comunicação. Explicarei mais adiante por que. Podemos continuar dividindo a esquerda de acordo com seus matizes de esquerdismo – esquerda moderados, esquerda radicais e esquerda Heloísa Helena. Na última eleição, havia uma chapa para cada um desses matizes:

- A Chapa 1, “Todos Iguais, Braços Dados ou Não” (1), da atual gestão que na época buscava a reeleição, é financiada pelo P-Sol.
- A Chapa 2, “Quem vem com tudo não cansa” (2), era financiada pela União Juventude Socialista, movimento Jovem do PC do B.
- A Chapa 4, “Roda Viva” (3), não era financiada por nenhum partido que eu saiba, mas vários de seus membros participam da Kizomba, movimento jovem dentro do PT (e campo fértil para malas sem alça).

E essas facções ficam se bicando durante as eleições, tentando roubar voto umas das outras e acabam se enfraquecendo. Isso não acontece com a direita, pois por mais subdivisões que possam ter (neonazistas, liberais, democratas, membros da Igreja Universal, lenhadores, ursos...) eles geralmente sabem que a união faz a força, e unem-se em volta de uma só chapa, e ficam pegando votos enquanto a esquerda está distraída tentando se destruir. Foi isso que aconteceu ano passado. A chapa 3, DCE Livre (4), do Movimento Estudantil Liberdade (MEL), dizia que não era bancada por partido algum, mas seus membros tinham sido, até antes das inscrições de chapas para concorrer, membros do Democratas, antigo PFL. Além disso, alguns de seus membros estavam (pelo menos na época) sendo processados racismo e apologia ao nazismo. Uma chapa bem diversificada, no mínimo.

A bandeira mais hasteada e balançada ano passado foram as ações afirmativas, e de especial maneira, as cotas raciais e sociais. Segundo decreto federal, todas as universidades federais eram obrigadas a desenvolver um projeto de ações afirmativas por conta própria e implementá-lo, caso contrário o governo empurraria um projeto goela abaixo da universidade. Ano passado acabava esse prazo para a UFRGS, e o projeto e sua implantação estavam sendo discutidos, com muita polêmica. As cotas raciais até hoje geram controvérsia (5), mas na época aquilo tudo estava muito fresco e recente. O CONSUN teve que fazer duas reuniões para decidir se as cotas seriam aprovadas ou não, pois na primeira algumas pessoas assistindo começaram a fazer tumulto e a sessão teve que ser interrompida.

Não sei como foi a “entrada” das cotas em universidades de outros estados, mas aqui no sul, uma região tradicionalmente racista, elas não iriam entrar sem uma boa briga. Em outubro, época da campanha, elas já tinham sido aprovadas pelo CONSUN, mas a chapa 3 não esmoreceu, e prometia entrar na justiça para proibi-las. As outras três chapas a acusavam de racista, preconceituosa e nazista (eu mesmo fui em sala de aula alheia pedir para que não votassem nela[6]) mas isso não a enfraquecia. Pelo contrário: fazia marketing para ela. O fato é que, as três chapas de esquerda eram todas iguais, divergindo só em algumas coisas . A chapa 1 era de longe a mais forte das três, mas ela perdia muitos votos preciosos para a 2 e a 4. Entretanto, com a chapa 3 a coisa era diferente. Ela tinha um diferencial, que era ser contra as cotas de todo o coração. Muita gente, na UFRGS e no estado inteiro, sentiu-se indignada com esse sistema de dar barbada para alguns poucos entrarem na Federal, a mais tradicional e bem conceituada universidade do estado, e o MEL soube bem capitalizar os votos destas pessoas.

A campanha, apesar de ter quatro concorrentes, ficou polarizada entre a chapa 1 e a chapa 3: quem era a favor das cotas contra quem era contra as cotas. E nesta briga, a baixaria foi generalizada. Tanto uma quanto a outra colecionava print screens das discussões do Orkut onde alguém falava algo que não devia: afirmações racistas, ditatoriais, que pegavam mal de algum jeito. Toda semana eu ouvia alguém de alguma dessas duas chapas dizer que “agora nós temos isso aqui em mãos, eles estão ferrados, por que vai queimar muito o filme deles”. Se lembro bem, esses print screens eram bobagem pura, mas falavam como se fosse o Dossiê Pelicano da chapa adversária. As discussões, especialmente na comunidade da UFRGS no Orkut, a troca de ofensas era a moeda de troca. O dia da votação foi especial, pois tanto a chapa 1 quanto a 3 tentou impugnar alguma urna onde sabia que iria perder. As urnas da Medicina e da FABICO (Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação), como disse antes, foram as mais estereotipadas: a primeira continha votos quase que exclusivamente para o MEL, enquanto que a segunda quase só para a “Todos Iguais, Braços Dados ou Não”. No fim, o MEL perdeu as eleições, mas a vitória da chapa 1 não foi completa.

Historicamente, os estudantes universitários e a academia como um todo têm uma tendência à esquerda muito forte, tanto que eu posso ser considerado um reacionário fascista por causa de minhas idéias (aliás, já fui chamado assim, duas vezes por duas pessoas diferentes). Mas por causa das atitudes politiqueiras das gestões do DCE (7) e dessa mania da esquerda ficar fazendo fogo amigo, muitos estudantes começaram a cansar dos amigos do Che Guevara, e começaram a votar na única chapa diferente – a da direita. A chapa DCE Livre não fizera sua estréia em 2007, mas já em 2006 (e talvez até antes) o MEL concorrera para o DCE, e apesar de ter perdido as duas eleições, seu número de votos, tanto relativo quanto absoluto, cresceu, ao passo que os votos para todas as outras chapas de esquerda diminuíram nos dois quesitos. Além disso, com sua expressiva votação, a chapa 3 conseguiu emplacar membros no Conselho Universitário (CONSUN), o órgão deliberativo máximo dentro da UFRGS. Se a coisa continuar assim, eles ainda vão ganhar a eleição para o DCE. Talvez não esse ano, mas no próximo é bastante provável.

Além de todas essas coisas que me fazem desgostoso do mundo da política, há algo mais que me faz voltar meus interesses para os estudos e para os treinos. Sinto, perto de pessoas muito envolvidas com política, como os coordenadores e secretários do DCE, que militam ativamente para algum partido, um ar de falsidade. Não os estou chamando de mentirosos, mas o que quero dizer é que, por trás de todo o barulho e impacto que fazem por suas causas políticas não encontro nenhuma substância moral que sustente tudo, e ao sinal da primeira dificuldade (ou facilidade), eles irão para o outro lado do front. Eles são existencialmente desonestos, e enganam a si mesmos. Não duvido que eles realmente acreditem no que dizem, mas tenho dúvidas se a crença deles é tão sólida quanto vendem. Hoje eles estão no PSTU, mas no futuro não estranharia de vê-los no PP, fazendo tudo aquilo que abominavam quando jovens. Não quero isso para mim. Dê-me livros e Wushu.






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1. Nome de chapa pra DCE geralmente é ridículo assim mesmo.

2. Viu? Falei que era tudo ridículo.

3. Quase se salva esse nome. Quase.

4. Nome ridículo também, mas pelo menos faz sentido.

5. Eu próprio não tenho bem certeza se sou a favor ou contra as cotas, apesar de ter bixos cotistas e achá-los admiráveis pelas pessoas que são.

6. Ah, a contradição: não gosto que me digam o que fazer, mas digo aos outros o que eles devem fazer!

7. Durante a votação, um dos integrantes da chapa 1 não nos permitiu abrir nossa urna na Psicologia enquanto tivessem estudantes de Medicina por perto para votar.