terça-feira, 20 de maio de 2008

Uma divulgação não divulgada

Hoje eu mudei o perfil do Blogger. Refiro-me à frasezinha que aparece aqui no blog, no canto direito superior, sob o título de “O Espadachim”. Para quem não achou, e para registrar para o futuro, caso eu mude o perfil novamente, escrevi o seguinte:

Muitos os chamados, poucos os escolhidos. Vá além, procure onde os demais ignoram, e talvez tu encontres um tesouro que nunca imaginara.

Depois disso, coloquei no meu perfil do Orkut o link para o blog dos Amoladores. Este foi o compromisso que cheguei comigo mesmo sobre a divulgação do Espadachim. Não quero ficar mandando e-mails para minha turma, ou scraps “flood tudo” no próprio Orkut para divulgar – considero isso uma dessacralização do blog e tudo o que ele representa para mim, além de detestar quando fazem isso comigo. Entretanto, sinto que ficar escrevendo aqui só para mim mesmo não passa de masturbação intelectual. Sei que há outras pessoas que lêem o que escrevo, mas são muito poucas. Decidi, então, que divulgaria o blog, ao mesmo tempo que não o faria.

Sou um pouco elitista, admito. Não quero ver os comentários do Espadachim com coisas mal-escritas e mal-pensadas, como frequentemente vejo em outros blogs por aí. Temia que, se eu mandar para todos os meus amigo do Orkut um link para o este site, isto pudesse acontecer.

Posso definir minha divulgação como sendo sui generis. Não coloquei link algum em lugar nenhum para cá – divulguei o Amoladores de Facas. Como isso pode ser divulgação para o Espadachim? É simples. No Amoladores, há um hyperlink para meu perfil no Blogger, onde estão listados todos os blogs onde escrevo. Entre eles encontra-se este onde escrevo estas linhas. É fácil encontrar o Espadachim, basta apenas ter o desejo de encontrar algo diferente, que vá além do resto. Duvido que existam muitos outros blogs como o meu, tão bem escritos e com temas tão variados e intrigantes.

Para mim, quem encontrar este blog, seja por este caminho que incentivei ou por qualquer outro, é por que estava destinado a encontrá-lo. De forma mais científica, o Acaso o levou a encontrar o Espadachim Cego.

Sociedade, Personalidade e Neurodiversidade

Para viver em sociedade é necessário ser bem ajustado de várias maneiras. A mais global destas maneiras é ter uma personalidade socialmente aceitável. Agrupamentos sociais selecionam pessoas com traços de personalidade mais bem vistos e vantajosos para o grupo. Não vejo nenhum problema nisto, até por que seria um contra-senso selecionar características que prejudicam a todos. Porém, isso acarreta alguns problemas. O primeiro é o processo de seleção. Em geral, seleciona-se as pessoas mais parecidas com a população em geral – em outras palavras, pessoas excêntricas, fora do centro comum, acabam excluídas socialmente. Por “centro comum” quero dizer qualquer coisa: brancos ou pretos, judeus ou arianos, introvertidos ou extrovertidos... ou qualquer outro parâmetro que se desejar. Hoje em dia isso não quer dizer grande coisa, já que dá para viver sozinho num apartamento comendo comida congelada e tele-entrega, mas há não muito tempo atrás, viver isolado de qualquer coletivo significava morte certa (e em algumas situações-limite ainda significa).

O processo de seleção não é, contudo, um sistema meramente binário, tendo mais possibilidades do que DENTRO DO GRUPO e FORA DO GRUPO. Na verdade, a exclusão social é o último recurso, pelo menos na civilização atual. Antes disso, ocorre uma tentativa de moldar a personalidade do excêntrico. Isso por si só não é ruim, e acredito ser possível justificar tal prática numa isolada tribo da Nova Guiné, mas suas conseqüências podem ser nefastas. Acho que não é necessário explicar com muita profundidade no que consiste esse processo, pois acredito que todos que lêem este blog já passaram por alguma situação em que sentiram-se pressionados a mudarem seu jeito de agir para serem socialmente aceitos: tirar boas notas, pegar mulher na festa, beber até cair, não urinar em sala de aula... qualquer coisa. Como já disse, essa mudança não é necessariamente ruim (sinceramente, eu não gostaria que mijassem na sala aqui de casa). Acho que o buraco é mais embaixo.

Historicamente, personalidades ditas ruins foram consideradas patológicas – a mais exemplar destas é a personalidade anti-social, mais conhecida como personalidade de psicopata. Não quero defender os crimes cometidos por psicopatas por aí, pois acho que qualquer ser humano que conscientemente (1) se torna um risco para outros e não sente remorso por isso, ou, se remorso for pedir demais, não ver vantagens em ser socialmente adaptado, ele deve ser mantido fora da sociedade. Deve ser tratado com dignidade e respeito, mas isolado para que não cause danos a ninguém. Entretanto, muitas pessoas são discriminadas por características comportamentais e personológicas que são mal-vistas por causa de crenças coletivas infundadas. Entre essas pessoas encontram-se psicóticos, Autistas (3), “portadores” (2) de Transtorno de Déficit de Atenção e/ou Hiperatividade (TDA/H), e outros cujos comportamentos estão definidos no DSM ou na seção 7 da CID (4).

Aqueles que se enquadram em uma ou mais destas definições não são perigosos por causa de seus transtornos. Admito que um psicótico em surto pode ser bem perigoso, especialmente se ele achar que é Azrael o Anjo da Morte e que a hora de todos os seus vizinhos chegou (5), mas não é durante o surto que o preconceito acontece (até porque não dá tempo de fazer isso enquanto se tenta impedir que Azrael te decapite a pauladas), mas depois, com as rubricas sociais: “te cuida com aquele ali, ó, ele já foi pro São Pedro (6) quatro vezes. É louco de pedra!”; “é doido, coitado. Segura tua bolsa, querida.”; “lugar de louco é no hospício!” O sujeito pode ser a criatura mais mansa do universo, mas a mancha está lá, e ele está condenado ao limbo da sociedade.

Com os autistas, a coisa é um pouco mais complicada. Em termos gerais, o distúrbio caracteriza-se por uma grande dificuldade de socialização, de empatizar com outras pessoas e tendência a ficar muito tempo em seu “mundo interior”. Há casos mais sérios, mas o núcleo comportamental comum a todos que se encaixam no espectro autista está aí (se estiver errado ou incompleto me corrijam). Isto não é necessariamente ruim, e não o é na maioria dos casos, mas como dificuldade de socialização é uma coisa socialmente mal-vista (DÃ!), e muitos pais de crianças autistas sentirem na pele como é duro seu filho não olhar em seus olhos, faz-se de tudo para desenvolver técnicas para que eles tornem-se mais capazes destas coisas e saiam de dentro de suas conchas. De novo, considerando as coisas positivas que socializar-se traz, não vejo nada errado com isso. Só que o processo é bem duro, e muitas vezes maltrata os autistas. Por exemplo, autistas que tomaram remédios para tornarem-se mais mansos relatam que sentiam-se mentalmente inertes. Em uma situação mais cruel, autistas têm os olhos muito sensíveis para luzes fluorescentes, e quando entram em recintos iluminados predominantemente por lâmpadas deste tipo começam a gritar, fazer escândalo, essas coisas que a gente não quer ver por aí, por que dói. Para que isto não aconteça (e para que os pais dos autistas sintam-se como pais normais), as crianças são condicionados via Análise Aplicada do Comportamento para não emitirem este comportamento. A dor nos olhos continua, mas pelo menos eles são bons meninos e boas meninas, e é isso que conta.

O problema dos “TDA/Hs” é diferente. Eles são perfeitamente capazes de socialização, mas tem maior dificuldade do que a média da população para concentrar-se em uma tarefa só e manter-se nela por um período considerável de tempo, e precisam estar em constante movimento, além de “viajarem” com muita facilidade (de forma similar aos autistas, TDA/Hs são bastante introspectivos). Trazendo para o plano concreto, é mais difícil para eles prestarem atenção em aulas (especialmente expositivas) e trabalharem, pois não conseguem prestar atenção direito e ficam “brincando” de alguma forma para manterem-se em movimento (por exemplo, malabarismos de uma mão só, com canetas, controles remotos e similares). Não é que não consigam – é só bem mais complicado. Sou um paciente com TDA/H típico, e sinto na pele estes problemas. Falando por experiência própria, quando preciso trabalhar, eu trabalho, e quando preciso estudar, eu estudo. A diferença entre eu e uma pessoa não-TDA/H é o tempo que eu levo para sair de um estado passivo de vadiagem para um estado ativo de estudo/trabalho. Em um panorama mais geral, são poucos portadores deste transtorno que não conseguem realmente trabalhar – se a preguiça é a mãe da necessidade, a necessidade é mãe do trabalho árduo. Adultos que dependem de seu salário sabem que, se vadiarem, vão para rua. Inclusive TDA/Hs. Quem mais sofre com este “problema” são as crianças em idade escolar. Não conseguir parar quieto em aula não só é um comportamento mal-visto, mas é encarado como desrespeito pelo professor e falta de interesse em aprender por parte do aluno. Não considero aulas expositivas o modelo de ensino ideal para ninguém, mas, como sinto na própria pele, é muito pior para quem têm déficit de atenção e/ou hiperatividade (7). Assuntos que em outro contexto seriam muito interessantes tornam-se francamente aversivos, como Física ou Química, e o aluno TDA/H sofre muito mais para estudar (esqueci de dizer que a tolerância à frustração para portadores deste distúrbio é menor do que a média da população). E daí, dá-lhe ritalina pro guri parar quieto e obedecer o professor!

Numa sociedade perfeita, a distância entre o socialmente aceitável e o existencialmente mais agradável seria a menor possível, permitindo que as pessoas convivessem em harmonia, mas não tolhessem seu crescimento pessoal e potencialidades para tanto. Não é assim onde nasci e me desenvolvo. Os remédios e técnicas utilizados para tornar estas pessoas mais socialmente aceitáveis funciona e trás benefícios claros – um surto psicótico causa danos irreparáveis no cérebro, e quanto mais puderem ser evitados, melhor, e não há via mais eficiente que o tratamento farmacológico (8). Posso dizer o mesmo para autistas e TDA/Hs, pois ambos se beneficiam de certos tratamentos. Entretanto, a personalidade destes, seu próprio modo de ser é mutilado, destruído até. E por que isso? Por causa de uma sociedade incapaz de acolher e aceitar as diferenças. Soa patético e piegas isso, eu sei. Mas é real. Não foram poucos os psicóticos, autistas e hiperativos que demonstraram aptidões artísticas e científicas excepcionais. O São Pedro está cheio de artistas; desconfia-se que Einstein era aspergher, e pode-se inferir com bastante certeza de que Jung era um TDA/H também (e eu, é claro).

Recentemente, um grupo de autistas e simpatizantes trocou idéias e uniu-se pela causa de garantir maior liberdade para os autistas poderem ser o que são – autistas. Como eles próprios afirmam, eles são cidadãos de pleno direito, mas com um funcionamento cerebral diferenciado. Chamam sua causa de Neurodiversidade. Acredito que o mesmo pode ser dito dos outros “transtornos” que citei aqui, e esta busca ampliada para incluí-los também. Por que não considerá-los formas de personalidade diferentes? O próprio Jung, segundo diz meu pai, identificara o TDA/H antes dos psiquiatras do DSM o classificarem. Mas ao contrário destes, Jung o definiu como sendo a personalidade intuitiva – cujo foco libidinal é mais voltado para o mundo interior. Bem diferente da doentificação psiquiátrica.

Não defendo deixar os autistas viverem como estão, deixar os psicóticos em surto correndo por aí ou os TDA/Hs eternamente perdidos em suas divagações – isto não seria saudável. Em sua obra, Jung fala do processo de Individuação. Este processo de crescimento se dá através do desenvolvimento das funções pouco desenvolvidas em nós: introvertidos tornam-se mais extrovertidos, pessoas racionais tornam-se mais emotivas; o contrário também acontece (9). Acredito que, em uma sociedade ideal, nossas diferenças seriam respeitadas, mas nos seria permitido desenvolver aquilo que precisamos para nos tornarmos indivíduos únicos e saudáveis, e acredito que, se desejamos que tal sonho torne-se realidade, devemos primeiro criar uma sociedade mais neurotolerante.






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1. A questão da consciência em psicopatas me soa complicada demais para poder dizer se eles possuem consciência ou não de seus atos, mas considerando que muitas pessoas com transtorno de personalidade anti-social são muito inteligentes e capazes de elaborar detalhadamente planos para longo prazo, vou assumir que eles têm consciência de que o que fazem é errado.

2. Palavra ruim, eu sei, mas não consigo pensar em nenhuma melhor.

3. Por motivos práticos, considero autista todos os portadores de condições que se encaixam no espectro autista, como a síndrome de Asperger.

4. DSM = Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, atualmente na quarta edição revisada; CID = Classificação Internacional de Doenças, atualmente na décima edição. A seção 7 da CID é de transtornos mentais (se não me engano).

5. Nesse caso, internação em uma ala psiquiátrica de hospital geral com vigilância faz MUITO sentido. No momento aqui no Brasil, e mais especificamente em Porto Alegre, os psicóticos surtados são internados em hospitais psiquiátricos, mas por motivos que não quero comentar aqui, não é a situação ideal. O Marcelo já falou sobre isso aqui e aqui.

6. Hospital Psiquiátrico São Pedro, também conhecido como “O Glorioso”. Pelo menos é assim que o diretor daquela joça chama o lugar.

7. Nunca conversa informal esses dias, o Lobo da Estepe (outro TDA/H óbvio e assumido) disse que a escola ideal para um TDA/H seria um parque de diversões com livros em locais específicos e bem chamativos, para que as crianças pudessem movimentar-se e ler à vontade quando achassem melhor. Os professores ficariam por perto para tirar dúvidas e cuidar para que os moleques não se esfolem além da conta (por que infância sem joelho ralado não existe). Talvez isso não funcionasse em uma escola primária, mas eu certamente adoraria se a Psicologia da UFRGS funcionasse dessa maneira.

8. Claro que, para alguns, o melhor remédio é um “bom ambiente”.

9. Na tipologia jungiana, há quatro funções psíquicas diferentes, além dos pólos extroversão-introversão da direção da libido: sensação, pensamento, intuição e emoção. Simplificando bastante, intuição é a função oposta de sensação, e pensamento a oposta de emoção. Cada pessoa tem uma dessas como função primária, a mais importante e desenvolvida, outra como função secundária, auxiliar à primária e tão desenvolvida quanto, a terciária e a quaternária, que são muito pouco desenvolvidas se comparadas com as duas primeiras. No processo de individuação, busca-se harmonizar estas funções e torná-las igualmente desenvolvidas. Se dispostas em um círculo, as quatro funções ficariam cada uma em um ponto cardeal, sendo seu centro o Self (arquétipo do desenvolvimento humano máximo e ideal a perseguir). Para uma melhor explicação, clique aqui (em inglês).