terça-feira, 8 de abril de 2008

O Humano, Demasiado Humano Desejo de Humilhar

Não precisa procurar ou observar muito o comportamento alheio (ou o próprio) para perceber certas atitudes mesquinhas. Uma das primeiras que notei foi a necessidade humana de humilhar os outros. Exemplos há por todo lado. Mas o que é interessante a respeito desta “pulsão de morte”, como Freud diria, é que ela é revestida por um ideal elevado de justiça, pois geralmente o alvo de desprezo e repúdio é alguém que cometeu algo hediondo. Enquanto os Aliados tomaram a Itália durante a Segunda Guerra Mundial, Mussolini e sua mulher foram capturados por uma turba violenta, que os enforcou ali mesmo, sem julgamento. A acusação feita era de violação de direitos humanos e anos de ditadura, cuja sentença era a pena de morte imediata e humilhante. Os especialistas chamam isso de “Justiça Selvagem”.

No caso do Duce, havia motivos claros para sua execução, como toda a repressão que ele fez contra sua oposição, a guerra em si, as mortes que ele causou. Mas sinto-me seguro em dizer que só isto não era suficiente para uma justiça selvagem. Havia mais motivos, obscurecidos por estes que citei, para que sua morte fosse pela forca e seu corpo destinado ao ultraje.

Vejo mais casos semelhantes em dias mais atuais. Alguns anos atrás, o programa do Ratinho (que defende abertamente a “Justiça Selvagem”) exibiu um vídeo-denúncia em que uma babá aparecia espancando um bebê. Esta notícia causou indignação na população da cidade em que esta mulher vivia, e quando ela foi prestar depoimento na delegacia, foi atacada por uma turba selvagem. Não foi linchada, mas foi atacada por todos os lados, por todas as pessoas, verbal e fisicamente (aí nasceu a lenda de Lindomar, o Sub-Zero brasileiro, que lhe aplicou uma voadora).

Mais recentemente, uma jovem chamada Lúcia foi abandonada por seu noivo dois meses antes do casamento, depois de terem arranjado quase tudo. Cheia de ódio e indignação, ela criou um blog – Noiva Abandonada Quer Vingança. Graças às leis que regem a internet (e por ela ter saído com seu vestido de noiva na rua distribuindo panfletos falando mal do falecido), sua história ganhou eco e ela ficou famosa, tanto que o UOL Tablóide a entrevistou. No tal do blog, ela fala de como odeia o ex-noivo, que a abandonou depois de anos de namoro onde ela não podia nem ao menos ter um Orkut, e que quer se vingar saindo com tantos homens quanto puder. Quem quer que fale com Lúcia expressa sua empatia. Recentemente, o “fdp”, Ed, recriou sua conta no Orkut, entrou em contato com ela, e reclamou dessa situação toda. Agora, ele é alvo de scraps furiosos de pessoas do Brasil inteiro que ficaram sabendo dessa história.

E, por fim, há o recentíssimo caso da menina Isabella, que morreu após ter sido espancada e jogada da janela do sexto andar do prédio onde morava com a madrasta e o pai, prováveis responsáveis pelo crime. Num curso de extensão que faço, uma das participantes disse que “com gente assim só matando”. Não é necessário ter muita imaginação para pensar que os pais estão em celas especiais, separados do resto dos presidiários, grandes partidários da barbárie justa.

O que todos estes casos têm em comum é que o culpado é hostilizado, com freqüência de forma física, nos piores casos mortalmente, nos mais amenos, apenas ouve ameaças de morte e imprecações. Os acusadores nada têm a ver com a história: apenas ouviram o caso, e envoltas por uma capa de divina fúria, partiram para cima das bestas demoníacas que são estas pessoas. Sentem-se bem fazendo isso, pois acusando alguém realmente culpado, projetam todo mal que existe dentro delas nele, e o atacam com mais fúria ainda. Não gosto muito de Freud, mas ele acertou em cheio quando definiu a projeção como um mecanismo de defesa.

Mas há algo que estes paladinos da moral e dos bons costumes esquecem: que atacam um ser humano. Sim, apesar de ter ordenado a morte de milhares, Benito continuava sendo um homem de carne e osso. A babá que batia no bebê, o noivo que abandonou a noiva no altar e os pais de Isabella também – demasiadamente humanos, como dizia Nietzsche. Cheios de falhas, imperfeitos, cruéis, mesquinhos, impacientes. Mas seriam só isso, tão bidimensionais quanto os vilões de He-Man? Não, eles também são capazes de amar e serem amados, de exultar, sorrir, cantar e chorar. Tanto quanto as pessoas que feriram e quanto as pessoas que os atacaram e atacam. E ainda assim, apesar de tão parecidos conosco, foram condenados à pena pior que a morte: o ódio e a desumanidade. Dói demais a ferida em nosso eu pensar que podemos ser iguais à eles, portanto os isolamos de tal maneira que isto se torne impossível, ou pelo menos suma de nossa mente.

Não pretendo justificar o que aconteceu: Mussolini agiu corretamente quando governou a Itália? Acredito que não. A babá deveria ter batido no bebê? Certamente que não. Lúcia merecia ser abandonada por Ed? De forma alguma. Merecia Isabella morrer de forma tão cruel? Nunca. Mas o que pergunto é: merecem estas pessoas que erraram serem vistas como além da redenção, e tratadas pior do que o cão mais sarnento? Mais uma vez, digo que não. Mas isto não cabe a mim decidir – cabe ao resto do mundo.