sexta-feira, 21 de março de 2008

Desabafo

Um dos temas mais antigos e mais controversos da Psicologia é a questão de sua cientificidade: a Psicologia pode ser considerada uma ciência? Basicamente, há três posições argumentativas para esta questão: uns dizem que "não", a Psicologia não é uma ciência e nem nunca será, pois seu objeto de estudo é intangível e por demais subjetivo para ser estudado de forma empírica rigorosa, e deve limitar-se a descrever os fenômenos psicológicos; outros dizem que "sim", a Psicologia é uma ciência, pois utiliza o método científico para fazer inferências eficientes sobre o que não é observável, e pode atingir um grau bastante elevado de previsão de comportamentos, indo além da mera descrição; e têm os que dizem "ainda não" - para esses, a Psicologia é uma "Protociência", uma ciência séria ainda em estado de gestação, e portanto cheia de conceitos inúteis.

Meu objetivo com este post não é defender uma destas posições - deixo estas pendengas para os epistemólogos que são pagos para isto. Pretendo fazer uma breve descrição do que tenho observado nos meios que convivo por causa da faculdade. Escrevi o primeiro parágrafo com a intenção de deixar claro que o contexto da Psicologia é uma bagunça, fato fundamental para entender o que vou dizer a seguir.

Dentro da Psicologia, as pessoas tomam posições antagônicas sobre o que uma ciência é, qual sua função e importância para a sociedade e para a humanidade como um todo. Tenho visto um espectro bem amplo de opiniões, tão variadas quanto a própria Psicologia é - em uma ponta deste continuum, estão aqueles que abominam o empirismo, e que colocam a subjetividade humana acima de tudo; na outra ponta estão aqueles que consideram a ciência não só o bem maior da civilização, mas nossa deusa e objetivo supremo, que deve guiar todos os nossos passos. No meio dessa linha contínua, caem todos os outros sabores de opinião sobre ciência. Obviamente, os dois extremos são irracionais, mas se tivesse que detestar um mais do que o outro, seria a ponta Anticientífica, cujos representantes chamarei de "Hippies Abobados". Sua posição é de que a ciência é um demônio que escraviza a todos nós, que todo o mal já criado veio dela, e que seremos livres somente quando abandonarmos os experimentos e vivermos em paz com a natureza, como bons selvagens.

Caricato, eu sei. Mas não foram poucas as vezes que vi estudantes de Psicologia expressarem opiniões muito semelhantes - não apenas remotamente, mas muito semelhantes - as que descrevi aqui. Por exemplo, uma das críticas mas usadas (não necessariamente a mais forte ou inteligente) contra a pesquisa a ser realizada por pesquisadores da UFRGS e da PUCRS com meninos da FASE utilizando técnicas neurocientíficas é "qual o limite da ciência?", ou "devemos colocar a ciência acima do bem estar destes meninos?", e as experiências conduzidas pelo regime nazista com judeus e outros povos oprimidos para comprovar cientificamente que a raça ariana era superior. Também adoram dizer que este tipo de avaliação ignora a subjetividade pessoal, e transforma a todos em meros "robôs". Estes argumentos apenas mostram que estes Hippies Abobados deveriam ter lido outras coisas além de "Mil Platôs" e "O Capital", e visto outros filmes além dos do Michael Moore (não que sejam ruins, mas são bem parciais). Primeiro por que, pelo menos neste exemplo específico, não vão furar a cabeça dos meninos com para ver se a massa cinzenta é diferente - vão fazer PET Scan e Ressonância Magnética, o que não machuca até onde eu sei. Segundo, eles são incapazes de perceber que Hitler e seus amigos não fizeram ciência: fizeram ideologia, o mesmo que os Hippies fazem. Terceiro, o relato em primeira pessoa é fundamental em muitas pesquisas neurocientíficas, o que faz do "avaliado" um co-pesquisador, tão importante quanto quem interpreta os dados.

Mas os Hippies Abobados têm um talento especial para verem apenas o que querem ver. Não tentam argumentar racionalmente, pois é mais fácil acusar a pessoa. Se alguém defendesse esta tal pesquisa, ele seria rapidamente tachado de "fascista" ou "ignorante" - acreditem, isso aconteceu comigo mais vezes do que esperava ou achava possível. E estas criaturas (que não chegam ser indivíduos, mas meros membros de uma manada) também não vêem o óbvio: que a se não fosse a ciência, ainda estaríamos nas cavernas. Mas é mais fácil imaginar que temos computadores com internet banda larga desde o princípio do universo. É, eu convivo com gente assim.

Não escrevi isso por que quero denegrir a imagem dos hippies - para falar a verdade, sou amigo de muitos deles. Mas fico impressionado com a facilidade com que estas pessoas descambam da racionalidade para a estupidez, abandonam a discussão de idéias para partir para ataques pessoais. Não entendo como alguém possa achar que é assim que se vai para a frente. Esse post foi apenas um desabafo de um cara que tomou pedrada demais por causa de suas opiniões, baseadas na pouca coisa que leu sobre Ciências Humanas, e portanto falhas e incompletas, e que vai continuar tomando pedrada por que vai continuar abrindo a boca.