domingo, 3 de fevereiro de 2008

Meu Erro Mais Recente

Em seu livro auto-biográfico "Minhas Experiências com a Verdade", Mahatma Gandhi fala obviamente de sua vida, mas de um ângulo que a maioria de nós ocidentais não compreenderia. Ao invés de falar de seus sucessos, ele preferiu falar de seus fracassos como pessoa.

Pretendo fazer o mesmo aqui, mas para poupar nosso precioso tempo, falarei apenas de minha última burrada (ou pelo menos, aquela que identifico como sendo a última antes da próxima). Acho que farei disso um hábito, e criarei uma série de posts falando das minhas mais recentes cagadas, para que eu me mantenha humilde.

Como falei em meu post anterior, frustrei minha colega de blog e amiga por causa de minha obsessão com atualizações. Sinto-me mal por isso, pois eu poderia ter evitado isto de ter acontecido. Ou assim prefiro acreditar. Escrevi um texto falando de como me sentia a respeito de meus colegas não atualizarem o blog com a mesma freqüência que eu. Fiz questão de ressaltar que, dos quatro, apenas eu sou desempregado (um termo melhor seria "estudante em tempo integral", se levarmos em conta o fato de que eu nunca tive um trabalho remunerado e com carteira assinada), o que justifica meu excessivo tempo livre, devidamente ocupado com treinamento, leituras e endless internet ranting (infindável choradeira pela internet). Como disse anteriormente, minha preocupação era única e exclusivamente a média diária de posts no R&A. E para alcançar uma média de três posts diários, eu estuprei a mim mesmo. É isso aí. Não consigo pensar em termos melhores. Afinal, para alguém que gosta de escrever artigos filosóficos que beiram o prolixo, ficar colocando imagens bobinhas em seu próprio blog (o R&A não é meu de facto, mas vocês entendem) é uma violência.

Além da auto-mutilação, consegui machucar outros, pois esqueci que quem tinha se agarrado a idéia de três posts diários fui eu, e só eu. Os outros não sabem ler meus pensamentos (e olha que eu tenho uma personalidade quase transparente). Meu post reclamando do mal-estar que sentia não era ofensivo, tenho certeza. Mas como qualquer coisa no mundo ele está aberto para interpretações, e ele foi visto como algo ruim. Essa minha colega de R&A sentiu-se desanimada depois do texto, e não sei bem se deveria estar falando sobre isso aqui, considerando que ela prefere "lavar a roupa suja em casa".

Mas minha personalidade é diferente da dela nesse quesito. Se ela tivesse publicado suas reclamações contra mim, eu teria ficado sabendo deste problema mais cedo, e poderíamos ter conversado melhor a respeito disso. Já mandei um e-mail para ela esclarecendo a situação, mas não tenho bem certeza de quando ela o lerá.

Admito que fui em parte responsável pelo desânimo dela, pois fui eu quem atirou merda no ventilador para começo de conversa. Mas, como existencialista que sou, ainda acredito que a maior responsável por este desânimo e tristeza é ela mesma. Não quero jogar tudo no colo dela, dizer "a culpa é tua!" e fingir indignação. Até por que se isso adiantasse, ninguém no mundo brigaria. Vou tentar arrumar a mancada que fiz. Já pedi desculpas para ela no e-mail, expliquei minhas intenções e expliquei que nunca foi meu objetivo entristecer ninguém. E, se conheço ela, ficará tudo bem novamente quando ela responder meu e-mail.

Mas até lá, só resta esperar.

O Espadachim Cego começa sua jornada

Não sou um novato na blogosfera. Desde o início de 2006 sou colaborador ativo do Roqueiro & Alcoólatra, e já faz algum tempo que escrevo sobre Ciência no Amoladores de Facas. Costumava sentir grande satisfação em participar do R&A, mas ultimamente, por causa da falta de atualizações por parte dos outros colaboradores, tenho me sentido abandonado e, principalmente, perdendo meu tempo fazendo posts superficiais. Gosto muito do Amoladores, pois nele sinto maior liberdade para falar de assuntos mais complexos, intrigantes e polêmicos, como epistemologia, filosofia e tecnologia, conflitos e contradições de nosso campo, mas não me sinto à vontade para tratar de coisas menos científicas e mais espirituais e pessoais.

Por mais irracional que possa parecer (e ser), me sentia tolhido nestes aspectos nos outros blogs por causa de seus nomes. Quando fui convidado pelo Huginn para escrever junto com ele, o nome “Roqueiro & Alcoólatra” já tinha sido definido e escolhido, o que significa dizer que não tive a chance de opinar. Gosto do bom e velho Rock n’ Roll, mas gosto de muitas outras coisas que me impedem de ser um “roqueiro true”. Também não bebo, outra franca contradição, como uma colega minha observou, quando decidi encher o saco de meus colegas de faculdade mandando o link para um de meus textos para nossa lista de mensagens. Mas estas duas palavras separadas não têm a mesma capacidade de me fazer cair em contradição do que as duas juntas. A estrutura formada por elas duas passa uma mensagem de pouca seriedade, como se tivéssemos 50 anos, e tudo que fizéssemos nas nossas vidas fosse beber cachaça barata pura e ouvindo “Cannibal Corpse”, enquanto reclamávamos dos emos e da falta de empregos e mulheres decentes. Tudo sob um leve desespero, como canta aquela música do “Capital Inicial”. Aposto que quando escolheu este nome, Huginn não pensou nisso, mas apesar de todas as nossas semelhanças, somos muito diferentes um do outro, e os motivos que o levaram a criar um blog voltado para bebidas e um certo estilo musical não são válidos para mim.

Já a história do nome “Amoladores de Facas” é mais complexa, interessante e divertida. No meu primeiro semestre no curso de Psicologia, tivemos o prazer de ler o primeiro e o segundo capítulos do livro “A Cidade dos Sábios”, por Luis Antônio Baptista, para a disciplina de Psicologia Social I. Pessoalmente, acredito que a melhor definição para este livro é utter crap, que em inglês coloquial significa “besteira total”. Para os que entendem um pouco o “Universo Psi” (este termo criado por membros de nossa própria classe, e demonstra de maneira impecável nosso autismo em relação às coisas externas à Psicologia), imaginam que eu, sendo um estudante de primeiro semestre na época e portanto sem filiação à linha teórica alguma, gostei dos textos, e fiquei bastante entusiasmado com as discussões subseqüentes à leitura, apesar de não ter entendido nem a metade do que tinha lido. O primeiro capítulo desta obra prima da literatura de banheiro brasileira não era linear, mas dividido em vários casos menores, diferentes e aparentemente não relacionadas umas com as outras, exceto pelo fato que contavam as histórias de pessoas vítimas de uma sociedade cruel e insensível, dirigida por eminentes médicos e especialistas que destruíam a subjetividade humana com suas “disciplinas de controle tecnológicas”, e composta por um grande número de pessoas que o autor denominou “amoladores de facas”, pessoas que não dão a punhalada final, mas que estão sempre a afiar a fria faca que daria o golpe final. Algum tempo depois desta leitura, dois ou três meses, me sentia desconfortável com as aulas de Psicologia Social e seu sentimentalismo político exacerbado, e percebi que outras pessoas compartilhavam este sentimento. Por puro deboche, passamos a nos denominar “amoladores de facas” e que, ao contrário do que diz Baptista, somos poucos, somos ágeis, amamos ciência e tecnologia e possuímos um forte espírito de contestação (tão forte que alguns de nós considera o uso da palavra “espírito” um exemplo de crendice na Psicologia). Mas ele estava certo em um ponto: somos cruéis. Ou melhor dizendo, cáusticos. Nos inspiramos em pessoas como William James, Karl Popper e Gregory House.

O primeiro foi o fundador da Psicologia e da Filosofia nos Estados Unidos, o segundo um dos mais influentes epistemólogos do mundo e o terceiro um médico de ficção famoso por suas habilidades de diagnóstico e brutal honestidade. Poderia citar muitos outros aqui, mas cito apenas estes três por representarem de forma perfeita as qualidades que admiramos: raciocínio lógico, clareza de pensamento e capacidade de elaborar frases curtas, grossas, altamente cortantes e ainda assim hilariantes em curtíssimos período de tempo. Pessoalmente, ser um Amolador de Facas ganhou um outro significado: de estar constantemente afiando a própria mente, sempre preparado para discutir de forma democrática e aberta, pronto para rebater contra-argumentos ruins e reconsiderar a própria posição diante dos fatos, ao invés de se agarrar a uma crença até a morte e atacar pessoalmente aqueles opostos à minha opinião.

Enfim, o blog dos Amoladores de Facas está por demais ligado a assuntos científicos e, portanto, não há espaço lá para que eu possa falar de tópicos mais amenos, como arte, literatura ou minha vida pessoal. Poderia fazer isto sob o disfarce de um estudo fenomenológico, ou à guisa de iniciar um artigo mais sério, mas ainda assim não me sentiria a vontade, pois ainda seria uma peça deslocada.

Então, baseado nesta sensação de que as palavras escolhidas para nomear os outros blogs em que escrevo me tolhem a escrita (algo bastante paradoxal), decidi criar meu próprio blog. Essa era uma idéia antiga, que me passava pela cabeça todas as vezes que desapontava-me com o Roqueiro & Alcoólatra, seja por ser o único ali a fazer atualizações com constância, seja por que sentia-me de mãos atadas pelo título e subtítulo do blog. Mas descartava essa possibilidade, pois acreditava que poderia escrever tudo que quisesse ali mesmo, e por que encarava como traição ao Huginn, amigo há tanto tempo, escrever em outro lugar. Mas essa idéia voltou, e com força total há dois dias atrás, quando me encontrei com uma amiga para pôr a conversa em dia. Assídua leitora de meus posts, pela primeira vez ouvia críticas dela sobre minhas atualizações. Segundo ela, estava obcecado tão com números, médias estatísticas e “mostrar serviço” que deixei de lado aquilo que faz meus textos tão bons de ler: o empenho e a qualidade. De fato, ela estava certa, pois tinha metido em minha cabeça que este ano o R&A teria pelo menos três atualizações diárias, e que para isso eu faria mais posts com imagens e vídeos, e diminuiria o volume de conteúdo escrito, que várias vezes fora criticado pelo Huginn por ser extenso demais. E devo acrescentar que minhas atualizações mais recentes não são só ruins de ler: foram ruins de escrever. Era sempre um processo não-natural, forçado. Várias vezes por dia me via pensando “preciso atualizar... estou oito posts atrás do previso... faço quatro posts hoje, quatro amanhã e assim eu consigo por as coisas em dia”. Era como espremer frutas cristalizadas para fazer suco. Além disso, como descobri há pouco tempo, frustrei uma companheira de blog por causa dessa minha atitude obsessiva.

Nessa conversa, minha amiga perguntou por que eu não criava um blog só meu. Naquele momento refutei essa possibilidade, mas não consegui formular nenhum argumento realmente racional que justificasse minha decisão. E meus caros, quando eu não consigo fazer isso, é por que há algo diferente. “Eu não quero e ponto” é uma afirmação perfeitamente aceitável, mas nem isso consegui dizer.

Fiquei remoendo a possibilidade de um blog pessoal, onde eu e eu sozinho faria tudo, e hoje, meio que de brincadeira, meio que sério, dei à luz o Espadachim Cego.

Como devo ter deixado claro nos parágrafos anteriores, dou grande valor para as contingências verbais, e não escolheria um nome qualquer para meu blog. Pensei primeiro em “O Andarilho”, por causa de meu nickname na blogosfera. Mas, além do nome já ter sido utilizado (por um blogueiro aparentemente emo, que gosta de aparecer e é preguiçoso – seu blog não tem um post sequer), era barato, sem graça. Fui pensando em outras possibilidades, tal como “Jornadas do Andarilho”, ou “Viagens de um Andarilho”. O primeiro nome é um clichê, enquanto que o segundo parece que foi criado especialmente para falar das minhas experiências com psicotrópicos. E nenhum deles passava a mensagem que desejava.

Queria um nome significativo, que representasse em poucas palavras minha personalidade, o que gosto, o que quero fazer. Lembrei então da lenda de Zatoichi. Ele era um homem cego, que vivia no Japão feudal, viajando entre as cidades, ganhando sua vida com seus serviços de massagista, de apostas e da caridade alheia, já que naquela época, os cegos eram uma classe social muito baixa, acima apenas dos mendigos. Sua própria alcunha, Zatoichi, quer dizer “Ichi, o último cego”. Mas na verdade, Zatoichi era um mestre espadachim, que usava de sua aparência frágil e débil como disfarce para melhor proteger os indefesos das cruéis gangues yakuza. Aparentemente fraco, mas na verdade o mais forte de todos.

Disciplina, sentido, determinação: é essa a sensação que este nome me traz. Não por causa de um filme que assisti, mas pelo espírito que ele incorpora. C. G. Jung chamaria este espírito de “arquétipo do herói”. O Herói está presente em todas as histórias de todas as culturas, da mitologia ou literatura recente, seja da Ásia, América ou Europa. E em todas elas, seu espírito transcende seu corpo através do treino e da dificuldade que encontra em sua jornada. A espada representa o auto-controle, a compaixão e a vontade, adquiridas através de diligente disciplina. Os cegos, na cultura helênica antiga, eram considerados sábios, pois tinham olhos para um mundo que os que enxergam não têm acesso.

E é isso que sou. Um cego, ao mesmo tempo forte e fraco, buscando transcender seu próprio corpo, seu próprio ego, ajudando pessoas e enfrentando a si mesmo. Uma recente teoria em Psicologia afirma que somos condicionados pelas relações verbais que criamos com nosso mundo. Se isto for verdade, este blog é o lugar perfeito para que eu escreva.

E assim começa nossa jornada.