segunda-feira, 28 de julho de 2008

Responsabilidade e Liberdade

No post "A Sempre Condicional Liberdade", expus algumas de minhas idéias referentes à liberdade humana, resultado de muito ler e pensar sobre o assunto. Nos comentários, o Marcelo deixou algumas perguntas importantes, que merecem um post inteiramente novo para serem respondidas. Transcrevo-as aqui:

Como ficam as questões de responsabiliade, mérito e culpa a partir dessa tua concepção de liberdade? E fazes alguma diferenciação entre liberdade e livre-arbítrio, ou estás tratando como sinônimos?

Bem, como disse anteriormente, considero que a liberdade reside no vácuo entre nossas escolhas - em outras palavras, somos seres livres justamente por tomarmos decisões, e por sermos capazes de auto-reforçarmos nossos comportamentos mais desejáveis, ou, melhor dizendo, mais corretos, pois muitas vezes, temos que escolher entre uma opção agradável, porém eticamente duvidosa, e outra, de conseqüências fisicamente desagradáveis, mas congruente com nosso sistema de valores. Toda tomada de decisão envolve conseqüências futuras: eu posso preferir abandonar os estudos e viverna boêmia às custas dos meus pais, mas chegar nos 40 anos sem saber fazer nada além de beber e fazer festa, ou escolher afundar-me completamente nos livros, negligenciando minha vida social por completo, e ser bem-sucedido profissionalmente mas um fracasso em minha vida pessoal aos 40 anos, como também posso tentar buscar um equilíbrio entre estes dois extremos. Seja qual for minha escolha, as conseqüências serão inevitáveis, e eu terei de confrontá-las, cedo ou tarde. Não há escapatória, pois, por mais variáveis externas que possam ter interferido na minha vida, eu ainda sou o único e último responsável pelo meu sucesso ou pelo meu fracasso. Responsabilidade é inseparável da Liberdade, tanto que Viktor Frankl costumava dizer que deveria ser construída uma Estátua da Responsabilidade na Costa Oeste dos Estados Unidos para completar a Estátua da Liberdade na Costa Leste.

Mas um arguto debatedor como o Marcelo não aceitaria minha resposta como satisfatória, e me perguntaria sobre a responsabilidade que um psicótico teria sobre os crimes cometeu. Seria de um terrível mau gosto culpar um esquizofrênico por ouvir vozes assassinas em sua cabeça, e não acho que seja possível responsabilizá-lo por matar alguém. Simples que este pequeno esclarecimento pode parecer, ele abre um precedente filosófico muito importante para este debate: até que ponto não somos, nós mesmos, psicóticos, e portanto livres de qualquer responsabilidade por nossos atos? Até que ponto não somos meramente controlados como bonecos por nossos instintos, arcos reflexos e tendências hereditárias, e até que ponto esta chamada vontade não está sufocada debaixo de todos os nossos desejos primários? É uma questão tão complexa quanto antiga e polêmica, tendo muitos teóricos concluído que não somos livres, enquanto outros concluíram que possuímos livre arbítrio. Pessoalmente, acredito que é infantil discutir este assunto de forma tão dicotômica, pois penso existir não apenas dois pólos distintos, mas um continuum, partindo do bebê que nada pode decidir, até o adulto que pode tomar decisões muito complexas em sua vida. A completa liberdade seria, segundo as filosofias orientais, a iluminação, ou a auto-atualização para Maslow e a individuação para Jung. Não pretendo discutir o que é a iluminação ou como alcançá-la, mas entendo por que tão facilmente se conclui que o ser humano não é livre, pois poucos alcançam tão elevado grau de desenvolvimento pessoal, ficando a grande maioria das pessoas inconscientes, envoltas em ilusão. Ainda assim, por mais inconsciente que uma pessoa seja de si mesma e de seu mundo, por mais afundada que esteja em delírios psicóticos, ela ainda terá que enfrentar as conseqüências de seus atos. Podemos debater se filosoficamente ela mereceria tal tratamento, mas o universo não alimenta tais dúvidas, e é implacável na aplicação da lei do efeito. Como Sartre disse, "estamos fadados à liberdade", por que estamos fadados À responsabilidade de todos os nossos atos.

Entre aqueles que acreditam que o ser humano não é livre, existe uma crença muito comum de que a melhor forma de governo seria a tecnocracia, onde alguns poucos cientistas tomariam as decisões governamentais baseados em pesquisas empíricas e educação rigorosa. É o que defende Skinner em seu livro "Walden II" e Platão em "A República", e a sociedade distópica que Aldous Huxley pinta em "Admirável Mundo Novo". Este modelo de governo está, na minha humilde opinião, destinado ao fracasso, pois além repousar em bases pouco sólidas (por exemplo, como seriam escolhidos os governantes e quem escolheria a educação a eles dada?), falha justamente em delegar responsabilidades reais aos seus cidadãos. É através da responsabilidade que uma maior liberdade torna-se possível, através da expansão da consciência que seus conflitos causam em nós. Poderíamos simplesmente viver como a sociedade que Huxley descreveu, e simplesmente nos drogarmos para alcançar um estado de estupidez mental tão grande que esqueçamos de nossos problemas, conforme aquele adágio que diz que "a ignorância é uma benção", mas viveríamos, creio eu, vidas sem sentido, indignas de serem vividas.

Nesta concepção de liberdade, mérito e culpa são termos perfeitamente utilizáveis, mas secundários. Poderia dizer que quanto mais consciente uma pessoa é, mais responsável pelos seus atos se torna, e talvez seja cabível culpá-la por um erro grosseiro mais do que uma pessoa ignorante, da mesma forma que é mais louvável uma pessoa não iluminada agir de maneira mais elevada. Mas no fim, o que importa verdadeiramente é a responsabilidade pessoal, e enfrentar as conseqüências, boas ou más.

Por fim, sinto que não sou capaz de responder a segunda pergunta do Marcelo a contento, por não compreender a possível diferença entre liberdade e livre arbítrio, mas acredito que os utilizei como sinônimos intercambiáveis neste post e no anterior.

Um comentário:

Anônimo disse...

Bueno. Apenas para fazer um adendo, queria comentar que meus questionamentos serviam ao propósito de estimulá-lo à desenvolver o caráter ético associado à sua ontologia e lógica da liberdade. A questão é fica é: a) se a liberdade está disposta em um continuum, navegável a partir de uma auto-modelagem do nosso próprio comportamento e expansão de seu repertório; b) se todos precisam encarar as conseqüencias de seus atos, quer isso seja filosoficamente merecido ou não; c) se quanto mais livre uma pessoa, mais responsável ela é, portanto mais sujeita a culpa ou mérito (não pode haver responsabilização de culpa e não de mérito) por seus atos; então d) até que ponto, eticamente, poderia se esperar que uma pessoa aja em direção a proporcionar maior liberdade para si mesma? Até que ponto ela é responsável por proporcionar a si mesma maior responsabilidade? Se os pouco livres são pouco responsáveis, estão isentos de serem culpados pela sua pouca liberdade? E até que ponto existiria essa liberdade de auto-reforçamento capaz de proporcionar uma caminhada em direção a uma maior liberdade? E por último, que responsabilidade teriam os mais livres em relação aos menos livres?