quarta-feira, 11 de junho de 2008

Vida e Fogo

Depois que me meti com a organização do ônibus para o Encontro Regional de Estudantes de Psicologia (EREP), jurei que nunca mais iria me envolver com esse tipo de empreitada. Faltei com a palavra comigo mesmo, e de novo estou envolvido até o pescoço com o ônibus para o Nacional (ENEP). E essa tarde, chega meu veterano Chico e diz “cara, precisamos do CPF, número de identidade e conta bancária de dois estudantes pro depósito do dinheiro da SAE. Eu sugiro que esses dois sejam tu e o Marcelo”. No exato momento que ouvi esta frase, congelei. Não por que a tarefa seja tão difícil ou exigente (é só ficar esperando os burocratas do SAE fazerem o depósito), mas me trouxe a consciência das minhas inabilidades quando se trata de bancos.

Sou muito bem capaz de pagar uma conta ou fazer um depósito em qualquer banco, mas tenho horror a este tipo de tarefa. Parece-me tão sem graça e mundano, além de me sugar as forças como um vampiro suga o sangue de sua vítima e a deixa para morrer. Quando preciso cumprir alguma tarefa que envolva um desses estabelecimentos, cumpro-a, mas não sem me queixar como uma criança que não quer tomar vacina. “Preciso fazer isso mesmo, mãe?”

Poderia dizer que sou “desligado” da realidade, mas o que ocorre é o exato oposto – a realidade em que vivo não é aquela cinzenta onde os bancos e o capitalismo selvagem imperam, mas em uma realidade mais sublime, vibrante e numinosa, e nela vivo com toda a força de meu ser. Porém, os bancos e a necessidade de eventualmente lidar com eles existe, inclusive para mim. Mais do que isso, ninguém pode viver só de sonhos, e é preciso trabalhar para não morrer à mingua. O mundo material está para o mundo espiritual assim como a lenha está para a fogueira ou a água para as flores: é essencial para sua existência. Minha personalidade me leva a admirar o brilho do fogo e a sentir seu calor, mas torna-me cego para a necessidade de alimentá-lo de tempos em tempos com madeira. E assim, como de uma hora para outra, sou surpreendido pelo fato das brasas estarem morrendo, e sou obrigado a sair pela gélida noite em busca de mais madeira. Não teria que ser assim. Com certeza, em algum momento eu precisaria buscar mais madeira, mas não por que o fogo está morrendo, mas por precaução. É esta previdência que em grande parte me falta desenvolver.

Ainda assim, não consigo compreender muito bem as pessoas que se dedicam em tempo integral a coisas mundanas, como trabalho ou dinheiro. Como aqueles pais zelosos, que colocam seu filho em aulas de inglês, alemão, canto gregoriano, judô, piano e basquete, sem contar a escola, dizendo que isto é para “garantir seu futuro”. Que futuro? É o propósito de nossas vidas trabalhar e se preocupar, sem esperança alguma de uma vida mais elevada? É a chama apenas um efeito colateral das toras que reunimos? Não consigo acreditar que não, apesar de não poder provar nada.

Da mesma forma que a madeira serve a um propósito maior, também as coisas bobas que fazemos em nosso dia-a-dia servem a missão de aquecer e iluminar, não apenas algumas pessoas, mas toda a humanidade. O fogo não existe sem a lenha, mas a lenha por si só é inútil. Meu problema é justamente o oposto do da maioria das pessoas, pois consigo ver um sentido por trás de tudo. É uma questão mais comportamental do que qualquer outra coisa, pois preciso apenas me habituar a enfrentar filas de banco sem pedir mentalmente por clemência. Não sei se o mundo é determinista, mas posso dizer sem dúvida que ele é homeostático – busca seu próprio equilíbrio – e não vão me faltar oportunidades de desenvolver este meu lado mais sensação, a fim de manter meu lado intuição florescendo. Essa porcaria de dinheiro do SAE é uma delas. Preciso desbloquear minha senha do banco. Ugh.

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