sábado, 31 de maio de 2008

Pontuação

Sou chato com a gramática e suas regras: elas existem para serem seguidas. Pelo menos quando se escreve. Na comunidade virtual, eu seria chamado de Grammar Nazi. Um enrustido, já que me controlo e não saio corrigindo todo tipo de erros que vejo na internet. Primeiro por que essa tarefa é digna de um Hércules da era do computador (e um Hércules baixinho, fraco, fedido que usa óculos e não tem amigos: um nerd quintessencial). Segundo, por que eu mesmo cometo erros gramaticais. São poucos - podem procurar aqui no blog - mas acontecem com alguma freqüência.

Sou bem tolerante com erros. No MSN, relevo erros gritantes, como "procurasse" (ou sua variante ainda mais terrível, "procurace"), "gemio" ou "dezejo". No Orkut, finjo que não vejo. Não tenho em grande conta quem escreva assim sempre. Um deslize que outro é aceitável, mas ter um blog inteiro escrito em "miguxês", ou em português puramente ruim, é algo que não acho digno de ler, quanto mais de criticar.

Mas o que realmente me deixa irritado são erros de pontuação. Sério. Não tem coisa que me deixe mais indignado. Geralmente, quem escreve em miguxês tem péssima noção de como e onde usar vírgulas, pontos de exclamação e interrogação, dois pontos e pontos finais. Sem falar nessas coisas mais complicadas, como travessões ou ponto-e-vírgula. Essa gente é simplesmente idiota, ou se faz de idiota, o que dá no mesmo. Agora, quem erra só a pontuação geralmente possui um cérebro funcional, e poderia aprender a usar essas porcarias. Sério. É deprimente ler um texto que poderia ser bom, mas não é por que o autor esqueceu onde empregar vírgulas.

É. Essa minha última frase prova que eu sou um Grammar Nazi.

Filosofia de boteco

Uma certeza cruel é ainda melhor que uma dúvida insolúvel.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

As Provações da Faculdade XX

Continuo na peleia de fazer o relatório de Processos Grupais. Não me sinto mais intelectualmente desonesto por usar os autores que o professor quer - encaro isso com um treino, que estou exercitando meu intelecto ao utilizá-los como lente teórica para enxergar o mundo. Além do mais, eles não são tão ruins assim. Entretanto, sinto que gasto pólvora em chimango quando cito autores que eu gosto: Maslow e Frankl até o momento, talvez Rogers nesse relatório. Baseado nas teorias destes autores, desenvolvi uma hipótese que considero muito interessante sobre o funcionamento do grupo, e ela tem se sustentado e sido corroborada ao longo das reuniões e relatórios. Sabe o que a monitora que corrige meus relatórios disse sobre essa hipótese? Quase nada. Para não ser injusto e mentiroso, no terceiro relatório, ela me perguntou por que o grupo se comporta desta maneira, mas foi só isso. Aquela história de que somos incentivados a buscar outros autores é pura balela. Continuo usando esses caras para fazer os relatórios, até por que abandonar mnha hipótese central no quarto relatório de um total de cinco seria contraproducente. Mas, sei lá, fico com a impressão de que eu poderia atribuir uma citação existencialista à Skinner, ou o inverso, que nem a monitora, nem o professor notariam problema algum. Isso não chega a ser tão decepcionante, mas é triste pensar que as melhores idéias que tive foram deixadas de lado.

As Provações da Faculdade XIX

Se não fosse a água batendo na bunda e meu inabalável desejo de passar na cadeira de Processos Grupais I ainda neste semestre, eu já estaria na cama.

As Provações da Faculdade XVIII

É transcrever meu relato e pumba na cama.

Layout

Não estou muito satisfeito com o layout do blog. Não sei se isso é coisa do meu PC ou do Blogger em si, mas acho que o espaço de tela está sendo subutilizado, e apesar de estar satisfeito com os serviços prestados por este servidor, estou pensando em mudar para outro por causa dessas questões estéticas. Andei olhando outros blogs por aí, e gostei muito do estilo da Wordpress, que é simples, bonito e funcional. Quanto ao último adjetivo não posso dizer com certeza, mas é o que aparenta o layout. Não sei se o mesmo se aplica para a “administração” do blog, mas, de novo, as inferências a mim possíveis mostram que também nisso a Wordpress é melhor e mais flexível que o Blogger.

Mas, se eu for realmente mudar para a Wordpress, eu vou passar por um bocado de trabalho. Primeiro, por que eu tenho que criar um blog novo. OK, até aí nada de mais, por que qualquer camundongo que saiba pressionar barrinhas consegue fazer isso. Mas eu não iria simplesmente criar um blog novo e afundar o velho com todos os textos que escrevi até agora. Por orgulho, síndrome de esquilo ou desejo de manter meu legado intacto para as gerações futuras, eu me obrigaria a transladar todos os artigos. E isso, meus amigos, daria um trabalho imenso. Quando criei esse blog aqui, selecionei os melhores posts que escrevi para o R&A, copiei e colei para cá, ajustei a data e publiquei. Tudo no braço. Com o perdão da palavra, aquela foi uma transferência de merda por que deu trabalho pra dedéu. Se eu soubesse alguma coisa de programação, seria barbada. Mas acontece que eu não sei nada desse negócio. E até eu aprender, daria para transferir tudo no braço. O que, como já disse, daria trabalho demais pra valer a pena. Eu poderia também simplesmente mudar o layout do Blogger mesmo, mas não me lembro de ter visto nenhum outro tão legal quanto os da Wordpress. Faz tempo, admito, desde a última vez que dei uma olhada nos skins de página do Blogger; eles podem ter colocado alguns novos, ou talvez eu goste de um que não tinha nem sequer dado atenção no passado.

Vou ponderando a respeito enquanto isso. Como o pessoal que lê esse trumbisco começou a comentar um pouquinho, vou me atrever a pedir uns conselhos a respeito dessa idéia minha. Como exemplos de blogs na Wordpress, tem o do Marcelo, o Transmitindo Pensamentos, o Cognitive Therapy Today e o Generacion Y. Do Blogger, tem o Amoladores de Facas, o Vanguarda Filosófica, o Blog do Alon e o próprio Roqueiro & Alcoólatra. Tem outros por aí, mas não conheço tantos blogs assim para ficar colocando todos os exemplos. Em todo caso, eles sempre seguem um “esquemão” básico, igual para todos os blogs do servidor. Baseado nesses links (e em qualquer outra coisa que lhes der na telha) me dêem um conselho legal. Ou não. Não sou mais tão neurótico por causa de blogs como antigamente.

As Provações da Faculdade XVII

Depois de breves e felizes momentos de elevação, volto a pousar meus pés sobre a terra, e ponho-me novamente a escrever os difamados relatórios de Processos Grupais I.

Minha Individuação

Escrevi o post anterior baseado em uma intuição que tive. Como toda intuição, ela é extremamente íntima, e está profundamente ligada à meu ser e minha existência, e sentir ser tão importante escrever sobre ela que deixei de lado até mesmo os trabalhos mais urgentes para a faculdade. Há algum tempo, venho tendo algo que poderia chamar de “visão”. Nela, vejo a mim mesmo escalando um paredão de pedra, pendurado apenas por um braço, parado. Não fazia movimento algum em direção ao topo, apesar de olhar fixamente para o alto. Contudo, recentemente vi o que seria a continuação desta visão, e nela, encontro-me no alto de uma montanha rochosa, olhando para baixo, empunhando uma espada.

Não faz muito tempo, sonhei que o destino do mundo pesava sobre meus ombros, e que precisava sair em jornada para cumprir com minha missão imediatamente, mas protelava minha saída, pois havia uma pessoa a quem desejava beijar uma última vez. As lembranças deste sonho agora estão confusos, e lembro-me apenas de sua mensagem global, tendo os detalhes desaparecido quase que por completo. Porém, de todas as interpretações que posso fazer a respeito desta pessoa de quem desejo despedir-me, seja ela real ou uma alegoria para minha vida atual, o significado do sonho é claro: preciso iniciar a jornada de minha vida. Sinto este chamado já faz algum tempo, mas hoje esta mensagem tornou-se tão clara que ainda agora sinto meu corpo tremer. É hora. Como meu primeiro passo nesta senda, procurarei terapia, de linha Analítica ou Existencial. Tenho estas duas linhas em mente por acreditar que, devido à seu enfoque no desenvolvimento humano superior, possa me beneficiar mais de sua ajuda. O resto do caminho ainda está por decidir.

O Desenvolvimento Humano Superior

Na imaginação popular, o psicólogo é aquele profissional para quem se encaminham os loucos – pessoas desequilibradas em geral – para que ele dê um jeito neles e os faça “normais” novamente. Apesar de historicamente esta função pertencer mais aos psiquiatras do que aos psicólogos, não deixa de ser verdadeiro que, na grande maioria dos casos, as pessoas procuram psicoterapia para se curarem. As Terapias Cognitivo-Comportamentais são consideradas o padrão ouro de terapia justamente por serem as mais eficazes em modificar comportamentos, explícitos ou encobertos, disfuncionais e indesejáveis, e quase todas as técnicas em desenvolvimento tem isto por objetivo. Entretanto, apesar de em muitos casos ser necessário mudar atitudes nocivas, frequentemente esquecemos que este tipo de cura é apenas uma fração da missão da Psicologia, da Psiquiatria, da Filosofia e até mesmo das demais Ciências Humanas e Sociais.

Todos os teóricos da saúde mental que foram capazes de perceber isto compreenderam que a vida do homem (1) é mais do que um processo homeostático, de meramente retornar à um estado saudável depois de uma doença e assim permanecer até a próxima enfermidade, ou de um eterno adaptar-se as condições ambientais. De fato, como puderam constatar, há uma busca por algo além da não-doença, uma busca pela saúde verdadeira. O psicólogo que melhor definiu isto foi Abraham Maslow, com sua Hierarquia de Necessidades. Segundo ele, existem dois tipos distintos de necessidades: as necessidades de deficiência, e as necessidades de crescimento. As necessidades de deficiência são fisiológicas, como fome e sede; de segurança, como precisar de uma casa ou um bom emprego; de amor, como relacionamentos amorosos estáveis; e de estima, ou o reconhecimento de nossas habilidades, pelos outros e por nós mesmos. Este tipo de necessidade caracteriza-se por causar desconforto em nós quando não são supridas, levando-nos a agir de maneira tal que as satisfaçamos, diminuamos a sensação desconfortável e voltemos a um estado psicofísico ótimo. Quando temos fome, procuramos comida, comemos e nos saciamos. O melhor exemplo disto são os fumantes (2), que relatam sentir grande alívio quando fumam depois de um longo tempo em abstinência (3). No outro lado da moeda, as necessidades de crescimento ou de auto-atualização são bem diversas. Primeiro, para que possamos sentir este tipo de necessidade, precisamos que todas as outras necessidades de deficiência estejam pelo menos parcialmente satisfeitas (4). Segundo, elas não podem nunca ser saciadas. Quanto leio e aprendo sobre Psicologia, mais desejo ler e aprender. O céu é o limite. Terceiro, estas necessidades são tão únicas e diversas quanto existem pessoas no mundo. Os alpinistas são o melhor exemplo desta tendência auto-atualizante (5), pois escalam as montanhas por que “elas estão lá”, apesar de serem compreendidos apenas por aqueles que padecem desta mesma necessidade de ir sempre para o alto e avante.

Além disso, se não satisfeitas, o desconforto que estas necessidades nos causam é muito diferente. É extremamente sutil, se comparado com o sono ou a libido, porém é mais profundo e doloroso: é saber que não somos o que deveríamos ser. A este conjunto de sentimentos, Maslow chamou de metapatologias, doenças além das doenças ordinárias, mas já fora chamado pelos teólogos de acídia, e pelos filósofos de vazio existencial. Ao contrário de Maslow, porém, tanto os teólogos quanto os filósofos classificaram este estado não só como doentio, mas como um crime contra si mesmo, e em última análise, contra toda a humanidade.

Quando procuramos um psicoterapeuta para tratarmos de algum transtorno de comportamento que exibimos, buscamos suprir uma necessidade de deficiência, pois sentimos um desconforto e buscamos aliviá-lo. Porém, tanto os leigos quanto muitos iniciados (6) em Psicologia esquecem que as necessidades de deficiência não são o motor de nossa vida, e que mesmo as doenças mais severas estão subordinadas à nossa busca pelas necessidades de crescimento.

Muitos pesquisadores em seus artigos e livros tratam do desenvolvimento humano, mas o maior esforço neste campo volta-se para o desenvolvimento infantil, como o fazem Piaget e Freud. Apesar de considerar esta etapa do crescimento importante, não me interesso muito por ela. Afinal de contas, todos os adultos já foram crianças um dia, e passaram pelos mesmos processos. Mas não são todos os adultos que atingem níveis superiores de crescimento, apesar de todos sermos programados e preparados para isto. Piaget postula em sua Teoria do Desenvolvimento Cognitivo quatro estágios: Sensório-Motor; Pré-Operatório; Operatório Concreto e Operatório Formal. Cada etapa ocorre em algumas idades médias (7), e nelas se adquirem habilidades condizentes. No estágio Operatório Formal, que começa por volta dos 12 anos de idade, adquire-se a capacidade de pensamento lógico abstrato, independente de objetos concretos, e sua evolução ocorre ao longo da adolescência e da idade adulta. Entretanto, apenas metade da população atinge este estágio. Mais do que isso, é razoável supor que em algum momento esta habilidade chegue a um nível máximo, em que não há mais possibilidade de progresso. Mas seria razoável acreditar que o estágio Operatório Formal é o último a ser alcançado? Não, tanto que mesmo alguns alunos de Piaget formularam hipóteses sobre estágios de desenvolvimento e habilidades cognitivas da fase adulta em diante, apesar de não terem chegado a nenhuma idéia nova ou consenso.

Outros teóricos abordaram a dinâmica do progresso pessoal em idades mais avançadas, como a teoria da moral de Kohlberg, e a teoria psicossocial de Erikson, que vai até a chamada terceira idade. Apesar de contribuírem enormemente para a compreensão destas fases, falta algo nestas abordagens. Curiosamente, tanto Kohlberg quanto Erikson especularam também sobre a possibilidade de adicionarem mais um estágio cada à suas teorias. Pessoalmente, acho que o que falta nas duas é abordar o desenvolvimento de seres humanos que excedem em larga margem os limites médios de desenvolvimento pessoal. Em outras palavras, falta estudar o desenvolvimento de pessoas extraordinárias. Apesar de ter sido aparentemente esquecida em tempos recentes, esta área chama a atenção de estudiosos desde tempos muitos antigos. Todas as religiões do mundo têm um modelo de ser humano ideal. Destes, o modelo budista descrito na obra clássica Abhidhamma, o Arahat, é o mais amplamente formulado, sendo sua influência sentida até hoje.

Dos teóricos mais recentes, vários se propuseram a estudar o comportamento e evolução humanos em seus aspectos mais nobres (pelo menos em minha modesta opinião), e focaram-se nas etapas mais avançadas do crescimento. Entre estes autores, cito Rogers, Adler, o próprio Maslow e Jung. Provavelmente há outros, que tenham talvez ido além destes que enumero, mas falo do que conheço. Porém, deste pouco que conheço, quero fazer algumas colocações. Todos estes autores postularam a existência de um processo único a cada ser humano de ir de um nível inferior de complexidade para outro superior, de aprimoramento pessoal e elevação. Adler chamou este processo de luta pela superioridade, Rogers de auto-realização, Maslow de auto-atualização e Jung de individuação (8). Tanto Adler quanto Rogers afirmam que há uma força presente em todos os seres vivos, que os impulsiona para um eterno crescer e tornar-se mais forte. Jung e Maslow, no entanto, em suas teorias afirmam que esta força, apesar de realmente presente em todos os seres humanos, manifesta seu pleno poder em apenas alguns poucos, e que o processo pelo qual ela aparece pode ser comparado com a iluminação espiritual que a maioria das religiões busca.

Apesar dos diferentes nomes e das variações descritivas, todos abordam um mesmo processo, onde um ser humano paulatinamente sai de um nível de consciência limitado, expande-a, torna-se menos centrado em si e mais voltado para o seu ambiente, mais equilibrado, sincero, verdadeiro, criativo e funcional, abandonando pouco a pouco apegos antigos e desnecessários, e tornando-se um indivíduo pleno, único e indivisível, ao mesmo tempo em que uno com o universo. Pessoalmente, acredito que tamanha convergência teórica é prova de que há algo além do estágio que a grande maioria das pessoas se encontra atualmente. Pelas minhas poucas leituras, posso dizer que Maslow e Jung são os que melhor descrevem este processo: o primeiro define os traços de personalidade de um ser individuante, enquanto que o segundo explica o processo em si (9). Em um post futuro, pretendo falar mais a respeito de como as teorias dos dois abordam este assunto e se complementam.

Antes de terminar este texto, gostaria de falar por que acho tão importante estudar o Desenvolvimento Humano Superior. Por muito tempo, a Psicologia ocidental acadêmica buscou compreender o ser humano estudando apenas pessoas doentes, no máximo medianas. Esta postura, apesar de ter permitido grandes progressos na área da psicopatologia e através dela termos conseguido até mesmo curar certos transtornos, é nociva para a humanidade ao longo prazo, por evidenciar o que há de pior em nós como sendo nossa essência mais profunda, e não apenas uma parte dela. Isto desencorajou muitas pessoas de seguirem um caminho mais elevado, simplesmente por fazê-las acreditar que somos intrinsecamente maldosos e cruéis, e que não importa o que façamos, não mudaremos isto, pois mesmo nossos sentimentos mais positivos não passam de mera sublimação de nossa podridão interna. Isto não pode ser verdade. Baseado em tudo que vivi até agora, digo que podemos ser o que quisermos ser, mesmo que dentro de nossos limites. O ambiente nos põe à prova, e nós precisamos responder à altura, e decidir se sucumbiremos ante o que há de pior em nós, ou se buscaremos o bem maior. Moralmente, podemos ser tanto doentes quanto saudáveis, e em grande parte, esta decisão cabe exclusivamente a nós próprios. Entretanto, podemos ajudar os demais a escolher o bem e a virtude, compreendendo, explicando e até mesmo controlando (10) melhor como fazemos para crescer e nos desenvolver nesta direção. Esta é a missão da Psicologia, e minha própria.







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1. Perdoem o machismo, mas neste caso, não acho que um termo assexuado teria sonoridade tão boa quanto “homem”.

2. Maslow não inclui vícios em sua hierarquia, justamente por serem negativos e trazerem prejuízos ao adito. Entretanto, acredito que podemos colocar a adição no nível fisiológico das necessidades, por isso sua grande influência no comportamento humano.

3. Para uma melhor e mais detalhada explicação de como o vício em nicotina age no corpo, leia este artigo. Não é a visão dominante em ciência atualmente, mas é uma teoria promissora.

4. Considero este ponto um tanto quanto controverso, já que muitos prisioneiros de campos de concentração e outros em situações-limite manifestaram tendências auto-atualizantes durante seu período de cárcere.

5. Devo admitir que isto é apenas uma metáfora, já que muitos alpinistas podem ser bem desequilibrados mentalmente, e escalar montanhas por necessidades inferiores.

6. Por iniciados, quero dizer pessoas que entendem mais do assunto, como psicólogos, psiquiatras e demais especialistas em comportamento humano, como neurocientistas e romancistas, e não pessoas que se crêem superiores por terem estudado algo que disseram ser segredo.

7. As etapas e as idades não necessariamente coincidem, pois cada criança desenvolve-se em seu próprio tempo.

8. Já falei do processo de individuação anteriormente, mas de forma breve e superficial, já que o assunto do texto era outro. Clique aqui para ler mais.

9. A Psicologia Positiva fez uma grande contribuição para este campo de pesquisa com a publicação do livro “Character Strengths and Virtues: A Handbook and Classification”, que foi escrito para ser como uma tabela periódica das virtudes e forças pessoais, ou um DSM da saúde mental.

10. Por “controle”, quero dizer manipular o ambiente de forma tal que torne-se mais propício para o processo de individuação. Como Skinner, uso este termo por seu significado ser preciso e direto. O controle pode se dar de várias maneiras, inclusive falando diretamente com a pessoa envolvida. Forçar alguém a individuar-se seria não só contraproducente como contraditório, pois cada pessoa cresce em seu próprio tempo e em sua própria maneira. Ir contra este tempo e esta maneira seria ir contra a própria individuação.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

As Provações da Faculdade XVI

Pois é. Tecnologia é uma coisa maravilhosa, mas quando dá pra te ferrar, te ferra com jeito. Fui hoje até o Centro de Porto Alegre, entrevistar uma psicóloga do Instituto de Delphos de Psicologia Humanista, para o trabalho de conclusão da cadeira de... bem, Psicologia Humanista! Eu sabia da importância de gravar o que era dito, por que depois eu não lembraria de quase nada, e que escrever tudo não funciona lá muito bem (5 reuniões observando Nar-Anon e tentando fazer isso me mostraram isso). Por isso, fui especialmente até o Zaffari da Lima e Silva para comprar pilhas para meu superultrahipermega MP3 Pen Drive Gravador, e testei se ele funcionava, na fila do RU. Tudo perfeito, lá fui eu pegar o São Manoel. Não, não tenho taras por estátuas de santos de igreja, é uma linha de ônibus que vai até o Mercado Público, que fica perto da Delphos.

A entrevista foi ótima, a pessoa que entrevistei foi muito simpática, havia empatia em nossa relação. Mas depois da terceira pergunta, percebi que o gravador não estava ligado. Ótimo. Fiquei atucanado com isso pelo resto da entrevista, achando que ainda não estava gravando. Quando cheguei em casa e fui ouvir o arquivo de som, não estava lá. Maravilhoso. Admito que isso deve ter sido por causa da minha imperícia no manuseio dessa porcaria, mas é bem frustrante ter que refazer as perguntas para fazer meu trabalho. E se digo que vou ter que refazer as perguntas ao invés da entrevista, é por que sei que essa entrevista de hoje está perdida para todo o sempre. Paciência.

Não que eu não tenha mais nada para fazer: preciso escrever três relatórios do Seminário de Pesquisa em Psicologia, o quarto relatório para a cadeira de Processos Grupais, o esboço do trabalho final sobre Psicologia Analítica de Psicopatologia I, fazer a prova e o trabalho final de Teorias da Personalidade. Imaginem a carga de leituras que fazer tudo isso traz de arrasto. Aguardem para esta madrugada mais alguns posts da série “As Provações da Faculdade”.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

A Decepcionante Política

Esta é uma época politicamente efervescente na UFRGS. Universidades públicas, federais em particular, têm por característica mais marcante sua intensa movimentação política, já que os destinos da instituição estão mais ligados ao governo e seus membros do que as instituições particulares, mas este ano tem sido mais movimentado do que o anterior. Primeiro por que esta semana está se realizando o plebiscito sobre o REUNI na UFRGS, organizado pelo pessoal do DCE, dentro em breve acontecerá a eleição para a reitoria, e no segundo semestre, teremos a tradicional eleição para o DCE, e todos os outros cargos que vão de arrasto.

Confesso que, apesar do meu interesse em política, sinto-me bastante desmotivado este ano, apesar de toda essa algazarra. Nos meus tempos de bixo, que acabaram a não faz tanto tempo assim, eu tinha mais esperança de ver as coisas darem certo se as pessoas se mobilizassem. Além disso, tudo aqui na Federal era novo para mim, tinha um sabor de descoberta, então me envolvia tanto quanto podia e achava seguro nas pendengas políticas. Às vezes, comparo minha estadia aqui na UFRGS com os livros do Harry Potter, pois cada semestre conheço faces novas desta universidade. O primeiro semestre fora meu livro de estréia, “Andarilho e o Instituto de Psicologia” e consistiu nas minhas proezas como novato aqui pelo Campus Saúde e no Centro; o segundo continuara minha saga, “Andarilho e a Política Universitária”, e conta minhas andanças pelo Campus do Vale e meu interesse e envolvimento nas eleições para o DCE. Não consigo definir um título para este terceiro semestre, pelo menos não ainda. Sei, contudo, que o seu livro falará das minhas descobertas no infame mundo da pesquisa e do Reino CAPES. Política? Só de leve, por que não dá para evitar receber panfletos bobocas na saída do RU.

O movimento estudantil é um movimento prioritariamente político, em seu sentido mais usado – lida com o presidente da república, o governador do estado, o prefeito municipal e as leis e políticas que eles inventam. A Educação aparece, sim, mas só como bandeira oportunista, pois como meu colega de apartamento já me dissera, eles nunca fazem campanhas por bibliotecas maiores e melhor equipadas, ou por ensino de excelente qualidade. No máximo, colocam alguma coisa a respeito nos seus panfletos e cartazes.

Como falei no primeiro parágrafo, o Diretório Central dos Estudantes (DCE) está organizando esta semana um plebiscito para conhecer a opinião dos estudantes da UFRGS sobre o Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI). Mas esperto que sou, já sei o resultado. Não que precise ser um rocket scientist para saber isto, basta saber ler e interpretar textos adequadamente. Certo dia, ao ir almoçar no RU, foi me entregue um panfleto escrito no cabeçalho “Plebiscito Nacional sobre o REUNI – diga NÃO!”. Considero perfeitamente aceitável que se faça propaganda política antes de uma votação importante como esta, dita nacional, mas não vi ninguém por aí distribuindo panfletos dizendo “SIM ao REUNI!”. Gozado isso. E lendo meio por cima o tal do panfleto dá para ver seu conteúdo. O texto é dividido nos seguintes três subtítulos:

1 – Você concorda com o decreto REUNI do governo Lula, que praticamente dobra o número de alunos por professor e institui os cursos tecnólogos?

2 – Você concorda com uma eleição para reitor em que os professores têm 70% do peso dos votos, os estudantes têm 15% e os técnicos administrativos 15%?


3 – Você é a favor que se mantenham ligadas às universidades as fundações de apoio, que facilitam o desvio de dinheiro público para fins privados?

No final da folha, está escrito em letras garrafais “VAMOS DIZER NÃO AO REUNI!”

Não consegui entender como a segunda e a terceira questões estão ligadas ao REUNI, mas pensei que o panfleto não estava escrito assim, com subtítulos em forma de questão por nada. Intui que estas perguntas estariam na cédula de votação do tal plebiscito, mas achei que isto seria absurdo demais. Seria melhor colocar algo como “Sim, sou contra o REUNI” e “Não, não sou a favor do REUNI”. Logo depois de receber o tal panfleto, conversei com uma veterana minha que confirmou minhas expectativas. Os organizadores do plebiscito compareceram a uma reunião do DAP (Diretório Acadêmico de Psicologia) para pedir nosso apoio para sua causa, que é dizer não ao REUNI de qualquer jeito, e que provavelmente as perguntas do panfleto seriam as mesmas na cédula.

Muitas vezes já ouvi que os jovens, os estudantes têm direito à voz, de dizer o que pensam e que os governantes devem ouvi-los, mas certamente o máximo de atenção que daria como presidente ou reitor para um plebiscito desses seria para dizer que ele é altamente enviesado e inválido. E o pior é que é inválido de propósito. A atitude do DCE me parece muito com daquelas crianças pequenas que querem ganhar tudo no berro, que se fossem capazes de articular frases coerentes diriam em sua defesa “como eu gritei bem alto, eu estou certa, então ME DÁ O DOCE!”. Mais do que isso, é uma atitude autocrática e manipuladora, pois tem por objetivo levar milhares de estudantes pelo cabresto para dizer não ao REUNI, sem ao menos dar-lhes a chance de decidir por conta própria os méritos e deméritos deste projeto.

Esta atitude manifesta-se não só no tal do plebiscito, mas nos comportamentos de seus campeões também. Um dia desses, estava eu assistindo uma aula de Processos Grupais I bem interessante (o que é raro), quando me lembrei de que queria procurar mais tarde um artigo no portal de periódicos da CAPES, e que precisava de um livro para encontrá-lo. Saí da sala e fui até em casa pegar o tal do livro (moro a uma quadra de distância do Instituto de Psicologia). Quando voltei, um grupo relativamente grande de pessoas carregando bandeiras da CONLUTE e com adesivos “REUNI NÃO!” estavam paradas na frente da porta da sala em que estava tendo aula. Em volta de cinco minutos depois de ter entrado, eles batem à porta e pedem se podem entrar para falar do plebiscito. O professor faz uma cara meio estranha e faz um sinal dando a entender que a decisão era nossa, dos estudantes. Algumas pessoas se manifestaram, e falaram “não”, e acredito que o sentimento da turma fosse que não queríamos ouvir nada a respeito, pelo menos não durante aquela aula específica. Ainda assim, o cara que bateu na porta entrou na sala mesmo assim para falar do tal plebiscito, e seus companheiros para entregar mais panfletos (fiz um aviãozinho bem bonito com o meu). Indignado com essa falta de respeito, um colega meu exclamou que tínhamos dito que não, e perguntou por que ele entrara mesmo assim. “Ah, é que o ‘não’ tava meio tímido, e vai que tem um ‘sim’ escondido?” foi a resposta que ouvimos. Então, ele perguntou qual nosso curso, e quando constatou que éramos da área da saúde, começou a falar de um curso de tecnólogo que estava por abrir na UFRGS, “Administração de Redes de Saúde Pública” ou algo assim. Ele não falou muita coisa, pois já tínhamos sido desrespeitados o suficiente por aquela aula, e meu colega novamente os mandou irem embora (educadamente, apesar de um “SE TOQUEM DAQUI AGORA!” ser apropriado para a ocasião).

Acho que esta atitude por parte deste cidadão deixa claro que eles não se importam com nossa opinião, com nossos desejos ou inclinações políticas – a gente só tem que ouvir e fazer o que eles nos dizem. E se há algo neste mundo que me deixa indignado é esse tipo de comportamento. Por que tenho que aceitar passivamente como verdadeiro o que eles, ou qualquer outra pessoa, sobre qualquer outro assunto, nos dizem? Acho vergonhoso e preocupante ver que as pessoas por trás de um plebiscito dito democrático tenham atitudes tão autoritárias.

A eleição para reitoria é outra apurrinhação. Se tivesse acontecido ano passado eu teria ficado bem empolgado, mas esse ano, toda vez que eu vejo os montes de cartazes colados por aí, só consigo pensar quem é que vai limpar essa sujeira quando a brincadeira acabar. Só posso dizer com certeza que não vai ser nem o reitor eleito, nem os outros candidatos. São quatro chapas concorrendo este ano, mas estou por fora das propostas de todas. Sei que um candidato à vice-reitor parece o Olívio nos tempos áureos de seu bigode e tem um nome esquisito, e que um dos candidatos à reitor, o Schmidtão, foi um figurão da ADUFRGS (Associação Docente da UFRGS), que conseguiu comprar um apartamento em Paris com salário de professor, e que, pra tirar uma graninha em cima disso, publicou no boletim da referida instituição que o tal apartamento estava disponível para aluguel. No mais, apesar de poder votar, não estou muito interessado: tenho trabalhos por fazer e textos por ler, e se envolvimento político é algo secundário em minha vida, a eleição para a reitoria é terciário. O panfleto contra o REUNI não diz só abobrinhas, por que os professores de fato detêm 70% do peso dos votos na eleição para reitor, ficando os 30% divididos entre estudantes e funcionários administrativos. Não vou gastar pólvora em chimango, ir até a urna mais próxima, preencher a cédula e votar na chapa “Kiko e Seu Madruga: pela união da vizinhança”, pois eu sei que não vai mudar nada. Estou ciente de que esta é uma atitude omissa, e que tudo que o mal precisa para triunfar é que os homens bons não façam nada (Alucard, 1997). Mas não vejo como os estudantes poderiam virar a mesa nesse tipo de eleição. Votando em massa em um candidato que vá instituir a paridade 33/33/33? Duvido que o melhor estrategista de campanha seja capaz de fazer todos os estudantes da UFRGS votarem, quanto mais votarem no mesmo candidato. Fazer um voto simbólico, um ato de vontade contra a injustiça do mundo? Isso é mais a minha cara, mas dadas as circunstâncias, prefiro ser pragmático e deixar a poesia para quando eu puder.

E, por fim, as eleições para o DCE. Acho que já mostrei como a atual gestão trabalha, seus altos ideais de liberdade e democracia, mas seria injusto se não fizesse o mesmo com as outras facções estudantis dentro da UFRGS que não ganharam o primeiro prêmio da eleição DCE 2007. Faltam alguns meses para a próxima eleição, mas não vai ser muito diferente do que já vi ano passado, considerando que serão as mesmas pessoas a participarem do jogo eleitoral.

Quando se fala de política estudantil, pode-se agrupar as facções em dois grandes grupos: esquerda e direita. Alguns cursos são tradicionalmente de esquerda, como História, Ciências Sociais e Comunicação, outros de direita, como Medicina, Engenharias e Direito. Isso pode parecer uma generalização um tanto grosseira, e de fato o é, exceto em dois casos, Medicina e Comunicação. Explicarei mais adiante por que. Podemos continuar dividindo a esquerda de acordo com seus matizes de esquerdismo – esquerda moderados, esquerda radicais e esquerda Heloísa Helena. Na última eleição, havia uma chapa para cada um desses matizes:

- A Chapa 1, “Todos Iguais, Braços Dados ou Não” (1), da atual gestão que na época buscava a reeleição, é financiada pelo P-Sol.
- A Chapa 2, “Quem vem com tudo não cansa” (2), era financiada pela União Juventude Socialista, movimento Jovem do PC do B.
- A Chapa 4, “Roda Viva” (3), não era financiada por nenhum partido que eu saiba, mas vários de seus membros participam da Kizomba, movimento jovem dentro do PT (e campo fértil para malas sem alça).

E essas facções ficam se bicando durante as eleições, tentando roubar voto umas das outras e acabam se enfraquecendo. Isso não acontece com a direita, pois por mais subdivisões que possam ter (neonazistas, liberais, democratas, membros da Igreja Universal, lenhadores, ursos...) eles geralmente sabem que a união faz a força, e unem-se em volta de uma só chapa, e ficam pegando votos enquanto a esquerda está distraída tentando se destruir. Foi isso que aconteceu ano passado. A chapa 3, DCE Livre (4), do Movimento Estudantil Liberdade (MEL), dizia que não era bancada por partido algum, mas seus membros tinham sido, até antes das inscrições de chapas para concorrer, membros do Democratas, antigo PFL. Além disso, alguns de seus membros estavam (pelo menos na época) sendo processados racismo e apologia ao nazismo. Uma chapa bem diversificada, no mínimo.

A bandeira mais hasteada e balançada ano passado foram as ações afirmativas, e de especial maneira, as cotas raciais e sociais. Segundo decreto federal, todas as universidades federais eram obrigadas a desenvolver um projeto de ações afirmativas por conta própria e implementá-lo, caso contrário o governo empurraria um projeto goela abaixo da universidade. Ano passado acabava esse prazo para a UFRGS, e o projeto e sua implantação estavam sendo discutidos, com muita polêmica. As cotas raciais até hoje geram controvérsia (5), mas na época aquilo tudo estava muito fresco e recente. O CONSUN teve que fazer duas reuniões para decidir se as cotas seriam aprovadas ou não, pois na primeira algumas pessoas assistindo começaram a fazer tumulto e a sessão teve que ser interrompida.

Não sei como foi a “entrada” das cotas em universidades de outros estados, mas aqui no sul, uma região tradicionalmente racista, elas não iriam entrar sem uma boa briga. Em outubro, época da campanha, elas já tinham sido aprovadas pelo CONSUN, mas a chapa 3 não esmoreceu, e prometia entrar na justiça para proibi-las. As outras três chapas a acusavam de racista, preconceituosa e nazista (eu mesmo fui em sala de aula alheia pedir para que não votassem nela[6]) mas isso não a enfraquecia. Pelo contrário: fazia marketing para ela. O fato é que, as três chapas de esquerda eram todas iguais, divergindo só em algumas coisas . A chapa 1 era de longe a mais forte das três, mas ela perdia muitos votos preciosos para a 2 e a 4. Entretanto, com a chapa 3 a coisa era diferente. Ela tinha um diferencial, que era ser contra as cotas de todo o coração. Muita gente, na UFRGS e no estado inteiro, sentiu-se indignada com esse sistema de dar barbada para alguns poucos entrarem na Federal, a mais tradicional e bem conceituada universidade do estado, e o MEL soube bem capitalizar os votos destas pessoas.

A campanha, apesar de ter quatro concorrentes, ficou polarizada entre a chapa 1 e a chapa 3: quem era a favor das cotas contra quem era contra as cotas. E nesta briga, a baixaria foi generalizada. Tanto uma quanto a outra colecionava print screens das discussões do Orkut onde alguém falava algo que não devia: afirmações racistas, ditatoriais, que pegavam mal de algum jeito. Toda semana eu ouvia alguém de alguma dessas duas chapas dizer que “agora nós temos isso aqui em mãos, eles estão ferrados, por que vai queimar muito o filme deles”. Se lembro bem, esses print screens eram bobagem pura, mas falavam como se fosse o Dossiê Pelicano da chapa adversária. As discussões, especialmente na comunidade da UFRGS no Orkut, a troca de ofensas era a moeda de troca. O dia da votação foi especial, pois tanto a chapa 1 quanto a 3 tentou impugnar alguma urna onde sabia que iria perder. As urnas da Medicina e da FABICO (Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação), como disse antes, foram as mais estereotipadas: a primeira continha votos quase que exclusivamente para o MEL, enquanto que a segunda quase só para a “Todos Iguais, Braços Dados ou Não”. No fim, o MEL perdeu as eleições, mas a vitória da chapa 1 não foi completa.

Historicamente, os estudantes universitários e a academia como um todo têm uma tendência à esquerda muito forte, tanto que eu posso ser considerado um reacionário fascista por causa de minhas idéias (aliás, já fui chamado assim, duas vezes por duas pessoas diferentes). Mas por causa das atitudes politiqueiras das gestões do DCE (7) e dessa mania da esquerda ficar fazendo fogo amigo, muitos estudantes começaram a cansar dos amigos do Che Guevara, e começaram a votar na única chapa diferente – a da direita. A chapa DCE Livre não fizera sua estréia em 2007, mas já em 2006 (e talvez até antes) o MEL concorrera para o DCE, e apesar de ter perdido as duas eleições, seu número de votos, tanto relativo quanto absoluto, cresceu, ao passo que os votos para todas as outras chapas de esquerda diminuíram nos dois quesitos. Além disso, com sua expressiva votação, a chapa 3 conseguiu emplacar membros no Conselho Universitário (CONSUN), o órgão deliberativo máximo dentro da UFRGS. Se a coisa continuar assim, eles ainda vão ganhar a eleição para o DCE. Talvez não esse ano, mas no próximo é bastante provável.

Além de todas essas coisas que me fazem desgostoso do mundo da política, há algo mais que me faz voltar meus interesses para os estudos e para os treinos. Sinto, perto de pessoas muito envolvidas com política, como os coordenadores e secretários do DCE, que militam ativamente para algum partido, um ar de falsidade. Não os estou chamando de mentirosos, mas o que quero dizer é que, por trás de todo o barulho e impacto que fazem por suas causas políticas não encontro nenhuma substância moral que sustente tudo, e ao sinal da primeira dificuldade (ou facilidade), eles irão para o outro lado do front. Eles são existencialmente desonestos, e enganam a si mesmos. Não duvido que eles realmente acreditem no que dizem, mas tenho dúvidas se a crença deles é tão sólida quanto vendem. Hoje eles estão no PSTU, mas no futuro não estranharia de vê-los no PP, fazendo tudo aquilo que abominavam quando jovens. Não quero isso para mim. Dê-me livros e Wushu.






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1. Nome de chapa pra DCE geralmente é ridículo assim mesmo.

2. Viu? Falei que era tudo ridículo.

3. Quase se salva esse nome. Quase.

4. Nome ridículo também, mas pelo menos faz sentido.

5. Eu próprio não tenho bem certeza se sou a favor ou contra as cotas, apesar de ter bixos cotistas e achá-los admiráveis pelas pessoas que são.

6. Ah, a contradição: não gosto que me digam o que fazer, mas digo aos outros o que eles devem fazer!

7. Durante a votação, um dos integrantes da chapa 1 não nos permitiu abrir nossa urna na Psicologia enquanto tivessem estudantes de Medicina por perto para votar.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Cuba e minha posição política

Todo bom acadêmico esquerdista brasileiro adora falar bem de Cuba e de Fidel Castro. Não tenho nada contra isto, mas considerando que este tipo de acadêmico é maioria nas universidades públicas, e que frequentemente eles tentam calar vozes dissidentes, sinto-me um pouco indignado quando eles começam a falar de Cuba.

Pode ser impressão minha, mas parece que, para estas pessoas Cuba é o paraíso na terra: elogiam o sistema de saúde, o governo socialista, o sistema de educação, a distribuição de renda. Estes são realmente os pontos fortes do governo cubano. Mas não sei se não são os únicos.

E meus amigos esquerdistas frequentemente esquecem de mencionar que o governo cubano é uma ditadura há quase 50 anos, desde que Fidel Castro e seus compadres tomaram o poder, que pouquíssimos cubanos podem sair do país livremente e que inúmeras balsas abarrotadas de fugitivos saem clandestinamente em direção aos EUA, el gran satan. Já ouvi muitas racionalizações sobre os dois primeiros pontos, mas sobre os fugitivos ninguém que defenda Fidelzito consegue me explicar. Francamente, acho estranho que haja mais pessoas estrangeiras à Cuba defendendo o regime cubano do que cubanos. Ou o mundo sofre de esquizofrenia, ou Cuba não é esse paraíso que tentam me vender.

Quando falo em “esquerda”, “esquerdistas” e termos afins, dou a entender que não sou de esquerda, mas não sou capaz de definir exatamente o que sou. Já me chamaram de “reacionário”, que vem a ser o supra-sumo do direitismo. Mas considerando que todas as vezes que me chamaram assim vieram de arrasto alguns palavrões e ofensas diretas (“arrogante” por exemplo, além de outros que prefiro não mencionar), não dá pra considerar estas definições sobre minhas opiniões políticas como sendo válidas, pois partiram de pessoas raivosas, mais preocupadas em me atingir do que debater.

Certamente, não sou de esquerda. Não acho que eu preencha o quesito número 1 para ser assim definido – não sou acéfalo. Também não acho que eu seja um direitista – por que eu tenho coração. Deleuze disse uma vez que direitista é todo aquele que pensa primeiro em si, na indústria, no governo e depois nos outros, e que esquerdista é quem pensa primeiro nos outros. Nunca levei Deleuze a sério, mas esta afirmação dele é a mais tendenciosa que poderia existir. Se ele não fosse um cara com mestrado, doutorado e não sei mais o quê, se ele fosse uma pessoa sem muita educação ele teria dito “a esquerda é do bem e a direita do mal. Quem não for de esquerda é do mal.” OK, posso estar interpretando erroneamente esta afirmação dele, e que na verdade ele estava tentando definir esquerda-direita pela bondade, e não tentando dicotomizar a política entre certo e errado, mas como já disse, Deleuze falou pouca coisa que presta (e só não digo que não falou nada que presta por que é estatisticamente provável que ele já tenha dito algo útil).

Não acho que não existam diferenças ideológicas e políticas entre esquerda direita, mas acredito que, num panorama mais amplo, estas diferenças tornam-se irrelevantes. Não acho que quem seja de esquerda pense primeiro no bem-estar alheio e que quem seja de direita pense primeiro no bem-estar do dinheiro: os dois pensam no bem maior, mas de maneiras diferentes. Mas daí para antagonismos entre as partes é um salto. O governo Lula é um governo de esquerda e prioriza programas sociais, mas seu maior mérito é ter adotado a política econômica do governo anterior, direitista. Ou pelo menos isso é o que me dizem vários formadores de opinião em política e economia.

Há diferenças entre esquerda e direita? Sim, mas elas são irrelevantes. Não acho que exista um continuum entre estes dois extremos, com o DEM de um lado e o P-Sol do outro. Acho que o que existe é um círculo, onde os extremos se tocam, e onde o antigo PFL e o partido da Heloísa Helena se encontram em seus extremismos.

Não acho que o caminho mais curto para um mundo melhor seja abandonarmos as diferenças – das últimas vezes que tentaram isso não prestou, e até por que seria muito chato se realmente acontecesse. É com as diferenças que crescemos (ô frase tirada de livro de auto-ajuda!), com o atrito gerado por idéias divergentes. Mas acredito que o que devemos deixar de lado é a idéia de que nossas idéias são melhores que as dos outros.

Uma revolução digna de nos inspirar

No meio que vivo, a grande maioria das pessoas adora desancar os Estados Unidos, chamá-los de escroques, imperialistas e gananciosos, enquanto adoram elogiar o Fidel Castro e como ele governou bem Cuba. Tudo isso com um exemplar de “O Capital” do Marx de baixo do braço.

Mas eu sou do contra, realmente. Já pensei de maneira muito parecida com a que estes meus colegas pensam, mas depois de morar seis meses como intercambista nos Estados Unidos (que era na verdade minha segunda opção), revi meus conceitos. Acadêmicos esquerdistas adoram falar na Revolução Cubana, ou nas revoluções do proletariado que ocorreram por todo o mundo, graças à obra de Marx e Engels. Mas acredito que nenhuma dessas teria ocorrido se não fosse pela Revolução Americana de 1776.

Americana, sim, pois todo nosso continente, de norte a sul estremeceu com a audácia das colônias que decidiram tornar-se uma nação. Sem a sua inspiração, nem a Revolução Francesa de 1789, nem nenhum outro levante popular teria encontrado forças para acontecer.

Apesar de a democracia existir desde a Grécia antiga, e de já no século XVIII existirem repúblicas muito antigas, como Veneza e Holanda, o primeiro governo realmente democrático e popular foi o dos Estados Unidos da América. Podem argumentar que a declaração de independência dos EUA e sua Constituição foram escritas por homens brancos, ricos e donos de escravos que queriam manter seus direitos, mesmo que à revelia do direito dos demais. Mas ninguém poderá dizer que, mesmo com todos os preconceitos inerentes a classe deles, os founding fathers não criaram uma nação forte, democrática, buscando sempre uma união mais perfeita. Também não poderão dizer que os EUA tornaram-se independentes apenas pelo desejo de uma minoria abastada – a guerra de independência tomou as trezes colônias, de norte a sul, e todos os cidadãos estavam nela envolvidos de corpo e alma. Bem diferente do que aconteceu 1822 aqui no Brasil.

Não sei se posso dizer que é uma tendência, mas noto que é mais comum xingarmos os EUA por sua ignorância e elogiarmos os países europeus por sua cultura. Francamente, acho que a Europa é um continente deprimente; cheio de história, mas também de preconceitos, em especial contra americanos – não só dos EUA, mas brasileiros, mexicanos e canadenses também. Para eles, não passamos de colonos mal agradecidos, que não souberam se comportar. E mesmo assim, ficamos a paparicar os europeus e seus hábitos superiores.

Prefiro os americanos de todo o continente, mas admiro de especial maneira aqueles que juram fidelidade ao star spangled banner. Eles são cheios de defeitos, são impulsivos, um pouco prepotentes, têm um governo ruim, mas em muitos aspectos são o melhor modelo que temos de democracia. Hoje é a Europa se inspira neles.

Não sou historiador, mas acredito que, quando foi declarada a independência dos Estados Unidos da opressão britânica, acredito que o fizeram por motivos econômicos, religiosos, culturais, mas principalmente por amor-próprio. Eles cansaram de serem tratados como lixo, tal e qual os espanhóis nos trataram nos aeroportos. Se há algo que me inspira nos EUA, é o amor que eles têm por seu país, e a capacidade de autocrítica que eles possuem. Eles são cheios de defeitos e sabem disso, mas tentam de todas as formas de tornarem sua terra um lugar melhor para se viver. Deveríamos esquecer Cuba e seu governo ditatorial, Marx e suas preleções, o arrogante continente europeu, e nos inspirarmos em nossos irmãos do norte. Eles não são uma potência hoje por nada. Por isso peço que Deus abençoe a América: os EUA, o Brasil e todo o continente.

domingo, 25 de maio de 2008

Vida Dura (Parte 11)

Hoje apareceu no Jornal Nacional que salvaram 8 pandas gigantes dos escombros do terremoto, e que agora eles estão em segurança num zoológico em Beijing. A população deu pulos de alegria quando os bichinhos apareceram na curva da estrada. E eu não podia achar isso mais esdrúxulo.

Em toda a história recente da evolução, não consigo pensar em criatura mais inútil que os pandas. Sabem o imbecil que passa em todo vestibular para um curso extremamente concorrido de universidade federal? Pois é, os pandas são esse mentecapto, pois passaram na seleção natural, apesar de serem as criaturas ridículas que são.

Considero-me incapaz de entender como estes seres, que não conseguem nem ao menos trpara para perpetuar a espécie geram tanto fascínio, a ponto de serem símbolo da WWF e xodó de eco-chatos ao redor do mundo (junto com as baleias, mas as baleias eu respeito, pois elas são grandes daquele jeito só comendo fitoplâncton). Devo admitir que, se pensar estritamente em termos evolutivos, os pandas fazem um trabalho excelente: são preto e branco, abobadinhos, comem só bambu e fazem qualquer menina de 5 à 50 anos (e meninos com cabelos lambidos por cima dos olhos) querer abraçá-los e chorar por estarem em extinção. Foi assim que eles conseguiram casa, comida e tratamento médico completo em zoológicos de alto nível. But, quite frankly, isso não é muito útil se não tiver filhotinhos. Mas até para isso eles têm ajuda, que varia desde coisas high-tech como fertilização in vitro, até coisas que estão ao alcance de qualquer moleque com internet, como filmes pornôs estrelados por pandas.

Não sou contra salvarem os pandas. A natureza é legal, devemos preservar não só o meio ambiente, mas todo ele, e todas essas frases que eu provavelmente já escrevi em textos para a escola sobre como os animaizinhos subiram de dois em dois são nossos amiguinhos, e que, apesar de achar que eles são criaturas inúteis que mereciam uma indicação honoris causa do Darwin Awards por seu empenho em tentar eliminar seus genes idióticos da natureza, acredito que eles tenham direito à vida. Só acho que o esforço empreendido para salvá-los deveria ser dirigido para salvar outras criaturas mais interessantes, como por exemplo leões asiáticos, tigres ou o Daubentonia madagascariensis, conhecido vulgarmente por aye-aye. Por que não? Pandas foram eleitos para a salvação por serem tão cutchi-cutchi bunitinhu fofuxxxu (o que reforça minha afirmação sobre a influência dos pandas sobre a população emo), ao contrário do aye-aye, que é mais feio que tombo com a mão no bolso. Pelo menos, o senso comum acredita que ele é feio, e para ser bem sincero, esse foi o maior erro que ele poderia ter cometido no exame da seleção natural: não agradar os seres humanos afrescalhados, que gostam de bichos fofos. Pelo menos ele sabe fazer nhéco-nhéco gostoso, e será extinto com honra.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Eternidade

Imortalidade. Eis um tema que desde tempos muito remotos fascina a nós, meros mortais. Foi em sua busca que os egípcios construíram as pirâmides e embalsamaram seus mortos, que os alquimistas buscassem a Pedra Filosofal, e muitos outros casos que sou incapaz de lembrar ou relatar. Pode parecer uma crença infantil, mas ainda hoje alguns cientistas acreditam que, se conseguirmos reverter o envelhecimento das células, poderemos viver para sempre, ou se conseguirmos clonar seres humanos com perfeição, teremos sempre um corpo novo à nossa disposição. Até agora, nada disto foi alcançado, e, pessoalmente, acredito que nosso destino final é a morte, não importa quanto tempo nossas células vivam. Mas isto é apenas vã especulação; o que posso dizer de concreto é que, até o momento, prova-se impossível viver eternamente.

Acho esta questão irrelevante. Realmente, soa tentador nunca morrer, e sempre ter tempo para fazer tudo que quisermos fazer. Mas caso isto se tornasse possível, creio que seria o fim da humanidade, pois tornaríamos todos monstros. Seríamos como os deuses do Olímpo, eternos e eternamente entediados. O motivo de acreditar que o destino final de todo homem e toda mulher é a morte é justamente a beleza de nossa efemeridade: por termos tão pouco tempo, vivemos da melhor e mais intensa forma que pudemos. Podemos não conseguir sempre, mas sempre tentamos. Cada abraço e cada beijo que damos deve ser dado como sendo o último que jamais daremos, pois de fato, ele nunca se repetirá – abraçaremos e beijaremos outras vezes, outras pessoas e em outros lugares, mas aquele primeiro momento nunca voltará: ele está morto e sepultado. Entretanto, sua beleza foi tanta que mesmo morto ele permanece vivo em nossa memória, e isto é o que interessa.

Não vivemos nem viveremos pela eternidade, mas é através de nossas vidas que a eternidade vive. Ser imortal é para pessoas fracas – os fortes vivem cada dia como se fosse seu último, até o dia de sua morte.

Hábitos de estudo

Me perguntem onde eu sento em aula.
Fonte: PhD

Meu Trabalho de Conclusão de Curso Ideal

Sou da primeira turma do novo currículo do curso de graduação em Psicologia da UFRGS. Dentre muitas características de estar em tal situação, há uma que se destaca: ninguém sabe no que esse currículo vai dar. Ao contrário do antigo, onde o curso divide-se em blocos epistemológicos-departamentais (1) (primeiro ano, Desenvolvimento; segundo ano, Psicologia Social; terceiro ano, Psicanálise), desde a primeira semana de aula do primeiro ano vemos todas as três visões. No currículo antigo, como o enfoque final era em Psicanálise, os graduandos acabavam tornando-se psicanalíticos, seja por acabarem desenvolvendo maior afinidade, seja por falta de opção. Isso não acontece conosco.

No currículo novo, pela metade do terceiro ano, temos que decidir em quais ênfases nos formaremos. Cada departamento criou uma ênfase, consoante com sua forma de pensar, agir e fazer pesquisa (por que pesquisa não é pensar nem agir!): há uma ênfase em Desenvolvimento Humano e Personalidade, uma em Psicologia Social e Institucional e uma em Psicanálise e Psicopatologia. Destas, temos que fazer no mínimo duas, mas é possível fazer as três (com um ano a mais de faculdade).

É fácil imaginar como serão as ênfases em Psicologia Social e Institucional e em Psicanálise e Psicopatologia, já que os departamentos responsáveis por estas são epistemologicamente bem homogêneos: é só Deleuze, Guattari, Foucault e Lacan. Os temas também são bem delimitados. No caso de Desenvolvimento Humano e Personalidade, a coisa é bem mais difícil. A começar pelo nome: qualquer coisa em Psicologia encaixa-se, de uma forma ou de outra, em Desenvolvimento e/ou Personalidade, inclusive Psicologia Social e Psicanálise. Além disso, o próprio departamento é um saco de gatos teórico. Nos corredores do Instituto, corre a piada que, se tivéssemos que definir cada departamento com uma única palavra, a de Social seria “subjetividade”, da Psicanálise “Lacan”, e do Desenvolvimento “Verba” (2), por que a única coisa que diferencia este departamento dos demais é o dinheiro abundante, graças
à seus inúmeros projetos de pesquisa e à sua pós-graduação nota 7 pela CAPES. Nele, há desde psicanalistas mais moderados até neuropsicólogos. Orientador para todos os gostos e necessidades filosóficas.

Sexta-feira passada, durante a reunião da Comissão de Estágios, na qual sou representante discente (dos estudantes), descobri como o Desenvolvimento pensa em estruturar teoricamente sua ênfase, lendo uma pequena lista de possíveis “sub-ênfases”. Nesta lista de cinco ou seis itens encontram-se dois de especial interesse para mim: Terapia Cognitivo-Comportamental e Neuropsicologia (3). E ler isto foi um grande transtorno para minha participação na reunião, pois passei a divagar sobre a ênfase e meu trabalho de conclusão de curso. Terapia Cognitivo-Comportamental pode soar um assunto bem limitado e circunscrito para quem não a conhece. Entretanto, Aaron Beck, um de seus idealizadores, escreveu um livro intitulado “O Poder Integrador da Terapia Cognitiva”. Não sei do que o livro trata especificamente, mas o título me soa bastante sugestivo e congruente com o que tenho estudado a respeito.

Baseado em meus estudos, posso dizer que esta linha teórica é extremamente flexível, pragmática e ampla, e não poderia pensar em assunto melhor para um trabalho de conclusão de curso. A TCC é ao mesmo tempo uma psicoterapia e uma teoria da personalidade econômica, que se baseia em poucos conceitos teóricos. Isto permite realizar um trabalho sobre Psicoterapia e Personalidade em geral. Sendo mais específico, permite que várias linhas teóricas diferentes da Psicologia sejam abordadas e integradas. Garanto ao meu leitor que, se para um psicanalista lacaniano é teoricamente incoerente ele aplicar técnicas comportamentais em sua terapia (4), o inverso não é verdadeiro para um terapeuta cognitivo-comportamental. De fato, outras teorias como a Psicologia Humanista-Existencial, a Psicologia Analítica, algumas linhas da Psicanálise e do Comportamentalismo não só são congruentes, mas também complementam a Cognitiva-Comportamental. Sentido da vida, arquétipos e individuação, estágios da vida e condicionamento operante não são desvirtuados se adaptados para uso nesta linha oferecida na ênfase. Pelo contrário, enriquecem a teoria. Sinceramente, acho que a Psicologia como ciência encontrou um paradigma unificador na Terapia Cognitivo-Comportamental, que permite uma ampla gama de pesquisas sem que tudo vire um saco de gatos raivosos, e uma teoria unificadora sólida (5).

Fiquei divagando sobre que tema falaria no trabalho de conclusão de curso. Já venho pensando nisso desde muito antes de conhecer estes detalhes da ênfase em Desenvolvimento Humano, e já tive três idéias diversas: fazer um estudo de caso sobre o preconceito racial em Caxias do Sul e na Serra Gaúcha, ensinar fundamentos de psicoterapia e psicodiagnóstico para padres de confessionário e religiosos que lidam diretamente com pessoas e seus problemas, e entrevistar mestres em diversas artes marciais e identificar traços de personalidade presentes. Surgiu agora uma quarta idéia: fazer um ensaio teórico sobre o Desenvolvimento Humano Superior – auto-atualização, auto-realização, individuação: o crescimento biopsicosocioespiritual de pessoas adultas saudáveis. Utilizaria como referência autores como Maslow, Rogers, Allport, Jung, Bandura, Erikson e Bronfenbrenner, e citaria por alto Piaget, Freud, Winnicott e Bowlby. Beck, Ellis e Young seriam obrigatórios. Talvez tenha que citar mais teóricos, mas estes com certeza. Poderia também relacionar tudo isto com conceitos de Neurociências e criar algum teste para medir este sutil desenvolvimento. Assim, eu abordaria toda a Psicologia do Desenvolvimento e da Personalidade, e de lambuja Neurociências. Tudo através da Terapia Cognitivo-Comportamental. Valeu, Aaron Beck!







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1. Preciso escrever um post sobre as diferenças político-teóricas entre os três departamentos, as brigas deles e as conseqüências disto para a graduação.

2. Alternativas possíveis são: “Dispositivo”, “Angústia” e “CNPq”.

3. Tinha outras coisas, como Transtornos do Desenvolvimento, Avaliação Psicológica e algo mais que não lembro agora, mas nenhum realmente tão interessante.

4. É teoricamente incoerente, mas funcionalmente não. Terapia é terapia.

5. Provavelmente os psicanalistas pensam a mesma coisa da Psicanálise. Acharia estranho se não o fizessem.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Uma divulgação não divulgada

Hoje eu mudei o perfil do Blogger. Refiro-me à frasezinha que aparece aqui no blog, no canto direito superior, sob o título de “O Espadachim”. Para quem não achou, e para registrar para o futuro, caso eu mude o perfil novamente, escrevi o seguinte:

Muitos os chamados, poucos os escolhidos. Vá além, procure onde os demais ignoram, e talvez tu encontres um tesouro que nunca imaginara.

Depois disso, coloquei no meu perfil do Orkut o link para o blog dos Amoladores. Este foi o compromisso que cheguei comigo mesmo sobre a divulgação do Espadachim. Não quero ficar mandando e-mails para minha turma, ou scraps “flood tudo” no próprio Orkut para divulgar – considero isso uma dessacralização do blog e tudo o que ele representa para mim, além de detestar quando fazem isso comigo. Entretanto, sinto que ficar escrevendo aqui só para mim mesmo não passa de masturbação intelectual. Sei que há outras pessoas que lêem o que escrevo, mas são muito poucas. Decidi, então, que divulgaria o blog, ao mesmo tempo que não o faria.

Sou um pouco elitista, admito. Não quero ver os comentários do Espadachim com coisas mal-escritas e mal-pensadas, como frequentemente vejo em outros blogs por aí. Temia que, se eu mandar para todos os meus amigo do Orkut um link para o este site, isto pudesse acontecer.

Posso definir minha divulgação como sendo sui generis. Não coloquei link algum em lugar nenhum para cá – divulguei o Amoladores de Facas. Como isso pode ser divulgação para o Espadachim? É simples. No Amoladores, há um hyperlink para meu perfil no Blogger, onde estão listados todos os blogs onde escrevo. Entre eles encontra-se este onde escrevo estas linhas. É fácil encontrar o Espadachim, basta apenas ter o desejo de encontrar algo diferente, que vá além do resto. Duvido que existam muitos outros blogs como o meu, tão bem escritos e com temas tão variados e intrigantes.

Para mim, quem encontrar este blog, seja por este caminho que incentivei ou por qualquer outro, é por que estava destinado a encontrá-lo. De forma mais científica, o Acaso o levou a encontrar o Espadachim Cego.

Sociedade, Personalidade e Neurodiversidade

Para viver em sociedade é necessário ser bem ajustado de várias maneiras. A mais global destas maneiras é ter uma personalidade socialmente aceitável. Agrupamentos sociais selecionam pessoas com traços de personalidade mais bem vistos e vantajosos para o grupo. Não vejo nenhum problema nisto, até por que seria um contra-senso selecionar características que prejudicam a todos. Porém, isso acarreta alguns problemas. O primeiro é o processo de seleção. Em geral, seleciona-se as pessoas mais parecidas com a população em geral – em outras palavras, pessoas excêntricas, fora do centro comum, acabam excluídas socialmente. Por “centro comum” quero dizer qualquer coisa: brancos ou pretos, judeus ou arianos, introvertidos ou extrovertidos... ou qualquer outro parâmetro que se desejar. Hoje em dia isso não quer dizer grande coisa, já que dá para viver sozinho num apartamento comendo comida congelada e tele-entrega, mas há não muito tempo atrás, viver isolado de qualquer coletivo significava morte certa (e em algumas situações-limite ainda significa).

O processo de seleção não é, contudo, um sistema meramente binário, tendo mais possibilidades do que DENTRO DO GRUPO e FORA DO GRUPO. Na verdade, a exclusão social é o último recurso, pelo menos na civilização atual. Antes disso, ocorre uma tentativa de moldar a personalidade do excêntrico. Isso por si só não é ruim, e acredito ser possível justificar tal prática numa isolada tribo da Nova Guiné, mas suas conseqüências podem ser nefastas. Acho que não é necessário explicar com muita profundidade no que consiste esse processo, pois acredito que todos que lêem este blog já passaram por alguma situação em que sentiram-se pressionados a mudarem seu jeito de agir para serem socialmente aceitos: tirar boas notas, pegar mulher na festa, beber até cair, não urinar em sala de aula... qualquer coisa. Como já disse, essa mudança não é necessariamente ruim (sinceramente, eu não gostaria que mijassem na sala aqui de casa). Acho que o buraco é mais embaixo.

Historicamente, personalidades ditas ruins foram consideradas patológicas – a mais exemplar destas é a personalidade anti-social, mais conhecida como personalidade de psicopata. Não quero defender os crimes cometidos por psicopatas por aí, pois acho que qualquer ser humano que conscientemente (1) se torna um risco para outros e não sente remorso por isso, ou, se remorso for pedir demais, não ver vantagens em ser socialmente adaptado, ele deve ser mantido fora da sociedade. Deve ser tratado com dignidade e respeito, mas isolado para que não cause danos a ninguém. Entretanto, muitas pessoas são discriminadas por características comportamentais e personológicas que são mal-vistas por causa de crenças coletivas infundadas. Entre essas pessoas encontram-se psicóticos, Autistas (3), “portadores” (2) de Transtorno de Déficit de Atenção e/ou Hiperatividade (TDA/H), e outros cujos comportamentos estão definidos no DSM ou na seção 7 da CID (4).

Aqueles que se enquadram em uma ou mais destas definições não são perigosos por causa de seus transtornos. Admito que um psicótico em surto pode ser bem perigoso, especialmente se ele achar que é Azrael o Anjo da Morte e que a hora de todos os seus vizinhos chegou (5), mas não é durante o surto que o preconceito acontece (até porque não dá tempo de fazer isso enquanto se tenta impedir que Azrael te decapite a pauladas), mas depois, com as rubricas sociais: “te cuida com aquele ali, ó, ele já foi pro São Pedro (6) quatro vezes. É louco de pedra!”; “é doido, coitado. Segura tua bolsa, querida.”; “lugar de louco é no hospício!” O sujeito pode ser a criatura mais mansa do universo, mas a mancha está lá, e ele está condenado ao limbo da sociedade.

Com os autistas, a coisa é um pouco mais complicada. Em termos gerais, o distúrbio caracteriza-se por uma grande dificuldade de socialização, de empatizar com outras pessoas e tendência a ficar muito tempo em seu “mundo interior”. Há casos mais sérios, mas o núcleo comportamental comum a todos que se encaixam no espectro autista está aí (se estiver errado ou incompleto me corrijam). Isto não é necessariamente ruim, e não o é na maioria dos casos, mas como dificuldade de socialização é uma coisa socialmente mal-vista (DÃ!), e muitos pais de crianças autistas sentirem na pele como é duro seu filho não olhar em seus olhos, faz-se de tudo para desenvolver técnicas para que eles tornem-se mais capazes destas coisas e saiam de dentro de suas conchas. De novo, considerando as coisas positivas que socializar-se traz, não vejo nada errado com isso. Só que o processo é bem duro, e muitas vezes maltrata os autistas. Por exemplo, autistas que tomaram remédios para tornarem-se mais mansos relatam que sentiam-se mentalmente inertes. Em uma situação mais cruel, autistas têm os olhos muito sensíveis para luzes fluorescentes, e quando entram em recintos iluminados predominantemente por lâmpadas deste tipo começam a gritar, fazer escândalo, essas coisas que a gente não quer ver por aí, por que dói. Para que isto não aconteça (e para que os pais dos autistas sintam-se como pais normais), as crianças são condicionados via Análise Aplicada do Comportamento para não emitirem este comportamento. A dor nos olhos continua, mas pelo menos eles são bons meninos e boas meninas, e é isso que conta.

O problema dos “TDA/Hs” é diferente. Eles são perfeitamente capazes de socialização, mas tem maior dificuldade do que a média da população para concentrar-se em uma tarefa só e manter-se nela por um período considerável de tempo, e precisam estar em constante movimento, além de “viajarem” com muita facilidade (de forma similar aos autistas, TDA/Hs são bastante introspectivos). Trazendo para o plano concreto, é mais difícil para eles prestarem atenção em aulas (especialmente expositivas) e trabalharem, pois não conseguem prestar atenção direito e ficam “brincando” de alguma forma para manterem-se em movimento (por exemplo, malabarismos de uma mão só, com canetas, controles remotos e similares). Não é que não consigam – é só bem mais complicado. Sou um paciente com TDA/H típico, e sinto na pele estes problemas. Falando por experiência própria, quando preciso trabalhar, eu trabalho, e quando preciso estudar, eu estudo. A diferença entre eu e uma pessoa não-TDA/H é o tempo que eu levo para sair de um estado passivo de vadiagem para um estado ativo de estudo/trabalho. Em um panorama mais geral, são poucos portadores deste transtorno que não conseguem realmente trabalhar – se a preguiça é a mãe da necessidade, a necessidade é mãe do trabalho árduo. Adultos que dependem de seu salário sabem que, se vadiarem, vão para rua. Inclusive TDA/Hs. Quem mais sofre com este “problema” são as crianças em idade escolar. Não conseguir parar quieto em aula não só é um comportamento mal-visto, mas é encarado como desrespeito pelo professor e falta de interesse em aprender por parte do aluno. Não considero aulas expositivas o modelo de ensino ideal para ninguém, mas, como sinto na própria pele, é muito pior para quem têm déficit de atenção e/ou hiperatividade (7). Assuntos que em outro contexto seriam muito interessantes tornam-se francamente aversivos, como Física ou Química, e o aluno TDA/H sofre muito mais para estudar (esqueci de dizer que a tolerância à frustração para portadores deste distúrbio é menor do que a média da população). E daí, dá-lhe ritalina pro guri parar quieto e obedecer o professor!

Numa sociedade perfeita, a distância entre o socialmente aceitável e o existencialmente mais agradável seria a menor possível, permitindo que as pessoas convivessem em harmonia, mas não tolhessem seu crescimento pessoal e potencialidades para tanto. Não é assim onde nasci e me desenvolvo. Os remédios e técnicas utilizados para tornar estas pessoas mais socialmente aceitáveis funciona e trás benefícios claros – um surto psicótico causa danos irreparáveis no cérebro, e quanto mais puderem ser evitados, melhor, e não há via mais eficiente que o tratamento farmacológico (8). Posso dizer o mesmo para autistas e TDA/Hs, pois ambos se beneficiam de certos tratamentos. Entretanto, a personalidade destes, seu próprio modo de ser é mutilado, destruído até. E por que isso? Por causa de uma sociedade incapaz de acolher e aceitar as diferenças. Soa patético e piegas isso, eu sei. Mas é real. Não foram poucos os psicóticos, autistas e hiperativos que demonstraram aptidões artísticas e científicas excepcionais. O São Pedro está cheio de artistas; desconfia-se que Einstein era aspergher, e pode-se inferir com bastante certeza de que Jung era um TDA/H também (e eu, é claro).

Recentemente, um grupo de autistas e simpatizantes trocou idéias e uniu-se pela causa de garantir maior liberdade para os autistas poderem ser o que são – autistas. Como eles próprios afirmam, eles são cidadãos de pleno direito, mas com um funcionamento cerebral diferenciado. Chamam sua causa de Neurodiversidade. Acredito que o mesmo pode ser dito dos outros “transtornos” que citei aqui, e esta busca ampliada para incluí-los também. Por que não considerá-los formas de personalidade diferentes? O próprio Jung, segundo diz meu pai, identificara o TDA/H antes dos psiquiatras do DSM o classificarem. Mas ao contrário destes, Jung o definiu como sendo a personalidade intuitiva – cujo foco libidinal é mais voltado para o mundo interior. Bem diferente da doentificação psiquiátrica.

Não defendo deixar os autistas viverem como estão, deixar os psicóticos em surto correndo por aí ou os TDA/Hs eternamente perdidos em suas divagações – isto não seria saudável. Em sua obra, Jung fala do processo de Individuação. Este processo de crescimento se dá através do desenvolvimento das funções pouco desenvolvidas em nós: introvertidos tornam-se mais extrovertidos, pessoas racionais tornam-se mais emotivas; o contrário também acontece (9). Acredito que, em uma sociedade ideal, nossas diferenças seriam respeitadas, mas nos seria permitido desenvolver aquilo que precisamos para nos tornarmos indivíduos únicos e saudáveis, e acredito que, se desejamos que tal sonho torne-se realidade, devemos primeiro criar uma sociedade mais neurotolerante.






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1. A questão da consciência em psicopatas me soa complicada demais para poder dizer se eles possuem consciência ou não de seus atos, mas considerando que muitas pessoas com transtorno de personalidade anti-social são muito inteligentes e capazes de elaborar detalhadamente planos para longo prazo, vou assumir que eles têm consciência de que o que fazem é errado.

2. Palavra ruim, eu sei, mas não consigo pensar em nenhuma melhor.

3. Por motivos práticos, considero autista todos os portadores de condições que se encaixam no espectro autista, como a síndrome de Asperger.

4. DSM = Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, atualmente na quarta edição revisada; CID = Classificação Internacional de Doenças, atualmente na décima edição. A seção 7 da CID é de transtornos mentais (se não me engano).

5. Nesse caso, internação em uma ala psiquiátrica de hospital geral com vigilância faz MUITO sentido. No momento aqui no Brasil, e mais especificamente em Porto Alegre, os psicóticos surtados são internados em hospitais psiquiátricos, mas por motivos que não quero comentar aqui, não é a situação ideal. O Marcelo já falou sobre isso aqui e aqui.

6. Hospital Psiquiátrico São Pedro, também conhecido como “O Glorioso”. Pelo menos é assim que o diretor daquela joça chama o lugar.

7. Nunca conversa informal esses dias, o Lobo da Estepe (outro TDA/H óbvio e assumido) disse que a escola ideal para um TDA/H seria um parque de diversões com livros em locais específicos e bem chamativos, para que as crianças pudessem movimentar-se e ler à vontade quando achassem melhor. Os professores ficariam por perto para tirar dúvidas e cuidar para que os moleques não se esfolem além da conta (por que infância sem joelho ralado não existe). Talvez isso não funcionasse em uma escola primária, mas eu certamente adoraria se a Psicologia da UFRGS funcionasse dessa maneira.

8. Claro que, para alguns, o melhor remédio é um “bom ambiente”.

9. Na tipologia jungiana, há quatro funções psíquicas diferentes, além dos pólos extroversão-introversão da direção da libido: sensação, pensamento, intuição e emoção. Simplificando bastante, intuição é a função oposta de sensação, e pensamento a oposta de emoção. Cada pessoa tem uma dessas como função primária, a mais importante e desenvolvida, outra como função secundária, auxiliar à primária e tão desenvolvida quanto, a terciária e a quaternária, que são muito pouco desenvolvidas se comparadas com as duas primeiras. No processo de individuação, busca-se harmonizar estas funções e torná-las igualmente desenvolvidas. Se dispostas em um círculo, as quatro funções ficariam cada uma em um ponto cardeal, sendo seu centro o Self (arquétipo do desenvolvimento humano máximo e ideal a perseguir). Para uma melhor explicação, clique aqui (em inglês).

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Observação Irrelevante #49

Eu sou muito mais produtivo de madrugada. Talvez isto seja assim por que meus controles racionais e conscientes do que penso fiquem enfraquecidos pelo cansaço. Eu estou lendo Freud demais.

As Provações da Faculdade XV

Lá se vão os gnomos com seus potes de ouro. E com eles se vai minha honestidade intelectual.

As Provações da Faculdade XIV

As palavras que digito em meu relatório cada vez mais parecem-se com o que meu professor de Processos Grupais diria, e menos com o que eu diria. Fico satisfeito com a velocidade com que tenho absorvido o conteúdo da aula, mas fico igualmente triste com o fato de estar perdendo um pedaço de mim, ou na melhor das hipóteses, ignorando-a para escrever o relatório. E estou mal no terceiro relatório.

As Provações da Faculdade XIII



Adivinhem em que ponto deste ciclo eu me encontro, às quase 3 horas da manhã.

Tirado daqui: PhD.

Obsessões - Part Quatre

Freud dizia que todas as pessoas bem ajustadas e adaptadas à sociedade são, em maior ou menor grau, neuróticas. Discordo desta afirmação, e que acredito que existam pessoas sem nenhum tipo de distúrbio, mas que não posso me incluir neste grupo.

Tenho uma neurose bem particular. Na verdade, o termo neurose é bem antiquado, pois há um nome mais específico para o que tenho: chama-se Transtorno Obsessivo-Compulsivo. Se não me engano, eu não atinjo todos os pré-requisitos diagnósticos para ser considerado um TOC verdadeiro, e mesmo que atingisse, o transtorno não me impede de funcionar normalmente – vou para a faculdade, tenho uma vida social, não deixo minhas obsessões dominarem minha vida. Entretanto, elas me deixam um tanto quanto mais infeliz.

Tenho uma certa compulsão por números, especialmente de posts para este blog. Acho muito bonito ver o contador do Capacitor de Fluxo com números cada vez maiores, e isto torna o ato de publicar textos novos um prazer por si só. Todo mês, tento fazer pelo menos uma atualização por dia, 30 ou 31 dependendo do mês. Até agora não deixei a peteca cair, e tenho feito mais atualizações mensais do que isto, portanto não sei como agiria o momento que não o fizesse. Entretanto, sei como agirei se deixar as obsessões tomarem conta de minha vida.

Em janeiro, ainda no Roqueiro & Alcoólatra, prometi a mim mesmo que todos os dias teriam no mínimo três atualizações diferentes: imagens, vídeos e textos legais. A sensação de ter que cumprir esta promessa me fazia constantemente pensar na próxima coisa para postar no blog, qual imagem, ou qual vídeo catar por aí. Mais importante ainda, sobre que assunto versar. Escrever sempre fora um ponto de honra para mim – desde o dia que comecei a escrever redações, escrevo bem. Claro, escrevo melhor hoje do que na 2ª ou 3ª séries, mas desde aquela época sou bastante elogiado pelo meu estilo. As imagens e os vídeos que pegava por aí, postava no blog para dar maior diversidade, m as ainda considerava a arte de escrever meu forte. Ironicamente, por causa desta “demanda” por posts e textos bem escritos sobre assuntos bacanas, fiquei bloqueado. Tudo que conseguia pensar quando lembrava-me do blog (estava de férias, então tinha bastante tempo livre para ficar lembrando de muitas coisas, especialmente do R&A) era algo como “precisoatualizaroblogmasnãotenhoassuntosobreoqueescreveraimeudeusoquevaiserdoblogsemumtextolegal”.

Não sei se dá para dizer se pensamentos são compridos, mas este pensamento em especial era grande, e ocupava todo e qualquer espaço para idéias legais. Alguém no R&A fez um comentário sobre a podridão das últimas atualizações (em termos muito mais gentis), e eu entrei em modo meditativo. Ponderei que, apesar de estar atualizando com constância nunca antes vista, não estava agradando os leitores. Tinha abandonado a qualidade em nome da quantidade. Decidi então abandonar essa frescura de três posts por dia, e criei o Espadachim Cego, onde eu faria atualizações da melhor forma que posso: textos, textos e mais textos, algumas figuras que acho que valem a pena colocar na web, um vídeo aqui e acolá, e deu. Se fizesse um post ou três por dia, tanto faz. Estranhamente, foi justamente isso que abriu as comportas que antes barravam meu inconsciente criativo, e passei a escrever mais do que nunca (o Capacitor de Fluxo aqui do lado não me deixa mentir).

Também tenho uma outra neurose, bem menor, quase insignificante, mas que pode me dar trabalho um dia: tenho adoração por escrever textos longos e ficar olhando para eles no blog, e um certo desprezo por tiradas curtas. Sinto-me um pouco trapaceiro quando faço atualizações como os sobre as provações que encaro na faculdade: “porra, isso aqui é um blog, não é o teu floguxo pra ficar escrevendo frasezinhas telegráficas como se fosse alguma coisa decente!” penso eu. Nada contra quem tenha floguxo e faça isso: sou chato comigo mesmo e não com os outros, e espero muito mais de mim do que dos outros, correlacionalmente (por que não dá para estabelecer a direção causal neste caso: sou chato comigo mesmo por que sou exigente, ou sou exigente por que sou chato?).

E falando das minhas neuroses escrevo um texto bem grandinho. Ai ai.

Encontros ao acaso em um ônibus para Porto Alegre

A linha intermunicipal entre Caxias do Sul e Porto Alegre, da empresa Caxiense, tem me rendido encontros com antigos amigos e conhecidos, que agora, da mesma forma que eu, estudam na capital e voltam para o lar no interior de vez em quando. Na viagem desta noite, trombei com dois colegas do tempo do Ensino Médio.

O Ensino Médio foi uma época sombria de minha vida – a solidão era a única a sempre me acompanhar pelos longos e escuros corredores do antigo colégio, e de tanto andar comigo tornou-se minha melhor amiga. Sentia-me só mesmo quando junto de outros. Cada vez que encontro alguém daquela época, toda a torrente de memórias, especialmente as ruins, vêm à tona. Entretanto, é com alegria que encontro a grande maioria de meus ex-colegas. Hoje não foi exceção.

Foram eles que me viram primeiro; estava por demais enredado em minhas próprias divagações para perceber o que acontecia ao meu redor (exceto se o ônibus abria), e acordei um tanto quanto bruscamente deste sonho acordado ao ouvir meu nome gritado de algum canto da rodoviária. Cumprimentei-os, já que fazia um bom tempo que não os via, e pus-me a falar de coisas comuns: faculdade, vida em Porto Alegre, problemas do curso. Este tipo de conversa miúda é um problema para mim, mas tenho adquirido um certo grau de habilidade para encontros sociais fortuitos e de média duração, onde “Oi! Tudo bem?” não é suficiente, e criei algo como um arquivo de assuntos para falar quando necessário. Não é um arquivo grande, como podem perceber, mas segura as pontas.

Talvez por querer desafiar a mim mesmo, talvez por que alguma parte do meu ser sente falta daquela época tenebrosa, sentei-me perto deles, de forma que ficava fácil de conversarmos os três. Foi durante as duas horas que separam Porto Alegre de Caxias do Sul que notei que a distância entre eu e meus agora ex-colegas permanece grande. Os assuntos que lhes agradavam eram os mesmos de três anos atrás: festas, bebida, mulher. Claro, há também os tópicos sobre faculdade (os dois fazem cursos das Ciências Exatas) e sobre morar na capital, mas o repertório não aumentou muita coisa. Internamente, enquanto eles falavam daquilo que mais lhe dizia respeito, ria de como hoje reflito sobre liberdade, angústia, ciência e individuação, enquanto eles davam roupagens novas para assuntos velhos. Fiquei calado ou falei pouco durante a viagem, se comparado com eles. Igualzinho como era na escola. De certa forma, posso dizer que minha vida deu uma guinada de 360 graus – voltei para o mesmo lugar de antes, só que completamente transformado. A diferença entre o Eu do Ensino Médio e o Eu da Faculdade é a mesma que existe entre o Baixo e o Alto Nirvanas: os atos são os mesmos, mas os significados são outros. Pelo menos para mim.

Não quero dar a entender que antigamente era inferior a todos os outros e superior hoje, ou que meus colegas estão estagnados em seu processo de desenvolvimento pessoal, ou até mesmo que este processo pelo qual estou passando é positivo. Quero apenas fazer um relato pessoal do que percebi em uma de minhas viagens de Caxias do Sul para Porto Alegre, e de um encontro ao acaso que tive com dois ex-colegas meus, pois nada posso falar com certeza dos outros ou dos mistérios que cercam o crescimento pessoal; como eu, cada leitor deste blog é livre para interpretar o que relato da forma que bem lhe aprouver – só posso dizer que sinto-me muito melhor hoje do que antigamente. Meus companheiros de viagem, não sei. Mas duvido.

As Provações da Faculdade XII

E começa mais uma maratona noturna de confecção de relatório para Processos Grupais!

sábado, 17 de maio de 2008

Essência e Existência

Há poucas generalizações que sinto-me tranqüilo em fazer. Uma delas é que todo ser humano tem uma vocação, um talento especial. Alguns preferem trabalhar com pessoas, e para isso viram médicos, professores, psicólogos ou padres; outros preferem os desafios dos números e das coisas, e tornam-se matemáticos, físicos de partículas ou engenheiros. E por mais engenheiros e psicólogos que existam, não há dois neste mundo que vivam e vejam sua profissão da mesma forma. Isto é central em Ciências Humanas e em relacionamentos pessoais e um fonte inesgotável de perguntas.

Na Personologia, a ciência que estuda a Personalidade humana, há uma certa controvérsia quanto a se o enfoque das pesquisas deve ser nas diferenças ou semelhanças encontradas nas pessoas. Devido ao grande sucesso de modelos teóricos como o dos Cinco Grandes Fatores da Personalidade, os psicólogos e demais cientistas envolvidos com pesquisas em Personalidade têm dado preferência aos estudos de essência, Nomotéticos, e deixado a individualidade, estudada pelos métodos Idiográficos, em um segundo plano, mas acredito pessoalmente que esta divisão é meramente didática e portanto um tanto quanto arbitrária, e estudar ambos os lados da moeda é de suma importância para que possamos realmente compreender o ser humano.

Passamos nossas vidas procurando por respostas – um teólogo busca entender Deus, um Sociólogo a sociedade e um Físico a matéria e a realidade em si. Por mais amplas e gerais que sejam as perguntas a que tentamos responder, por mais impessoais que possam soar, para nós e para os outros, sempre estamos tentando esclarecer nossas próprias duvidas. Da mesma forma, toda busca individual por algo maior é uma busca em nome da Humanidade – uma pergunta feita por uma pessoa é a dúvida de todo o mundo. Às vezes, temos a sorte de, em nossas buscas, encontrar um resposta que sirva para a raça humana como um todo

Por isso, acredito que é impossível separar o “pessoal”, o “único” do “coletivo”, do “Quando se procura uma essência humana, se procura tabém uma forma de permitir que a existência única, pessoal e intransferível de cada um seja mais rica, feliz e espontânea. E por outro lado, todas as pessoas individuantes, que buscam tornarem-se mais existencialmente sinceras são únicas no mundo em seu modo de ser, mas compartilham entre si muitas características. Estas duas maneiras são de suma importância para uma maior compreensão de nós mesmos, e se realmente quisermos isto, devemos desenvolver novas maneiras e complementar as antigas de estudar tanto a Essência de todos quanto a Existência de poucos, buscar alternativas em todas as ciências que estudam o ser humano e abandonar preconceitos há muito sedimentados. Não vejo caminho mais nobre e necessário para nossa civilização.

Amor, Paixão e outras coisas

Nossa sociedade adora a palavra “Amor”, pelo menos quando se refere ao amor romântico, entre duas pessoas diferentes que decidem um dia ficarem juntas, compartilharem a vida e terem filhos. Depois deste amor, o relacionamento mais valorizado é o libidinal – sexo, beijos e coisas deste gênero. Minha escolha entre “Primeiro” e “Segundo” é arbitrária, pois não sei dizer qual valor é mais bem visto na sociedade, já que ambos são cobertos de glórias pelas novelas, romances baratos, comerciais e pelas pessoas comuns.

Durante quase toda minha vida, fui um fracasso em obter estes dois tipos de relacionamento, pelo menos da forma bem-vista: com muitas mulheres gostosas diferentes, o tempo todo e sem cansar. A pressão da sociedade para que eu fosse este Amante Latino que nunca fui era (e é) acachapante. Acho que as garotas com quem fiquei eram bonitas, mas estes relacionamentos nunca duraram mais que uma semana, e apesar de desejar algo mais profundo, nunca saíam da superficialidade de uns amassos. O primeiro corte, como Cat Stevens canta, é sempre o mais profundo, e o primeiro relacionamento que tive foi uma decepção total: eu teria me entregue como se só existisse ela no mundo, mas eu era só um peguete. Eventos posteriores similares nesta seara, somados às minhas tendências para a introversão e para a Eudaemonia (1) sedimentaram ainda mais a crença de que meu destino é a solidão de um celibato, de vagar só e sem descanço pelo mundo, um andarilho forte em um mundo de fracos sedentários, que convivem em sociedade apenas por terem medo de qualquer outra coisa. Para ser sincero, ainda penso assim, e não sei se posso ou devo mudar estas crenças, centrais para mim, ou, se devo e posso, quanto devo mudá-las.

Entretanto, desde que entrei para a faculdade, tenho desenvolvido meu outro lado, mais festeiro, gregário e extrovertido. Devo isso graças aos excelentes colegas de faculdade que tenho, que são divertidos e sensíveis, ao ambiente social mais afável de Porto Alegre e, last but not least, meu desejo de renascer e ser algo diferente. Até agora, foi um processo lento, doloroso até, mas que tem valhido muito a pena. E ele não pára. Continuo em mutação. O fato de eu escrever isto neste blog é um sinal disto.

Há pouco tempo, encontrei alguém diferente. Não sinto repulsa por sua presença como senti em relacionamentos anteriores, pelo contrário, quero estar perto dela. É uma sensação que não esperava sentir nesta vida. Não faz muito tempo, mas tem sido bom. Entretanto, tenho medo. Tenho medo de que seja tudo uma ilusão minha, que a cortina do palco desabe e acabe com toda a alegria, ou que minha tendência para a solidão acabe com tudo e machuque esta pessoa. Pode dar tudo errado, mas vou adiante. Quem sabe dê certo desta vez?





1. A “Boa Vida”, em oposiçãoà Hedonia, a “Vida Prazerosa”. Em outras palavras, minha tendência a preferir ficar treinando Wushu a ir numa festa nestes locais fechados, barulhentos, afrescalhados e com nomes do tipo “Blue Up”, “Yes Music Hall” ou “Conde D’ Bar”.

Alma Mater

Estudo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a UFRGS, mas chamo-a apenas de URGS. Muitas coisas nela me entristecem: a burocracia, a politicagem, a indiferença, a estupidez, a arrogância. E ainda assim, não gostaria de estar estudando em nenhum outro lugar no mundo.

A URGS sempre teve algo de mágico para mim, desde muito antes de pensar em estudar nela. Há toda uma mística por trás dela, e de quem nela estuda. Aqui em Porto Alegre isto é um pouco reduzido, mas em Caxias do Sul, quando falo onde atingido por uma explosão de admiração, espanto e (às vezes) inveja. “Nossa, tu estuda na Federal!” dizem muitos (. Apesar de achar que há um certo exagero na maneira como sou tratado, entendo por que isto acontece. Quem estuda na URGS teve que primeiro passar por um concorrido vestibular, e uma vez lá dentro, precisa rebolar para manter-se em dia com os estudos. É, eu sei como é isso. Por isso e por outros motivos, dizem que o ensino da URGS é o melhor quando se trata de Ensino Superior.

Mas não é isso que me faz amar esta universidade. Há algo de especial nos prédios antigos e mal cuidados, que passa uma impressão de força, sabedoria, algo que só uma instituição centenária tem – as marcas de ter nascido em outra época. Adoro caminhar pelo Campus Centro justamente por este ar de história que lá respiro.

Mas há algo que vai além do que os prédios dizem. São as pessoas com quem convivo, os trabalhos que sofremos fazendo, as risadas que rimos, a indignação que sinto com as injustiças que sofremos, as batalhas que enfrentamos, as festas que festejamos e as viagens que viajamos. Acima de tudo, uma sensação de estar no lugar e no tempo certo para mim. Nenhuma outra universidade no mundo me daria isso.

Não sei o que será da minha vida depois da minha formatura: ir trabalhar ou continuar estudando, ou fazer qualquer outra coisa fora disso. Pode ser que entre para outra universidade para fazer um mestrado ou mesmo outra graduação – mas não será a Grande Mãe que a URGS foi para mim. Qualquer que seja o caminho que seguir, sentirei orgulho e alegria em dizer que estudei na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a minha Alma Mater.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

O Desafio da Existência

Existe, na Filosofia, uma corrente de pensamento chamada Existencialismo. É uma corrente antiga, que pode traçar suas origens ainda em Sócrates. Para falar bem a verdade, não é justo chamá-la de corrente, movimento ou ideologia: não há um Existencialismo, mas tantos diferentes quanto pessoas que por ele simpatizam. O Existencialismo é algo como uma filosofia de vida, não um código de conduta, mas um eterno lembrete de que somos mortais, limitados e imbecis, que nosso tempo nesta terra é curto e que não temos certeza se há algo nos esperando após a morte. Para um existencialista, a vida após a morte pouco importa – o que temos é o aqui e o agora, e o que vamos fazer com isto.

Acho o Existencialismo muito belo. Qualquer um que ler Nietzsche, Kierkegaard ou Sartre pela primeira vez pensará como eles são pessimistas, vêem a vida como um poço de sofrimento sem fim e que não há como fugir disto. Mas é este desespero que nos motiva a ir além do que somos, transcender a nós mesmos e aproveitar o tempo que temos – “fazer o que fazemos com o que fazem conosco”. A frase que melhor define este desespero produtivo é “estamos fadados a sermos livres” de Sartre. Este filósofo era realmente pessimista em seus textos, mas ainda assim ele defendia que o Existencialismo é a mais otimista de todas as filosofias, por acreditar na capacidade do ser humano decidir seu próprio destino (2).

Há uma diferenciação na filosofia entre correntes essencialistas e correntes existencialistas. Grosso modo, os essencialistas tentam definir o que significa ser humano, o que está no âmago de nós mesmos, enquanto que os existencialistas defendem que nossa existência cria nossa essência. Existe um certo antagonismo entre as duas formas de pensar, mas acho que isto seja bobagem. Sartre dizia que “a existência precede a essência”, mas também acreditava que nossa liberdade é meramente situacional, em que temos que escolher. Não vejo nenhuma contradição entre estas duas afirmações, pois é nas situações em que somos forçados a uma escolha que definimos nossa essência, apesar de já antes de nascermos termos pelo menos 50% de nossa personalidade determinada.

Os existencialistas em geral escrevem sobre angústia, náusea, desespero e doença, e acredito que não haja no mundo filósofos melhores do que eles para falar destes assuntos, pois eles realmente os vivenciaram. Entretanto, isto também os torna capazes de falar do outro lado da moeda. Nietzsche disse certa feita que não havia ninguém no mundo melhor preparado para falar sobre saúde do que ele, pois ninguém no mundo havia vivido tanto tempo de sua vida doente como ele viveu. Por trás dos textos desesperados, há uma mensagem de esperança. Para os existencialistas, o mundo é um lugar triste e mau, mas com um grande potencial para ser feliz e bom. Para que possamos transformá-lo, devemos primeiro transformar a nós mesmos, purificar-nos de nossos hábitos ruins e nossos preconceitos para então modificar o mundo. Na verdade, isto não é estanque como deve ter soado, pois o mundo muda ao nosso redor na medida em que nós mudamos. O mero desejo de transcender a si mesmo nada muda, mas ativamente buscar esta mudança faz uma grande diferença.

Para mim, o existencialismo é um convite, um desafio para crescer. Vivo em um mundo doente, desesperado e indiferente ao sofrimento alheio, mas estou a poucos passos de um lugar onde a saúde, a esperança e a compaixão governam, e depende apenas de mim mesmo fazer esta travessia. Abandonar o passado tenebroso para buscar o futuro brilhante através de um presente verdadeiro e criar uma existência nova das cinzas da antiga. Este é o desafio da Existência.




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1. As duas frases entre aspas neste parágrafo são de Sartre, mas não queria abrir um parênteses ali e quebrar a linha de pensamento ali presente com algo irrelevante.

2. O outro lado da moeda é o Humanismo, que também acredita na liberdade humana, só que é muito mais positivo em suas afirmações. Sartre escreveu um texto cujo título é “O Existencialismo é um Humanismo”, onde ele mostra que não existem tantas diferenças assim entre as duas “correntes”.

Justice for All

Uma noite de sono decente, finalmente.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Ciência e Religião

É inato no ser humano buscar a verdade – considero isso um fato universal a todas as pessoas de todos os tempos. Entretanto, o mesmo não pode ser dito dos meios utilizados para buscar essa verdade. Atualmente, existem dois caminhos majoritários, que apesar de não serem auto-excludentes, frequentemente são colocados como exatos opostos: ciência e religião. Ambos são meios válidos para apreender a realidade do mundo, entretanto, diferem radicalmente no modo de funcionar.

A ciência trabalha com hipóteses, e seu princípio fundamental é a dúvida, pois um “cientista sem uma questão não é ninguém” diria Aristóteles. Com base no falseamento, o cientista busca alcançar um conhecimento mais sólido e válido, partindo do que já era previamente conhecido. Trocando em miúdos, o cientista formula uma hipótese, desenvolve uma metodologia para testá-la e então, baseado nos testes empíricos, confirma, refuta ou reformula sua hipótese original. A religião, por outro lado, é muito mais simples: um representante do poder divino é imbuído com o conhecimento eterno, e então ele o transmite para outras pessoas, que acreditam ou não no que lhe dizem. Digo mais uma vez que ambos os caminhos são maneiras válidas para compreender a realidade e que não são conflitantes entre si, pois a natureza que ambos tentam apreender é qualitativamente diversa. Enquanto a ciência enfoca o mundo material e seus fenômenos, a religião explica o mundo imaterial, transcendente, divino.

O conflito que atualmente existe entre estas duas vias é o desejo político de alguns de, utilizando-se de seus métodos específicos, refutar os pressupostos do outro (1). Por exemplo, muitos cientistas de renome como Richard Dawkins tem efetuado o que se pode chamar de “cruzada” contra as igrejas evangélicas. Mas devo dizer que quem começou a briga foram os evangélicos, que querem a todo custo que seja ensinado nas aulas de ciências a Teoria do Design Inteligente – um nome bonito para Criacionismo – com status de igualdade com a Teoria da Evolução. Dawkins, um biólogo evolucionista, não poderia deixar barato.

E apesar de ter dito anteriormente que ciência e religião são caminhos igualmente válidos e que podem conviver pacificamente, acredito que não podemos confundi-los. Sendo mais específico, não podemos deixar a religião tomar o lugar da ciência, muito menos a ciência tornar-se uma religião.

Grosseiramente falando, a ciência lida com incertezas, e assim progride, trazendo maior conforto e saber para a humanidade, enquanto a religião lida com certezas, permanece imutável e dá segurança e solidez para aqueles que a procuram. Para quem estuda alguma disciplina científica ou possui um apurado pensamento lógico, é evidente que cada vez mais a ciência se encarregará de responder questões que anteriormente pertenciam à alçada da religião. A astronomia hoje é considerada uma disciplina solidamente estabelecida como ciência, e ninguém (de bom senso) questiona se a terra é redonda ou se o sol é o centro do sistema solar. Existem sólidas evidências que corroboram para que a Teoria da Evolução seja considerada “verdadeira”: descobriram-se muitos fósseis de animais extintos que deram “origem” a espécies atuais, foi observada a seleção das populações melhor adaptadas para viver em determinados ambientes e a extinção de espécies e subespécies mal-adaptadas ao seu habitat. Por ser impossível criar um experimento que manipule diretamente a Evolução, não podemos considerá-la uma teoria absolutamente comprovada, mas temos muitos motivos para acreditar que é uma metateoria boa demais para ser refutada. Contudo, Darwin é mais polêmico que Copérnico por que na Bíblia não há um tratado de astronomia, mas há uma descrição bastante detalhada de como Deus criou todos os animais em um dia, o homem no outro e descansou no último. Por refutar a história bíblica do livro de Gênesis, que narra a criação do universo, o Evolucionismo é uma heresia, e põe em xeque a fé de bilhões (2) de pessoas de que um Deus todo poderoso existe. Pessoalmente, acredito que a Teoria da Evolução não é tão poderosa assim, e não consegue refutar a existência de Deus. Ainda assim, considerando que muitas pessoas religiosas apresentam pensamento “preto ou branco”, falsear um aspecto menor de sua crença é o suficiente para deixar milhões em pé de guerra.

Utilizando-se do argumento de que a Evolução é “apenas uma” teoria dentre muitas, os criacionistas defendem que a Teoria do Design Inteligente (que um ser superior criara todos os seres vivos do planeta) deve ser ensinada como alternativa nas aulas de biologia. Já falei que a Evolução não é só “apenas uma” teoria, mas A Teoria biológica mais versátil e avançada de que dispomos, tanto que ela tem sido generalizada para muitos outros campos, entre eles a Psicologia. O Design Inteligente, por outro lado, é apenas a reformulação de um dogma milenar, que explicou e deu conforto para muitas pessoas no passado, mas que não possui nenhuma base científica sólida – apenas o desejo da parte de muitos para que seja verdade. Mas como disse John Adams, fatos são coisas teimosas, por que continuam sendo fatos apesar de nossa vontade.

Não concordo com tudo o que Dawkins e outros de sua classe dizem, mas acho perfeitamente razoável que eles armem um contra-ataque filosófico forte contra os crentes. Abandonar uma teoria versátil, dinâmica, flexível e que permite que inúmeras pesquisas novas se desenvolvam a partir dela, e substituí-la por outra engessada, rígida e tão conservadora que não permitiria nenhuma nova descoberta (3) seria uma catástrofe. Aplicar o rígido pensamento religioso para a ciência não pode trazer nada de positivo, justamente por impedir inovações, e estimular o comodismo intelectual.

E apesar desta minha apaixonada defesa do pensamento científico, sinto-me no dever de apontar os riscos que ele encerra. Considero a verdadeira Ciência inatacável, pois um cientista verdadeiro, comprometido com a busca da verdade, honesto consigo mesmo e com os demais beneficiará o mundo muito mais do que o prejudicará, creia ele em Deus ou não, pois sua conduta o coloca acima de disputas políticas mesquinhas. Por outro lado, muitos centros de pesquisa científica fazem qualquer outra coisa, menos Ciência. De fato, é muito comum uma disciplina anteriormente científica transformar-se em um culto organizado em torno de suas “descobertas”. O exemplo mais bem-acabado disto é a Psicanálise. Esta disciplina, criada no fim do século XIX por Sigmund Freud, tinha originalmente o intuito de estudar os processos psicológicos profundos dos seres humanos. Freud considerava o método científico o melhor disponível para estudar qualquer coisa, e a Psicanálise foi estruturada de forma a ser uma ciência natural. Se isso tornou-se realidade, é outra história. Como disse antes, a ciência lida com hipóteses mutáveis, e a religião lida com certezas permanentes. Freud aparentemente esqueceu-se disso, e quem quisesse se tornar um psicanalista deveria aceitar incondicionalmente os pressupostos psicanalíticos. Quem discordava deixava de ser discípulo e era expulso do clubinho. Adler, Jung e Reich que o digam. As contribuições do velho Sigmund para a Psicologia são inestimáveis, pois os questionamentos feitos por ele permitiram que muitas e muitas pesquisas novas florescessem, e o conhecimento que possuímos sobre nós mesmos seria muito menor se não fossem os insights freudianos. Entretanto, Freud poderia ter feito uma colaboração muito maior para a humanidade se tivesse considerado a possibilidade de estar errado em algum ponto de sua teoria, e a mantivesse aberta para reformulações propostas por outros que não ele (4). Hoje, a Psicanálise Freudiana Ortodoxa é considerada uma mera pseudociência.

Pseudociências, de maneira geral, são cultos religiosos que se passam por ciências sérias, cujos pressupostos são rígidos, inflexíveis e absolutos, além de contarem com um embasamento empírico muito duvidoso (5). O processo para tornar-se membro de determinado grupo ou movimento pseudocientífico é muito similar ao processo para tornar-se membro de uma igreja. Para poder entender as teorias dele, é necessário primeiro estudá-lo. Não apenas ler os artigos e pensar a respeito, mas fazer cursos, participar de conferências e perder um bom tempo lendo e relendo os textos mais básicos até entender. Depois de tanto dinheiro investido (por que, acredite, esses cursos não são baratos, pelo menos no caso da Psicanálise) e tempo utilizado para melhor compreender as idéias propostas pelo grupo, elas passam a fazer sentido para você – e este conhecimento te difere dos demais mortais e te eleva perante eles. Você se torna um igual perante os demais membros do movimento. Isto se chama “iniciação”. Depois da iniciação, você poderá ler os textos mais avançados, e tornar-se ainda mais erudito e entendido na teoria. Quem não segue este processo não está adequadamente preparado para criticar a teoria, mas o engraçado é que quem faz tudo isso não critica nada! É compreensível, pois deve ser bem humilhante ter que admitir que tudo o que se gastou e investiu foi inútil. É cognitivamente mais econômico ter certeza de que o que lhe ensinaram é absolutamente verdadeiro, e é mais carinhoso ao ego. Karl Jaspers, em seu livro “Introdução ao Pensamento Científico” cita o exemplo de uma discussão que teve com um psicanalista, que alegava que, uma vez que ele, Jaspers, se submetesse à análise, toda a teoria psicanalítica faria sentido para ele. Ou seja, ele precisava colocar-se em posição inferior e receber o conhecimento de fora. O bom existencialista questionou isso na hora. Afinal, qual é a diferença deste processo todo da crisma católica? Começa-se estudando a Bíblia, vai-se crescendo, e no fim do processo, recebe-se a crisma e torna-se um adulto perante Deus. Trocando “Bíblia” por “livro-texto”, “crisma” por “diploma” e “Deus” por “Chefe da Teoria”, temos essencialmente a mesma coisa.

Fazer a crisma não é algo inerentemente negativo, pois é um rito religioso que reconhece-se como tal, e não tem nenhuma pretensão científica (geralmente). Mas com as pseudociências, o buraco é mais embaixo. Estes iniciados em obscuras artes não se contentam em aprender a teoria, mas querem pô-la em prática, geralmente cobrando uma boa grana por isso. Aqui em Porto Alegre existia (ou existe) uma clínica especializada em curar síndrome de down através de exercícios de respiração. Quantas e quais pesquisas comprovam a eficácia destes exercícios? Nenhuma. Quanto deve custar para receber este tratamento? Muito. Levando em conta a relação entre custos e benefícios, é vantajoso para uma mãe desesperada pela condição de sua criança fazer um tratamento assim? Nem financeiramente, muito menos emocionalmente. É bem provável que algum iniciado em Dianética (a pseudociência por trás da Cientologia) possa colocar em risco o emprego, o negócio ou até mesmo a vida de alguém ingênuo o suficiente para pagar por seus serviços. Todo cuidado é pouco em situações como estas.

Os casos que citei são extremos, pois envolvem sentimentos e vidas de seres humanos. Entretanto, há casos mais sutis, onde a única morte é do espírito crítico de estudantes de Ciências Humanas, como Psicologia. Começa-se exigindo que se leiam todos os textos de certa disciplina para então poder criticá-la, que se faça referência aos autores que o professor quer, e pronto! Temos mais alguns seguidores da teoria, que a aceitaram apenas por que ela é misteriosa, complexa, e por ter lido tanto que se passa a acreditar piamente nela (6).

Mas, apesar de tudo que disse, acredito que seja possível que haja uma relação e uma intersecção saudável entre ciência e religião. Apesar de tentarem entender coisas diferentes de formas diferentes, ambas compartilham a busca pela verdade. A religião pode propor os desafios de pesquisa, enquanto que a ciência refuta suas hipóteses. Dogmas imutáveis trazem segurança, mas nos cegam para esta busca. Se as religiões forem capazes de tornarem-se mais flexíveis, autocríticas e questionadoras, provavelmente metade dos conflitos que enfrentamos no mundo hoje perderiam todo o sentido e acabariam. Seria bem melhor viver em um mundo onde as religiões são científicas, e as ciências não são religiosas.




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1. Também ocorrem pesquisas muito interessantes sobre aspectos neurológicos das experiências religiosas, mas que considero muito diferentes dos conflitos abordados neste post.

2. Talvez nem tanto, mas estou me baseando nas estatísticas de que 1,5 bilhão de pessoas são cristãos, e que todos acreditam em tudo o que a Bíblia diz.

3. Sério, alguém por favor me diz como eu posso fazer pesquisas utilizando os pressupostos teóricos da Teoria do Design Inteligente. Confirmações fuleiras da existência de Deus não contam como pesquisa.

4. Dizer que Freud não reformulou sua teoria da psicodinâmica é ignorância. A questão é que só ele podia fazer isto – os seus seguidores deveriam meramente acatar sua decisão.

5. Existem teorias que, apesar de não terem um bom embasamento empírico, seja por serem muito novas ou por não existir interesse em pesquisá-las, são boas e contribuem para o progresso científico. Para não ser injustos com estas teorias, os filósofos da ciência as chama de “protociências” – projetos de ciência. Frequentemente a Psicologia como um todo é considerada uma protociência.

6. Juro que nunca tive aulas assim. É sério.