segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Vida Dura (Parte 6)

Anteontem de tarde assisti o noticiário da RBS. É sempre surreal assistir um jornal (que na verdade se lê, mas isso não vem ao caso) falando sobre Flores da Cunha e Tramandaí com sotaque gaúcho. Mas não foi isto que me levou a escrever um post.

Uma das reportagens que passou era sobre como as praias do Litoral Norte estavam sendo invadidas por veranistas, a pior espécie de turista. Todas as imagens exibidas eram, no mínimo, desanimadoras: filas gigantescas nos restaurantes, mercados apinhados de gente querendo comprar Sundown e sorvete e praias lotadas de guarda-sóis de cores berrantes e gordos de sunga jogando frescobol, sem esquecer os já clássicos vendedores de milho cozido e sacolé. E apesar de eu ter pintado um inferno na terra (à beira-mar, claro), ninguém que a RBS entrevistou pareceu estar aborrecido na praia. Pelo contrário: não queriam estar em outro lugar. "A gente vem aqui pra relaxar, então tem que ficar calmo" disse um ser que esperava sua vez numa caótica fila de supermercado, com seu sorvete provavelmente derretendo. "Ai, nessa época do ano precisa dum solzinho, do barulhinho do mar" disse uma mulher pegando câncer de pele um bronze.

Pelo jeito, a praia opera milagres no humor das pessoas, pois só lá que elas conseguem relaxar. Ou seria mesmo? Asssitir a RBS falando de Tramandaí teve um sabor especial por que eu tinha recém voltado da praia, e estava feliz da vida por isso. Me pergunto porque a praia tem esse poder curador, que restaura a paz interior das pessoas, e as faz terem tanta paciência? Pelo que me parece, elas escolhem ficarem calmas na praia. Então porque não escolhem ficarem calmas em casa, em sua cidade natal? Talvez porque as pessoas são condicionadas a acreditar que praia é relaxante desde muito cedo, e se elas não conseguem relaxar, elas são problemáticas. Eu devo ser. Enchi o saco de praia já no segundo dia. Basicamente, a única diferença é que, ao invés de ficar coçand o saco em casa, se fica coçando o saco do lado do mar.

Tive muitos veraneios felizes, certamente. Mas isto se deve ao ambiente da praia ou por que eu tinha muitos outros motivos para ficar feliz? Pensem nisso na próxima vez que você estiver se fodendo na praia para encontrar um lugar para colocar seu guarda-sol ou em um engarrafamento na Free Way.

Minhas festas de Final de Ano

Nesta época de final de ano, as pessoas geralmente saem de suas cidades e vão para a praia ou qualquer outro lugar disponível passar o feriadão e assistir a queima dos fogos de artifício, comemorar as boas entradas, beber espumante (champanhe é bebida de rico ou biscoito vagabundo), essas coisas.

Mas eu não. Resolvi que vou ler os polígrafos que não consegui ler durante o semestre letivo. Isto é mais por motivos econômicos do que acadêmicos, pois como não tenho como devolvê-los ao fabricante, e não vale a pena tocar fogo neles sem ao menos saber se contêm alguma informação importante para minha vida (ou pelo menos divertida). Só o fato de eu ter postergado sua leitura para as férias deve indicar quão ruins eles são.

Boas entradas pra quem continua lendo isto aqui justamente no Ano Novo!

domingo, 30 de dezembro de 2007

Um pouco sobre mim mesmo

Depois de fazer as honras de apresentar nosso clubinho aos nossos leitores (provavelmente imaginários), acho que devo falar um pouco sobre mim mesmo. Tenho 19 anos, estou indo para o Segundo Ano do curso de Psicologia. O nome Andarilho eu escolhi para escrever em outro blog, o Roqueiro & Alcoólatra, onde ainda escrevo (pra caralho), e é. Sou um dos editores do jornalzinho Psiu!, participante ativo do Diretório Acadêmico de Psicologia (DAP), e não me prostitui para o CNPq ou para a Prorext. Ainda. 200 reais a mais no final do mês são sempre bem vindos.

Sou provavelmente o mais paradoxal amolador de faca, pois tenho muitos gostos diferentes e opostos. Digo que sou paradoxal e não contraditório por que paradoxos são harmoniosos apesar de díspares, enquanto contradições sempre envolvem atritos. Pensando bem, talvez eu seja contraditório. Se eu mudar de idéia eu aviso.

Gosto de Neurociências, Ciências do Comportamento, Ciências Sociais (especialmente Antropologia), Psicologia Fenomenológica (como Humanismo e Transpessoal), Psicologia Positiva e Parapsicologia, certamente o item mais controverso desta lista, tanto que por causa dele eu poderia ser tachado de "holista", uma das cinco palavras mais ofensivas para um Amolador de Facas (as outras quatro são "psicanalitico", "foucaultiano", "bobo" e "feio"). Gosto de polêmica, e Parapsicologia é polêmica, além de pesquisar um assunto muito interessante. Sou cético, mas não Cético, pois apesar de considerar muitas pesquisas como bobagens acadêmicas, não sou a favorde cancelá-las. Aliás, espero sinceramente que elas descubram alguma coisa útil (o que geralmente não acontece, mas quem sou eu para definir o que é útil e o que não é?).

Não gosto de donos da verdade, como o pessoal que ficou gritando pelo fim de pesquisas no Rio Grande do Sul estudando o cérebro de meninos deliqüêntes. Cito este caso como exemplo por que foi o que eu mais perdi tempo discutindo, e digo que perdi tempo por que não adiantou nada, pois os argumentos mais fortes que tive de rebater foram as afirmações de que eu era reacionário e fascista. Aliás, nem sei se a pesquisa passou pelo Comitê de Ética. Espero que tenha, mas isso não vem ao caso.

Me esforço em ser tolerante, mas ainda assim, não gosto de Psicanálise e psicanalistas, que muitas vezes mais se assemelham à videntes charlatões do que psicoterapeutas. Aliás, devo dizer que muitos Analistas do Comportamento agem da mesma forma que psicanalistas.

Provavelmente eu poderia falar mais a respeito de mim, mas acho que eu acabaria falando de assuntos que não interessam (neste blog pelo menos). Sei que pelo menos um amiguinho vai ter que tomar um vidro de Prozac inteiro depois de ler este texto (como geralmente ele faz quando deixo links "bonitinhos" em sua página de recados do Orkut), e que vai citar todos os meus holismos, e outro que vai, também enumerar os mentalismos que usei. Os dois são Amoladores, e estou só esperando que eles comecem a escrever aqui também

O que é um Amolador?

Considerando que este blog é completamente novo, sem nada de muito interessante para mostrar, acredito que devo, como primeiro membro a postar algo aqui, falar a respeito do nome do nosso blog: por que "Amoladores de Facas"?

Para começo de conversa, nós amoladores somos muito diferentes uns dos outros, mas temos pelo menos três coisas em comum. A primeira coisa em comum é que todos nós estudamos Psicologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, de agora em diante chamada apenas de UFRGS, URGS ou A Grande Mãe Urguis.

A segunda coisa que temos em comum é nossa parca paciência com certas linhas teóricas que existem dentro da Psicologia. Não tanto contra suas idéias, mas contra suas atitudes dogmáticas, avessas à mudanças e, mais importante, anticientíficas. Não é uma ou outra linha específica, pois cada um de nós tem um asco pessoal (eu por exemplo, tenho minhas diferenças com a Psicanálise a nós ensinada). Poderíamos chamar este ponto em comum de "Espírito Crítico". Nem por isso somos menos contraditórios, pois, por mais que detestemos discussões epistemológicas vazias, as quais gosto de chamar de "punhetas intelectuais" por apenas jogarem fora células saudáveis no lixo, sempre acabamos caindo nelas, e até criando blogs para facilitar nossas punhetas intelectuais!

A terceira coisa em comum é nosso espírito de porco. Nas salas de aula, geralmente escolhemos as mesas do fundo (sim, Amoladores e Turma do Fundão são quase sinônimos), para que tenhamos um local seguro para largar nossas bombas durante as aulas, conversar sobre Pokemons ou simplesmente dormir. Também temos um gosto especial em perder tempo com coisas inúteis, como criar escalas psicométricas que medem o nível de chinelagem acadêmica, desenvolver teorias sobre comportamentos sexuais em filhos únicos e outras bobagens igualmente inúteis. Nesta mesma categoria, posso dizer que não somos muito afeitos ao "bom mocismo" e atitudes politicamente corretas.

E apesar de ter dito que temos pelo menos três coisas em comum, nós temos uma quarta coisa também: geralmente, gostamos e defendemos as Ciências do Comportamento, as Neurociências, Psiquiatria e até as Engenharias. Por que? Por que ninguém além de nós gosta destas disciplinas lá no Instituto de Psicologia da UFRGS. E por que elas são legais.

Bem, até agora, falei da nossa personalidade debochada e dos nossos gostos em comum, mas não falei nada sobre o nome do nosso "clubinho". Afinal, por que alguém em sã consciência seria um "Amolador de Facas"? Eu explico.

No primeiro semestre de 2007, primeiro semestre na faculdade para muitos de nós, tivemos a grata satisfação de ler para a disciplina de Psicologia Social I um texto de um senhor considerado muito importante por muita gente, mas obviamente não por mim, considerando que já esqueci seu nome e o título do referido texto. Aliás, esqueci quase tudo o que aquele prolixo senhor dizia nele (não gostamos de gente prolixa, a propósito). Só lembro de uma coisa: que ele detestava as pessoas que ele denominava de "amoladores de facas". Segundo ele, amoladores de faca são os que afiam as facas que a sociedade disciplinar opressiva (ou alguma coisa do gênero) crava na barriga dos fracos. Estes amoladores são Psicólogos Comportamentais, Neurociêntistas, Psiquiátras, engenheiros e pessoas omissas que não fazem nada para impedir os "maudosos", toda essa corja que gosta de ser metódica ao invés de ficar fazendo poesia pra salvar o mundo. Por que pra salvar o mundo tem que ir pro lado "subjetivo" e só. Nada contra a poesia, mas ela sozinha não é capaz de fazer muita coisa, apesar do que nossos amiguinhos (adoramos chamar todo mundo de "amiguinho", igualzinho ao palhaço Gozo) dizem. Acreditamos que só podemos obter algum progresso na Psicologia com métodos rigorosos e disciplinados, sendo críticos em relação a nossas práticas e a nós mesmos, e que qualquer um pode fazer isto (psicanalistas inclusive. Ou já esqueceram do amigo John Bowlby?).

Bem, acho que consegui pintar um retrato mais ou menos acurado de nós mesmos e do que gostamos. Não espero que você, leitor desprevinido, goste de nossas opiniões e que volte sempre. Aliás, é muito provável que após ler nossos textos, você deixe um comentário desaforado e nunca mais apareça, exceto quando estiver de muito mau humor e com desejos de nos xingar (o sistema deste blog não permite comentários anônimos, já vou avisando). Aprendi que "debates de alto nível" geralmente não são tão alto nível assim, e que as partes envolvidas quase sempre levam o assunto para o lado pessoal. Mas eu gosto de agir como um idiota, e espero (sentado) que pessoas inteligentes e capazes de diferenciar assuntos teóricos de assuntos pessoais leiam e comentem nossos textos, contribuindo para nosso crescimento intelectual.

E já estou esperando um comentário listando todos os mentalismos utilizados neste texto, por que fui condicionado para tanto.

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Vida Dura (Parte 5)

Abri meu Gmail hoje, depois de uma semana. 28 novas mensagens. Já esperava por uma bomba dessas, considerando que estou em 4 grupos de discussão diferentes (2 deles produzem spam o suficiente para alimentar um país africano). Mas não quero ficar falando das porcarias que recebo por e-mail. Destas 28 mensagens, um número considerável era de mensagens de boas festas, feliz Natal, próspero Ano Novo... blahblahblah. O problema não é receber mensagens de fim de ano (recebi umas bem legais), o que me racha as bolas é que metade destes recados que recebo não foram escritos com amor e carinho especialmente pra mim, mas quem mandou, mandou igual para todos os seus amigos do orkut. Isto equivale a dizer "oi! Quero te desejar um feliz Natal, um próspero Ano Novo, que todos os teus sonhos se realizem, e te dizer que você é um amigo muito especial para mim, tanto que eu só te mando recados pelo orkut quando eu uso esses programas que enviam a mesma merda para todos meus contatos ao mesmo tempo".

Caro leitor, se você mandou uma destas mensagens pasteurizadas para seus amigos no orkut, e se eu for um deles, por favor, se quiser mesmo mandar recados de boas festas, escreva um para cada amigo seu. Mande só para os amigos mais próximos, mas não fique enchendo o saco do restante com frases enlatadas. Se você ficou ofendido, me delete do seu orkut. De qualquer modo, me incomodo menos.

domingo, 16 de dezembro de 2007

Um ano na Universidade Federal - Um Sorriso Triste

Entrei de férias este sábado. Esta data memorável marca o fim do meu primeiro ano letivo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Apesar de ainda ter alguns compromissos na faculdade, acredito que agora seria o melhor momento para fazer uma retrospectiva deste ano (nada a ver com aquele programa que o Bóris Casoy apresentava lá por 30 de dezembro na Record recapitulando todas as merdas que aconteceram no ano que está acabando). Primeiro por que, como estou de férias, tenho tempo de sobra para ler, treinar, ver filmes e escrever para o blog. Segundo, por que são duas da manhã e não estou com sono.

Antes de mais nada, falarei um pouco sobre o ambiente em que estudei este ano, e que continuarei estudando pelos próximos quatro anos. A UFRGS é uma universidade pública, e como bem definiu a Lady Hell, é um universo paralelo (sim, temos portais de teletransporte, mas não posso revelar os locais. E o atalho é Shift+T). Temos nosso almoço e nossa janta subsidiados, caminhamos por entre pesquisadores e laboratórios altamente equipados e cheios de verba, pipocam projetos de extensão por aí e o a única coisa que pode nos impedir de cursar todas as disciplinas obrigatórias e algumas eletivas a mais é o tempo, e não o dinheiro. Tudo é de graça ou extremamente barato. Coisa que não existe na UCS ou na Unisinos, particulares que conheci pessoalmente.

Claro, a infraestrutura da UFRGS é bem mais capenga do que a da Unisinos, que tem um campus central do tamanho de um parque temático, prédios bem pintados e canteiros de flores bem cuidados, ou do que a UCS, que tem até zoológico na cidade universitária e várias unidades espalhadas pela Serra e além. Mas, pelo o que tudo indica, um canteiro cheio de violetas em flor não é o que mais conta na avaliação do Ministério da Educação. Tanto é que a UFRGS é, segundo aquele listão do Enade que eu postei aqui, a UFRGS é a sexta melhor universidade do Brasil em cursos de graduação, e segundo o CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), de nível internacional em cursos de pós-graduação. Por mais que os instrumentos utilizados na avaliação sejam incompletos (e são, como todo instrumento de avaliação subjetiva), eles refletem alguma coisa da verdade. Realmente, estudo em uma das melhores instituições de ensino superior do Brasil. Em termos.

Temos professores muito bem qualificados, pelo menos aqui na Psicologia. 83% deles tem doutorado (40% destes com pós-doutorado), contra 31% de doutores na Psicologia da UCS. Mas e daí? Um colega de outra faculdade reclamou de uma professora dizendo que "ela tem uns 8 pós-doutorados mas não consegue nem dizer o próprio nome direito". Diz-se que as avaliações nas Federais são muito mais exigentes, pois ninguém tem o dever de passar o filho do ricaço, que paga uma banana para que seu filho vire "dotô". Não tenho como comparar por experiência própria, mas pelo o que meu pai, psicólogo formado pela UCS diz, eu estudo muito mais do que ele estudava. Em termos absolutos, posso dizer que eu realmente me ferro estudando para passar nas provas e nos trabalhos. Mas isto é mais por senso de dever do que qualquer outra coisa, já que na Psicologia da UFRGS, qualquer macaco bem treinado tira A. Eu mesmo não acreditava nessa afirmação há alguns meses atrás, mas um exemplo me mostrou que tem o seu fundo de verdade. Em um trabalho para uma certa disciplina, tinhamos que escrever artigos para uma página da internet, patrocinada por um certo departamento. Não gostava muito da disciplina, mas fiz meu trabalho como deveria. Na semana final de aulas, nosso colega que estava organizando o site falou que um de nossos colegas havia simplesmente copiado todo seu trabalho da Wikipedia, e não tinha nem ao menos se dado o trabalho de excluir os hiperlinks. Ao falar deste pequeno detalhe para a professora, teve como resposta "Ai, nem me fala quem é, para eu não ter que descontar nota".

Também se diz que nas Universidades Federais, os estudantes são mais esforçados e interessados, pois o vestibular extremamente concorrido seleciona os melhores. Aqui, não posso negar que eu e meus colegas somos excelentes no que fazemos. Existem exceções, mas acho que são irrelevantes para o argumento que desenvolvo. Lembra, na época de colégio, de Primeiro ou Segundo Grau, de quando tanto você quanto todos os seus colegas estavam completamente de saco cheio por causa de um professor ou atitude da diretoria? Provavelmente você passou por algumas situações deste tipo. Pois bem, lembra que você ou outro colega seu se decidiram a mudar a situação, e contavam com a ajuda dos outros para tanto? Se você já fez algo assim, deve lembrar até hoje do resultado como sendo nulo, pois na hora da verdade, os teus colegas, os chamados "revolucionários de corredor" (só tem atitude no corredor. Na sala com o professor são uns santos) te deixaram e nada mudou, exceto que você ficou com má fama entre os professores. Talvez tu tenha tido o apoio dos teus colegas, mas o mais provável é que tu tenha se fodido sozinho. Pois é. Estamos cheios de revolucionários de corredor na UFRGS. Não digo que estas pessoas sejam insinceras ou má intencionadas. Geralmente, realmente desejam mudar as coisas, mas não conseguem transformar seu desejo em ato. E ficam lá, resmungando sobre como as aulas são uma merda e como eles fariam melhor. Até o professor chegar.

Outro tópico interessante de ser analisado são as políticas estudantis. As palavras "Movimento Estudantil", "Liberdade", "Democracia", "Luta" e outras tão ou mais impactantes são repetidas como mantras para lá e para cá por vários líderes de movimentos, especialmente na época (anual) de eleição para o DCE. Não passa de fachada. Apenas na eleição que eu pude ver, vi as mesmas pessoas que falavam em democracia fecharem ou tentarem impugnar urnas que sabiam que iriam fazer uma votação pouco expressiva, e quando viam que alguém iria votar em outra chapa que não a sua, o chamavam de "fascista" ou "comunista" (talvez eu faça um post falando mais a respeito destas eleições). Sem falar nos cartazes espalhados por aí, com mais palavras de ordem e grudadas de tal maneira que só tocando fogo ou colando outro cartaz por cima pra tirar. A primeira opção é a mais divertida, mas a segunda é muito mais provável de acontecer. Na próxima eleição para o DCE.

Se você for um leitor atento, terá percebido que fui afunilando os assuntos abordados: primeiro as diferenças entre universidades públicas e particulares, a universidade pública e seus funcionários, os estudantes da universidade pública. Falta falar sobre o último, porém não menos importante nível desta escala: eu mesmo.

No começo, eu idealizava muito mais o fato de estudar na UFRGS. Em certas aulas, pensava "nossa, temos aula com alguém que pesquisa sobre o assunto, e não alguém que leu em um livro". Também achava que ter aulas com um monte de doutores, que além de darem aula para nós davam aula na pós-graduação era o máximo. Considerava os estudantes da UFRGS muito mais ativos politicamente do que os estudantes das particulares próximas. Este um ano na Universidade Federal do Rio Grande do Sul me tornou muito mais pragmático e cético. Talvez até cínico. Às vezes, alguns colegas meus vinham me dizer que queriam colaborar com o DAP (Diretório Acadêmico de Psicologia), ajudar na editoração do nosso jornalzinho, o Psiu!, entre outras coisas. No começo do ano, me empolgava com a idéia de ter mais alguém ajudando, mas quase sempre me frustrava com o fato de que a pessoa não cumpria o que havia prometido (muitas vezes, só eu ficava frustrado). Um caso bem ilustrativo disto foram as inscrições para as comissões do diretório. A comissão com o maior número de membros era a Comissão de Eventos. A que organiza as festas. Mas como o pessoal não sabia que "fazer festa =/= organizar festa", só um ou dois continuam participantes ativos. No começo do ano, isto me deixaria louco, indignado com a falta de comprometimento dos outros. Agora, quando fico sabendo de casos parecidos, apenas esboço um sorriso triste e digo "previsível". E vou fazer algo de útil.

Não deixei de ajudar e encorajar os colegas que querem trabalhar e fazer algo de bom para nossa comunidade, seja ela a comunidade acadêmica ou a cidade de Porto Alegre como um todo. Apenas sei que, por mais sincero que seja seu desejo de ser útil, é bem provável que ele não seja mais forte do que a inércia que os mantém parados.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Sonho de uma tarde de verão

Oficialmente, hoje é meu penúltimo dia de aula. Extra-oficialmente, já tô cagando para as aulas. Faltam só dois trabalhos para entregar, e então, UFRGS só ano que vem.

Tinha esquecido como era boa esta época do ano. Faz um ano desde a última vez que tive férias em dezembro. Poder olhar para os papais nóeis escrotos abraçando criancinhas, as árvores de natal feitas com materiais catados do lixo (vide a árvore de natal feita com caixas de leite em Caxias), as lâmpadas coloridas piscando nas sacadas dos prédios, o sol quente de verão... como é bom olhar tudo isso e pensar "tô de férias".

Essas pré-férias já estão me influenciando. Terminei de ler um livro e recomecei a ler outro enquanto ia para o Campus do Vale (no ônibus errado, o que me fez gastar um vale-transporte por nada). Voltando ao Instituto, encontro um colega meu abastacendo a geladeira para a festa de hoje a noite com cerveja o suficiente para alegrar um batalhão. Não sei como conseguimos colocar tantas latinhas dentro daquela geladeira velha sem quebrar as prateleiras vagabundas e fechar a porta (que tem cerveja até no compartimento pra guardar ovo). Vou tirar uma foto e colocar aqui. É lindo.

Tenho uma última aula de Fisiologia hoje de tarde e depois, que venha (por e-mail) a prova. Sexta-feira, um último trabalho de Constituição do Sujeito Psíquico (sim, esse é o nome da disciplina), e fin. Se eu sobrevivi até aqui, eu sobrevivo até amanhã.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Malandragem

Hoje tive a prova final da cadeira de Alemão Instrumental. Demorei pra cacete para terminar tudo, tanto que quando saí, não dava mais para chegar no Campus Saúde e almoçar no RU. Como já estava tudo cagado mesmo, decidi ir na PUCRS, para pegar o certificado de uma atividade de extensão que rolou por lá em setembro (não vou nem comentar a demora para os certificados ficarem prontos).



A PUCRS é um universo muito diferente da UFRGS. É um campus gigantesco, bem no meio de Porto Alegre, cheio de prédios chiques, gente muito bem vestida caminhando sobre um chão muito bem pavimentado com pedras quase brancas. Parece bobagem, mas a pavimentação do campus da PUCRS é o que mais me chama a atenção quando vou lá. Os campi da UFRGS são sempre cheios de grama ou cobertos com pedras bem velhas, escuras, ou paralelepípedos putaquepariumente tortos.



Enfim, a PUCRS deixa bem claro que é uma universidade particular, e que as mensalidades estão sendo bem utilizadas para manter o visual clean de sua sede. Mas não foi isso o que mais me chamou a atenção enquanto caminhava por lá.Em vários pontos estratégicos do campus, havia um cartaz que era exatamente assim:



PUCRS
A melhor
universidade

privada da região sul



Para entender melhor por que decidi escrever um post sobre um cartaz da PUCRS, afaste-se da tela do computador e tente ler o que está escrito. Obviamente, você só vai conseguir ler "PUCRS, a melhor universidade".



Veja bem a malandragem dos padres maristas: eles não mentem, mas fazem um transeunte desatento pensar "A PUC é a melhor universidade? Nooooooossa!" Eu, desconfiado que sou, quando vi o cartaz pensei "isso é como propaganda de cerveja. Só tá faltando o 'aprecie com moderação' bem escondido". Dito e feito. Se o transeunte fosse tão desconfiado quanto eu, iria se aproximar do cartaz e ler a ressalva: privada, e da região sul. Que eu saiba, a melhor universidade privada do Brasil é a PUC, mas a do Rio de Janeiro.



De qualquer forma, talvez a PUCRS não seja a melhor universidade, mas pelo menos a Faculdade dos Meios de Comunicação (Famecos) é muito boa, pra sair com uma dessas.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Vida Dura (Parte 4)

Neste exato momento, estou respondendo um questionário de 33 questões realmente complicadas a respeito da metodologia de pesquisa em Psicologia. Destas 33 questões, 4 ou 5 cairão na prova de segunda-feira sobre este assunto. É uma loteria. Você pode escolher responder apenas 5 e torcer para que todas caiam, ou responder todas e ficar mais seguro.

Optei pela segunda opção.

Enquanto discorro sobre as vantagens e desvantagens do uso de enquetes para pesquisas em Psicologia, duas perguntas pessoais martelam minha mente (este construto cretino): irei bem na prova? Afinal, nada me garante que eu lembre das questões que cairão na prova, ou, mesmo que eu lembre, que eu respondi elas corretamente enquanto estudava.

Minha nota está diretamente ligada à resposta desta pergunta: se lembrar na hora e estiver certo o que lembrar, vou bem. Caso contrário, fodeu.Mas é a segunda pergunta que me preocupa mais. Depois de tantas horas respondendo estas 33 questões, terei eu realmente aprendido alguma coisa?

Esta pergunta me leva a outra, muito mais importante: daqui a 4 ou 5 anos (ou mais), quando tiver meu diploma em mãos, vou saber alguma coisa de verdade ou serei só um papagaio de algum professor do Instituto?

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Vida Dura (Parte 3)

Apesar de posts anteriores aparentemente degradarem a imagem infantil, eu respeito imensamente as crianças. Afinal, eu também já fui uma. E devo dizer, ser criança é mais difícil do que pode parecer para observadores externos. Uma das épocas mais tenebrosas é o Natal. "Mas é quando as crianças mais ganham presentes, Amiguinho Andarilho!" Verdade, meu astuto amigo imaginário (que de agora em diante chamarei de Bob. Bob Alhão). Mas para que elas possam receber os cobiçados presentes (o CD do RBD, a fantasia de RBD, a boneca do RBD, o vibrador do RBD... et cetera) elas precisam passar por provações quase infinitas.

A mais dura pela qual tive que passar foi cantar no coral de Natal da escola. A professora que organiza este tipo de bobagem geralmente é uma senhora de 50 anos, 30 destes dedicados ao magistério, lendo livros do Paulo Coelho e de educadores de formação psicanalítica (péssimo). Ou seja, nada que preste. Então, para sublimar sua libido, elas inventam alguma merda para seus aluninhos queridos fazerem, como cantar músicas escrotas de Natal (perdoem a redundância). A seleção musical é sempre a mesma, o que me leva a acreditar que estas senhoras compartilham de apenas um cérebro coletivo, cujo uso pessoal está condicionado à um sorteio semanal. A música mais clássica de todas é a "Música da Família". Sim, caro amigo, você pode não se lembrar, mas já cantou esta obra de arte para centenas de pessoas, entre elas pais entusiasmados a filmar, irmãos mais velhos entediados e namorados de irmãs mais velhas querendo ganhar uns pontos com o sogrão. Caso você não lembre desta maravilha sonora, relembrar é viver! Acompanhe a melodia e cante junto. Isto não aconteceu uma ou duas vezes comigo, mas várias vezes. Como nosso colégio não tinha um auditório, iamos nos apresentar na escola Cristovão de Mendoza.

Mas meu espírito de fogo se revoltou contra esta situação, e em um certo ano (acho que foi na quarta ou quinta série), nos revoltamos, e ficamos rindo e cutucando o microfone no meio da música. Foi divertido pra cacete. O que não foi divertido foi a psicóloga da escola, Vânia, por nos chamada de Fânia, devido ao seu pouco entrosamento com os outros trabalhadores da área da saúde, fonoaudiólogos principalmente, nos puxando pelo braço e nos botando de castigo num canto escondido da platéia. Também não foi divertido o outro castigo que eu tomei do meu pai (sempre ele. Começo a pensar que Freud estava certo) por este desrespeito ao sistema. Fiquei um mês sem videogame. Ou uma semana. Sei lá. Isso não importa mais. O que realmente importa agora é que tive que me comportar como um bom menino em uma outra apresentação, desta vez nos pavilhões da Festa da Uva para algum outro feriado besta. Mas então já era tarde. Eu já era um cretino de carteirinha. E eu ganhei presente igual. Enganei Papai Noel.

Vida Dura (Parte 2)

Lavar louça. Eis um serviço ingrato. É só você terminar de lavar todos os talheres, todos os pratos e todas as panelas que chega a hora do almoço e você tem que sujar tudo de novo.

Raramente lavei a louça enquanto morava com meus pais. As vezes tomava vergonha na cara depois de um esporro paterno sobre como "eu era mimado e não ajudava em nada com a organização da casa". Claro que eu ajudava! Eu não bagunçava mais do que o necessário. Mas isso não vem ao caso agora. Achava uma merda ter que lavar a louça. Pra ser sincero, ainda acho. Mas agora não tenho muita escolha, pois ou eu faço este trabalho ou a casa fica com cheiro de esgoto por uma semana. Acabo de lavar um pote que serviu para transportar lingüiças fritas. Sexta-feira. Não consegui lavar tudo a tempo depois da aula antes de pegar meu ônibus (que, diga-se de passsagem, eu perdi). Ficou tudo parado, por três dias, apodrecendo. Quando voltei para Porto Alegre, senti medo ao olhar para aquele pote. Senti medo de que, ao abrí-lo, uma lingüiça mutante pularia no meu pescoço falando "pa...pai, pa...pai!" e arracaria minha jugular. Felizmente, mantive meu rosto (e principalmente meu nariz) afastado do pote e esfreguei-o com toda a força que pude (ele ainda está cheio de graxa, a propósito).

A pia não colabora com o andamento das coisas. O balcão para deixar a louça suja é muito apertado, o que me obriga a deixar muitas coisas dentro da pia em si, impedindo o escoamento da água. Suja. Engraxada. Nojenta. Que fica emporcalhando o resto da louça. Então, eu me obrigo a deixar os pratos em cima do balcão, as panelas em cima do fogão, os copos dentro da pia propriamente dita e os talheres dentro de copos ou panelas cheias de água (pra sujeira desgrudar, pois a relação de apego entre a comida e o talher se tornam muito fortes depois de três ou quatro dias juntos. É mais difícil que separar mãe e bebê. Winicott e Bowlby são para os fracos. Os fortes lavam louça).

O ralo da pia é outro problema. Tem uma gradezinha protetora que em teoria impede que resíduos mais largos de comida não caiam no ralo, mas isto é só em teoria, por que aquela porcaria de grade sempre sai do lugar por causa da água caíndo da torneira ou das panelas. Já tentei todo o tipo de técnica para impedir que isto aconteça, mas nenhuma é satisfatória: não deixar a água cair diretamente em cima do ralo, espalhar a água dentro das panelas em círculos dentro da pia, abrir a torneira apenas de leve... sempre a gradezinha sai do lugar. Neste exato momento, uma avançada civilização de germes de carne e queijo se desenvolve no cano da pia da cozinha. Preparem-se, o deus deles já disse que ele quer que eles conquistem o mundo e façam sacrifícios humanos diários em seu nome. E eu vou ter que chamar o encanador.

Vida Dura

Uma coisa que nunca entendi é o fascínio feminino por bebês pequenos. Não estou falando de mães de recém-nascidos que vivem quase que uma simbiose com seus filhos (até porque isto é esperado e necessário), estou falando de integrantes do sexo feminino, de 6 à 60 anos, que não têm filhos por perto pra ficar mostrando. Observe bem a reação da mulherada* a próxima vez que aquela colega que saiu em licença-maternidade ou o pai babão levarem o pimpolho para exibição: a grande maioria das mulheres vai pular em cima, querer segurar, abraçar e dizer "Qui coisinha maix lindinha!" ou "mas é a cara do pai!"

"Coisinha maix lindinha"? Só se for mais bonito que meu joelho. Bebê é tudo igual: nasce tudo com cara torta. Entendo que as mães e os pais os achem as coisas mais graciosas do mundo, mas, por Deus, eles são pais de um recém-nascido! Vocês esperariam outra reação?Mas e o resto das mulheres? Por que a súbita perda de capacidade discriminativa quando aparece um ser humano com menos de 2 anos por perto? Questões evolutivas? Não sei, mas até ontem eu achava que os abobados eram os primeiros a serem pisoteados pelos mamutes no tempo das Cavernas, ou os primeiros a comerem os cogumelos vermelhos com bolinhas brancas. Coisas que eu imagino que uma integrante do sexo feminino faça quando aparece um bebê por perto.

Tudo que os pequerruchos fazem é bonitinho. Tudo mesmo. Olhou para alguém? A reação é "Oooooh, ele gostou de mim! Que bibito!" Começou a chorar? Sempre vai aparecer a voluntária pra dizer "aaaaah, tadinho! " e pegar no colo. Arrotou? Todo mundo acha uma G-R-A-Ç-A. Aposto que se fosse eu de fraldas, cagando, peidando, arrotando e chorando por aí no colo do meu pai (por que duvido que minha mãe consiga me carregar nestas alturas do campeonato) ninguém ia achar bonitinho. Isso é injusto. E idiota.







*alguns homens também fazem isso, mas como os homens são seres infinitamente mais simples do que as mulheres, seu comportamento é compreensível: eles querem mostrar para a mulherada extasiada com o PpP (Pirralho por Perto) que eles também são sensíveis, e ganhar alguns pontos com elas. Assim, eles poderão talvez pegar uma delas, engravidá-la, levar seus filhos para o serviço e continuar com este ciclo de imbecilidades, e talvez ajudar algum outro marmanjo.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Coisas que aprendi na Faculdade - Coletânea 2007

11/03/2007
- Domingo passado mudei-me para Porto Alegre, depois de conquistar uma vaga no curso de Psicologia da UFRGS. Divido um apartamento com outro estudante, de engenharia civil. Faz uma semana que moro longe de meus pais, e neste curto espaço de tempo, aprendi uma importante lição: o fogão não se concerta sozinho. E também não liga sozinho.

12/03/2007
- Atenção para todos os preguiçosos que não encontraram coragem e paciência para ler meus posts tamanho QE (Quilômetro Esticado): Se você pensa em cursar faculdade de Psicologia, e pensa em fazer na UFRGS, desista: só hoje, primeiro dia de aula propriamente dita, nos passaram mais de 60 leituras recomendadas. E eu vou ler todas.
E a propósito: apesar do Huginn ter me dito que posts quilométricos assustam uma boa parcela dos nossos leitores, ainda pretendo fazer um post mais elaborado sobre a minha rotina na universidade no futuro (quando eu tiver uma).
- Hoje aprendi mais uma importante lição na minha jornada na Federal: o tio do xerox é amigo. Da sua carteira.
- Mais uma lição da UFRGS (mais especificamente da Fabico) para a vida: a melhor defesa de um veterano é o recalque.

13/03/2007
- Catatonia é uma defesa natural do ser humano.

14/03/2007
- Café+Nestea=Red Bull
- Quando for lavar a louça, use um avental para não molhar ou sujar a roupa. Caso você não queira sujar o avental, tire a camisa.

15/03/2007
- O Cantinho do Xerox é melhor lugar para socialização de toda a faculdade. Afinal, toda e qualquer pessoa ligada ao instituto terá que, cedo ou tarde, passar por lá e esperar ser atendido. Aproveite e converse.
- Ou chá gelado é uma bebida muito mais popular do que eu imaginava, ou o distribuídor sofre de sérios problemas logísticos.
- Nunca faltará um boteco perto de uma faculdade. O dia que isto acontecer será o dia do Apocalipse.

19/03/2007
- Uma linha tênue diferencia uma discussão acadêmica de uma discussão de boteco. Esta linha é a cerveja.
- Amanditas expostas à altas temperaturas (mais de trinta graus celsius) ficam com o recheio cremoso.
- Sempre agradeça a Deus pelo Ego das pessoas ser uma substância etérea, ou caso contrário seria impossível entrar em qualquer prédio de universidade.
- Professores universitários são inteligentes, mas não necessariamente organizados, de especial maneira com suas leituras recomendadas e xerox.

20/03/2007
- Postar todas as idéias que vêm à sua cabeça tudo no mesmo dia não é bom.

21/03/2007
- É impressionante como um crachá te deixa com cara de importante.

26/03/2007
- Panelinhas são inevitáveis, porém é possível pular de uma para outra.
- Os arredores de um campus universitário sempre são muito interessantes.

29/03/2007
- Democracia não funciona quando o assunto é festa e cerveja.

04/04/2007
- Quando você decidir fazer feira, escolha VOCÊ as coisas. E pechinche. Desnecessário dizer que não fiz nenhuma das duas coisas hoje ao comprar frutas levemente batidas.

05/04/2007
- Aprendi, logo na segunda semana de aula no Instituto de Psicologia, durante as aulas de Filosofia e Psicologia, uma palavra maravilhosa: empírico. Algo é empírico quando é testado cientificamente, e pode ser reproduzido por qualquer pessoa no mundo. Por exemplo: é empírico que se você jogar uma pedra para cima, ela cairá logo em seguida, por causa das Leis da Física.

Claro, o exemplo dado é óbvio, mas há outros casos em que a palavra "Empírico" pode ser usada. E é especialmente divertido dizer "É EMPÍRICO PORRA!" para coisas imbecis, sexistas e preconceituosas em geral, como "Mulheres tem o cérebro do mesmo tamanho do de um esquilo. É empírico!" ou "Todo homem, quando tem a oportunidade de namorar uma menina, come ela. É empírico!"A parte mais divertida é gritar num boteco, depois da quinta cerveja algo como "He-Man era um boiola. Isso é empírico, porra!"
Aiaiai... os prazeres de fazer Psicologia.
- Só existem duas profissões no Canadá: lenhador e urso. Para ser urso, é necessário fazer um curso de especialização.
13/04/2007
- Viva o espaçamento entre linhas 2!
04/05/2007
- Os viadinhos do curso revelar-se-ão com o tempo.
- O mundo parece muito mais sombrio quando a lâmpada do seu quarto queima, e você acha mais importante estudar (na sala) do que comprar outra. Mas amanhã de tarde eu compro outra. Se eu não mudar de idéia. Não vai ser a primeira vez que fico sem luz no meu quarto por pura inércia.
06/05/2007
- Trecho do artigo "O Estranho", de 1919, escrito por Sigmund Freud:
"Em certa tarde quente de verão, caminhava eu pelas ruas desertas de uma cidade provinciana na Itália, quando me encontrei num quarteirão sobre cujo caráter não poderia ficar em dúvida por muito tempo. Só se viam mulheres pintadas nas janelas das pequenas casas, e apressei-me a deixar a estreita rua na esquina seguinte. Mas, depois de haver vagado algum tempo sem perguntar o meu caminho, encontrei-me subitamente de volta à mesma rua, onde a minha presença começava agora a despertar atenção. Afastei-me apressadamente uma vez mais, apenas para chegar, por meio de outro détour, à mesma rua pela terceira vez."
O que aprendemos com este texto? Sigmund Velho de Guerra ia pra Itália pra cair nas bocas, e de quebra, arranjar assunto para seu próximo artigo!
15/05/2007
- O Inconsciente é um lugar escuro e anárquico, onde todas as coisas são jogadas; O DAP é um lugar escuro e anárquico, onde todas as coisas são jogadas; O DAP é, portanto, o Inconsciente. Eu tenho a chave do DAP; A chave do DAP é a chave do Inconsciente; Se eu tenho a chave do Inconsciente, eu sou o Ego. Se eu sou o Ego, mas eu uso uma camisa do Superman, não sou mais apenas o Ego, mas o Superego. Conclusão: Psicanálise no Primeiro Semestre é uma cousa de louco.
13/06/2007
- Omelete com presunto e queijo (peito de peru, no meu caso) é o alimento mais completo para universitários do sexo masculino.
22/06/2007
- Janta no RU: 1,30
Suco do RU: 0,30
Comer musse de chocolate de sobremesa no RU: Não tem preço
Existem coisas que o dinheiro não compra. Para todas as outras, a Mãe UFRGS te consegue um descontão.
12/08/2007
Dicas de Ouro para a UFRGS
1- Campus do Vale:
A) Não pise na grama do Campus do Vale. Os cachorros cagam nela. Muitos cachorros.
B) Não importa qual o seu curso, ou quantas vezes você vai para o Vale por semana, o Homem das Pastilhas vai te abordar com a famosa frase "Compra uma balinha pra ajudar o amigo?" ou "Tem um V.T.* pra ajudar o amigo?". Esteja preparado.
C) Se você sentir um cheiro forte de queimado em algum lugar mais isolado do Vale, não tenha dúvida: é maconha.
D) Quer almocar por R$ 1,30? Entre na fila cedo.
E) Prepare-se: o Vale é o lugar das revolucões estudantis. Semanais.
2- Campus Saúde:
A) Não tente atravessar o campus para chegar mais rápido do outro lado, a não ser que você esteja disposto a pular algumas muitas grades.
B) A Medicina reina no Saúde, e de modo geral, na saúde inteira também. Por isso, todos os prédios do campus terão, pelo menos, um andar inteiro dedicado exclusivamente à Medicina.
C) Use o seu cartão universitário pendurado como crachá, pra ficar com cara de "dotô".
D) Desconfie de quem usa crachá do Hospital de Clínicas. Ele provavelmente se tornará um médico. Ou enfermeira(o), mas mesmo assim, não dê sorte para o azar.
E) Ao contrário do Campus do Vale, o Campus Saúde tem muitas alternativas para rango, pois há sempre um bar por faculdade. O melhor de todos, claro, é o da Medicina. O pior, claro, é o da Psicologia.
F) Idolatre Folha e Pretinha, os cachorros vira-latas do campus.
G) A FABICO** (Faculdade de Bilhar e Confraternizacão) oferece uma série de cadeiras sui generis para todos estudantes da UFRGS: Sinuca em Condicões Adversas I, II, III e "Mais que 3 em números romanos".
H) Os administradores das faculdades deste campus são os mais cagados de toda a universidade. Portanto, tenha sempre sua carteirinha em mãos se quiser entrar em qualquer um dos prédios.
3- Campus Centro:
A) O lugar é velho. Brinque de "Indiana Jones e as Ruínas Gaudérias" enquanto você fica perdido ali dentro.
B) Tal como no Vale, o Centro é terreno fértil para agitacões estudantis.
4- Campus Olímpico (ESEF):
A) Fique gritando por "RU na ESEF JÁ!" sempre. Mesmo que o reitor já tenha se comprometido a construir um até o final do ano.
B) Aliás, fique gritando "RU na ESEF JÁ!" mesmo depois que o RU tiver sido construído.
5- Instituto de Artes:
A) Cuidado: o teto pode cair no seu cucuruto a qualquer momento.
B) Se quiser colar um cartaz em algum mural, você terá que preencher um formulário, mostrar a autorizacão da reitoria e acender uma vela para Santo Expedito. E torcer para que o funcionário que cola os cartazes não esteja de greve.
_________________________________
*V.T. - Vale Transporte. O Campus se chama "do Vale" por que você à falência sem as fichinhas rosas que te garantem meia passagem.
**Também conhecida por FABICOnha e FABICanha.
13/08/2007
- A faculdade pode ter Data Show em todas as salas, mas isto não quer dizer que todos funcionem perfeitamente. Manutenção é coisa de frutinha.
15/08/2007
- Lei de Murphy para universitários: Quando você estiver em dia com as leituras das aulas, todos os seus professores, ao mesmo tempo, vão resolver passar 2 textos a mais para o dia seguinte. Como diria o formando Tales: "Gurizada, xerox é enganação. Peguem só a metade dos xerox que os professores dão, e leiam só a metade do que vocês pegarem. Pensando bem, peguem só um quarto dos xerox."
20/08/2007
- No início do ano, meu professor de Filosofia disse que nos tornaríamos desonestos ao longo do curso. Por causa da carga de leituras absurda, iríamos matar aulas para ler, ler durante as aulas ou mesmo deixar de pegar polígrafos por não gostarmos da cadeira/professor/assunto/pressão atmosférica. No final de semestre, juntando tudo isso com os trabalhos e provas, faríamos muito pior. Não acreditei. Ele estava certo.
03/09/2007
- Se a professora passar um trabalho de relacionar dois textos diferentes, não seja pão-duro e gaste dinheiro pegando o xerox que ela deixou na pasta, pois, muito provavelmente, o xerox virá com as partes sublinhadas pela própria. O que poupa muito trabalho.
- 10 dicas para quem quer comer no Bistrô Le R.U. (Restaurante Universitário) da UFRGS:
1) O R.U. é um local de paz e harmonia. Tenha isto sempre em mente.
2) Quando for se servir de feijão, passe a concha no fundo do panelão para pegar mais sementes de feijão.
3) Ao se servir de carne, tente pegar os pedaços que ficam no fundo, pois eles se conservam quentes e absorvem mais molho, além da possibilidade maior de achar um bifão.
4) Lembre-se que você só pode, pelo menos legalmente, pegar um pedaço de carne por refeição. Por isso, prefira os bifes "dobrados", pois eles tem muito mais carne do que aparentam (e uns nervos aqui e ali).
5) Se a "carne do dia" for servida por algum funcionário do restaurante, dê uma choradinha por um pouco mais. Nunca se sabe se ele vai atender seu pedido e reforçar sua dieta.
6) Não procure descobrir qual o sabor do suco do dia. É sem graça. Compre seu suco e tente adivinhar o sabor (ou inventar).
7) A carne de boi do R.U. é preparada especialmente para exercitar sua mandíbula.
8) A colher serve para comer qualquer fruta que tiver na sobremesa, inclusive laranjas (sério).
9) De vez em quando, aparece pudim ou alguma coisa gostosa do gênero, como sobremesa. Aproveite e chore o quanto puder por uma porçãozinha maior.
10) Por último, lembre-se: coma a comida antes que ela coma você.
11/09/2007
- "Democracia" é o poder do Demo.
22/09/2007
- Lembre-se sempre de comer. Não deixe a faculdade interferir em sua alimentação.
03/12/2007
- Nenhuma afirmação que comece com "Primeiro a gente compra um Del Rey e..." pode prestar. O mesmo é válido para "a gente fala com uns agricultor..." (Duarte et al, 2007).

sábado, 22 de setembro de 2007

O Ministério da Saúde adverte

Preciso escrever alguma coisa. Qualquer coisa, mesmo que besta. Passei o dia de hoje inteiro debruçado sobre questões de metodologia de pesquisa em Psicologia, e por mais que eu ache o assunto interessante e importante para minha futura profissão, precisava dar um basta em todo trabalho e parar para descansar um pouco. Dei-me conta, de maneira muito brusca, que não comi nada substancial o dia inteiro, não escutei música, não fiz absolutamente nada além de estudar. E o engraçado é que só notei tudo isso após constatar que a qualidade do meu trabalho estava decaindo.

Fiquei surpreso com a minha determinação em terminar de responder todo o questionário da prova. Não muito tempo atrás daria prioridade máxima para qualquer coisa fora os estudos (como descongelar o freezer da geladeira, por exemplo). Mas hoje fui para o extremo oposto, e esqueci de comer. Sim, esqueci de satisfazer uma necessidade fisiológica básica! Que determinação doentia apossou-se de mim?

Decidi então fazer alguma coisa para comer, descançar, cair um pouco em estado de ócio criativo. Ficar algum tempo sem fazer nada objetivamente útil é muito importante para a saúde física e mental de qualquer um. Só depois de ter tomado essa decisão meu mundo parece mais leve. Fico até em dúvida sobre o que fazer: Ler um livro? Tenho vários na lista do "Por Ler". Olhar algum filme? Também tenho muitos desses aqui em casa. Decidi primeiro escrever alguma coisa para o blog, que precisava ser atualizado, afinal ficamos quase 4 dias sem atualizações até o Rainmaker se coçar e por alguma coisa.

Em todo caso, o post desta vez vai ser curtinho (algo raro para meus padrões). Só vou dar um conselho para quem estiver lendo isto: lembrem-se da Pirâmide de Maslow.

Agora, dá licença que eu tenho que descansar.

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

A Verdade me confunde

ATENÇÃO: o seguinte texto não é engraçado. Se você procura rir, ignore-o.

A história da Psicologia no Brasil é muito interessante e curiosa, pois seus cursos de graduação foram criados por interesse e iniciativa não de psicólogos, mas acadêmicos de outras áreas, interessados em estudar a mente humana usando as ferramentas à sua disposição. Este quadro criou uma certa dicotomia, pois, os cursos eram criados ou em instituições universitárias de ciências naturais, como Medicina ou Biologia, ou em faculdades de ciências humanas, em especial de Filosofia. Acredito que seja desnecessário falar a respeito das diferenças práticas e teóricas existentes entre a Medicina e a Filosofia. O curso de Psicologia da UFRGS foi criado com o Departamento de Psicologia, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, sendo que tornou-se um Instituto em separado apenas em 1996.

Como bem disse minha professora de História da Psicologia, nosso curso é único, pois só nós temos aulas de Fisiologia e Filosofia na grade curricular. Vamos de um extremo a outro com muita facilidade: do cientificísmo puro e aplicado, até quase o esoterismo. Tudo isto pode ser enquadrado na Psicologia. Talvez esteja exagerando, mas isso não ao caso. O que importa no momento é que somos apresentados a uma vastíssima gama de teorias paralelas altamente discrepantes entre si. Todas elas se sobrepõem em algum momento, explicando o mesmo fenômeno de maneiras completamente diferentes. E não podemos descartar nenhuma teoria, pelo menos não completamente, pois dada a dificuldade de estudar algo tão abstrato e elusivo como a mente humana, dificilmente temos os meios de refutar ou comprová-las. Talvez até possamos, e este é o ponto que quero tocar.

Escrevi os dois primeiros parágrafos inteiros apenas para demonstrar que sofremos fortes influências da Filosofia, e que por causa disso, somos constantemente assolados por questionamentos filosóficos profundos (sem falar que nossa vida fica muito mais complicada quando temos que escrever um texto filosófico sem usar termos como "Ontologia" e "Epistemologia", por que o público-alvo não tem este conhecimento a priori). Estou com uma séria dúvida agora, a respeito das teorias que falei.

De fato, elas são muitas e muito variadas. Frequentemente, são diametralmente opostas entre si. Mas apesar de tamanha variedade, consigo identificar dois grandes grupos de teorias: as Poéticas e as Objetivas. Poderia ter escolhido nomes mais exatos, como "Sofistas" e "Socráticas", mas prefiro nomes mais acessíveis, pois, tirando os eventuais colegas meus que visitam este blog, poucas pessoas aqui estudam filosofia de maneira tão hardcore como eu (a não ser que a UCS tenha arranjado mais uma cadeira caça-níqueis para os cursos da Informática, né Huginn e Lady Hell?).

Enfim, dividi as teorias nestes dois grandes grupos baseado em seus pontos comuns mais evidentes. Os autores das linhas Poéticas são na grande maioria das vezes refinados, com um ar de nobreza e inteligência inatingíveis por meros mortais. E eles fazem questão de demonstrar isto quantas vezes for possível. Com freqüencia, possuem seguidores. Sua obras são volumosas, cobertas por um verniz de intelectualismo, cheios de palavras e conceitos complicadíssimos, incompreensíveis, até. Os autores Objetivos, por outro lado, são um tanto quanto apagados, "plebeus" por assim dizer, muito parecidos ou iguais a qualquer pessoa sobre a face da Terra. Seus textos são, pelo menos comparando com as obras Poéticas, mirrados em páginas, despojados de intelectualismo e conceitos técnicos cabalísticos, contendo apenas o que o autor considerou essencial, escrito num estilo muito simples.

Tanto os Poéticos quanto os Objetivos demonstram interesse em propagar seu conhecimento, mas diferem radicalmente na forma como o fazem. Para ser capaz de compreender o que um Guru Poético ensinou, é necessário primeiramente ser aceito em um grupo de seus seguidores, tornar-se parte de seu séquito. Feito isso, precisa-se estudar por anos, todos os textos que o Guru escreveu. Começa-se pelos escritos mais básicos, que pertencem ao Senso Comum, e ir evoluíndo para os mais avançados e arcanos, sempre procurando absorver, sugar seu conhecimento, entender suas explicações do mundo, tornar-se imagem e semelhança do Guru. Feito isso, você pode ser considerar um Fulanista: um seguidor do Fulanismo, que foi criado pelo grande guru Fulano. Você fez um bom investimento, já que o conhecimento adquirido neste processo é eterno e infalível.

Já com os Objetivos, a coisa já é mais sem graça: você apenas entra em contato com alguma teoria de algum autor, lê, estuda, analisa e vê se é racional ou não. Se você considerar racional, aceita e põe em prática (ou pelo menos tenta por em prática). Caso contrário, jogue fora e procura alguma outra teoria que seja compatível com sua lógica. O problema é que o conhecimento dos Objetivos já vem com prazo de validade, e precisa ser trocado assim que você encontra uma teoria melhor que a que já conhecia.

Acho que divaguei para muito longe da Psicologia. Observei estas duas correntes no meu curso, e devo admitir que sinto-me atraído pelos Objetivos. Talvez por causa de algum fator da minha personalidade, ou por pura ignorância. Não sei dizer bem o porquê. O fato é que, tenho muito mais aulas e explicações sobre teorias que escolhi chamar de "Poéticas" do que sobre as que chamei de "Objetivas". E cada vez mais, percebo que vou na contramão de meus colegas, cujos olhos brilham com as intrincadas e poéticas explicações de certas aulas. Quando pensei no meu apelido para postar no blog, pensei em "Andarilho" por que todo andarilho é solitário por natureza. E estou só nesta jornada, ou pelo menos não tenho muitos companheiros de viagem (que, imagino, preferem a expressão "amolação de facas" à jornada).

Resumindo toda minha dissertação, todos nós buscamos a Verdade, mas de formas diferentes. Muitas pessoas procuram uma explicação convincente, perfeita, que crie um mundo perfeito onde qualquer coisa pode ser explicada (uma Fulanolândia, por assim dizer). Uma vez que encontram esta explicação, se acomodam e se contentam em explicar tudo. Algumas outras, bem poucas, nunca se acomodam, e procuram sempre a Verdade absoluta. Constantemente questionam seu conhecimento, e buscam algo melhor, mais completo. Nunca a encontram, pois parece que sempre falta metade do caminho para percorrer, por mais que tenham caminhado. Portanto, nunca descansam.

Tudo o que vivi me levou a acreditar que a melhor forma de buscar a Verdade incansavelmente, nunca se dando por satisfeito com o que se sabe. Mas agora, depois de ver que tantas pessoas inteligentes preferem acomodar-se com uma explicação convincente o bastante para parar de procurar, fiquei em dúvida. Está é a dúvida filosófica que me assola: qual é o caminho certo?

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Relatos de um Calouro no Movimento Estudantil da UFRGS

Acho que faz uma semana desde que li a respeito da invasão da reitoria da USP pelos seus estudantes. Sentindo o cheiro da "pólvora no ar", ou em outras palavras, a eletrecidade na atmosfera acadêmica, me flagrei pensando "tomara que arrebente uma merda parecida aqui na UFRGS, pra que eu possa invadir a reitoria também!"

No dia 5 de junho de 2007, aproximadamente às 9 horas da manhã, estava caminhando pelo Campus do Centro, procurando um computador que não estivesse Orkut bloqueado (era pra coisa útil, gente, eu juro). Caminhar pelo Campus do Centro é uma experiência maravilhosa para mim, que vivo no Campus Saúde. Meu campus, se é que posso chamá-lo assim, é tudo, menos um campus universitário. É um amontoado de prédios da UFRGS, que calham de estarem fisicamente próximos uns dos outros. Mas não há nenhum tipo de interação real entre os cursos: estudantes de Farmácia ficam na Faculdade de Farmácia, estudantes de Psicologia ficam no Instituto de Psicologia, separados por grades e preconceitos. No Campus Centro ocorre justamente o contrário: todos estão juntos de todos, caminhando por entre os prédios históricos, jogando truco no Bar do Antônio, interagindo (engraçado que no Antônio ter cartazes escritos "Proibido jogar cartas" dentro de um certo horário. As partidas de truco devem pegar fogo).

O Campus do Centro é sede de vários cursos, mas o principal deles não é contado como tal: o curso de Movimentação Política.

Durante minhas andanças, acabei passando na frente da Faculdade de Educação, onde havia um aglomerado de pessoas em torno de alguém com um megafone. Eu sabia o que era, pois tinha recebido um panfleto sobre um ato público naquele local ainda noutro dia. A curiosidade me levou até lá, para tentar escutar o que diziam. Me arrependi. Tudo o que ouvi foram gritos de guerra batidos, como "Cotas na UFRGS Já!" "Pela universidade pública popular de qualidade", e um punhado de outras abobrinhas que, de tão irritantes, fiz questão de não conseguir lembrar. Fui para a livraria da universidade, que estava vendendo livros por 6,50. Fiquei lá por pelo menos trinta minutos, olhando para as capas dos livros mais interessantes. Nem passava pela minha cabeça que eu estava apenas 400 metros de uma importante manifestação.

Foi depois de uma aula particularmente chata que fiquei sabendo que a reitoria da UFRGS tinha sido ocupada por estudantes em protesto. A primeira coisa que passou pela minha mente não foi aquela imagem romântica dos estudantes, lutando por um mundo melhor, invadindo a sala do reitor opressor e clamando por melhoras. Na hora, pensei "Virou modinha essa história de invadir reitoria agora, porra?!?!" Mas, mais uma vez, o cheiro de pólvora no ar era intoxicante, e meu lado racional lutava contra o desejo de ir lá acampar no saguão.Decidi ver por que estes estudantes protestavam de forma tão veemente, e li outro panfleto, que me entregaram naquele mesmo dia, com muito mais atenção do que li o outro. Está escrito:

Pauta de Reivindicações:

1) Apoio à ocupação da Reitoria da USP;

2) Contra a Reforma Universitária;

3) Redução da taxa do vestibular e ampliação das isenções totais;

4) RU na ESEF já!;

5) Ampliação do RU do Vale;

6) Garantia definitiva dos espaços estudantis. Ninguém toca na TOCA, no CECS, no CEABi e no DACOM;

7) Novo prédio do Instituto de Artes;

8) Ações afirmativas na UFRGS. Onde está a diversidade na universidade?



Já falei como senti-me a primeira vez que li sobre os estudantes na reitoria da USP, e entendo a importância das reivindicações número 4, 5 e 6, pois o que seria de mim sem o nosso amado almoço de 1,30 e o sofá do Diretório Acadêmico? Provavelmente um indivíduo mais estudioso, mas profundamente entediado e infeliz. Também entendo a importância de mudar o prédio das Artes para um lugar mais seguro, pois na última festa que fui lá, uma colega minha quase foi atingida por um braço de gesso na cabeça e o elevador de lá é quase um instrumento de tortura psicológica, e sou compreensivo quanto ao fato de muitos acharem que 95 reais de taxa de inscrição um tanto salgado, mas fiquei intrigado com essas coisas de "Reforma Universitária" e "Ações Afirmativas". O que seriam?


A primeira pergunta foi respondida à noite, durante nossa reunião do DAP, por um convidado que fez parte do DCE-UFRGS, mas que acabou saíndo por divergências ideológicas. Segundo ele, que também acabou saíndo do PSTU por divergências ideológicas (esquerdista demais?), a Reforma Universitária é um projeto do Banco Mundial para privatizar o ensino superior público. Como eu não li, ainda, o projeto de lei da Reforma, fico por isso mesmo, apesar de achar um tanto quanto inverossímil esta explicação. A segunda resposta só me foi dada no dia seguinte. Segundo minha fonte, que considero confiável, ações afirmativas são atitudes que as universidades tomam para aumentar a inclusão social de grupos menos favorecidos, como pobres e negros. E negros pobres. Estava pensando seriamente em ir ocupar a reitoria também, fazer um pouco de turismo por aí, mas me lembrei que tinha trabalho para fazer. Iria para lá se o local continuasse ocupado até quarta-feira.


Dito e feito, quarta-feira dia 6, às 18:30, estava eu e meu companheiro de indiadas Bétts na frente da reitoria, para uma assembléia de estudantes que ocorreria naquele local. Ficamos assistindo, com muito entusiasmo, uma apresentação dos estudantes de Artes Dramáticas. Minha alta sensiblidade para as subjetividades artísticas me levaram a refletir que caralho eu estava fazendo naquele lugar assistindo teatro subsubjetivo. Mas logo a assembléia começou, e discutiu-se de cara uma pauta de extrema importância para a humanidade: a posição da caixa de som. Parecia uma piada de mau gosto aqueles caras com ares de importância dizendo "a proposta número 1 é colocar a caixa no meio do saguão. A proposta número 2 é deixar a caixa onde está, em cima do balcão". Mais dois minutos dessa lenga-lenga e eu iria propor pendurar a caixa no teto.


Não sei se foi só impressão minha, mas os caras do DCE pareciam estar servindo algum interesse que não do movimento estudantil (já falei que eles são filiados ao P-SOL?). Diziam que a assembléia seria democrática, mas também diziam que só alguns poderiam falar (quem era do DCE) por questões de "praticidade". Claro que esta história não colou, e todos que quisessem poderiam, desde que se inscrevessem antes, falar no microfone por até 1 minuto.


Na teoria isso deveria funcionar, mas na prática a coisa foi bem diferente. Tive a ligeira impressão de que o relógio corria mais devagar para quem ia lá na frente falar "Esta ocupação foi uma grande vitória, um marco na história do movimento estudantil", do que quem ia se opor às posições do DCE. E o Guardião do Tempo, o Cara que ficava controlando o tempo, fazia questão de a cada 15 segundos dizer para estas pessoas que o tempo estava acabando. Há boatos que o fio do microfone encolhia magicamente quando alguém deste segundo grupo ia falar. Também fiquei com a impressão de que o chefe do DCE estava na fase da fixação oral que Freud falava, pois ele só largava o microfone a cara e custo. E quando largava fazia beicinho (tá, não fazia, mas bem que gostaria de fazer).


Segundo o DCE, todas as reivindicações que citei acima, menos as de número 1 e 2, foram aceitas pelo reitor, graças à ocupação: a taxa do vestibular será cortada pela metade e as isenções totais serão ampliadas já no próximo concurso, os RUs da ESEF e do Vale ficarão prontos até o final do ano, os espaços estudantis estão garantidos e o Instituto de Artes será movido para o antigo prédio da Faculdade de Medicina no Centro. Inacreditável! Uma guria da História que estava sentada do meu lado no chão do saguão fez uma observação muito interessante, que era muito improvável que uma ocupação de um dia conseguisse mudar as idéias do reitor tão rapidamente. Fiz alguns cálculos mentais e cheguei a seguinte conclusão: 400 estudantes na UFRGS, ocupando a reitoria por um dia, conseguiram muito mais concessões do que 1500 estudantes da USP, que ocupam a reitoria deles há mais de 35 dias. Eu esqueci de falar antes, mas o RU da ESEF é uma reclamação antiga dos estudantes, e a manutenção dos espaços estudantis ainda mais, especialmente no caso da Toca. É realmente significativo que o reitor tenha cedido em tantos pontos nevrálgicos. Provavelmente, os projetos já estavam engatilhados, mas agora foi a hora perfeita para o DCE anunciá-los como conquistas do movimento estudantil.


No fim da assembléia, foi decidido que a ocupação já tinha sido vitoriosa, e, para não por as recentes conquistas a perder, ela deveria ser encerrada. Os estudantes sairiam do saguão da reitoria de cabeça erguida! Vitória! "Ocupar, Ocupar, Resistir pra Estudar!" "Na USP, na UFRGS, quem disse que não viu? Quem disse que tá morto o movimento estudantil!"

Dois colegas meus, um tanto quanto mais velhos do que eu, tanto em idade quanto em vida em universidade, disseram basicamente a mesma coisa: quando você vai nessas manifestações políticas, você tem seus próprios motivos para tanto, seja ideologia, inércia ou vontade de fazer baderna. Mas quem articula estes movimentos também tem motivos próprios, especialmente poder. E, mesmo que você não queira, você acaba servindo de escada para eles. É importante lembrar que praticamente todos os políticos de nossa época começaram nos movimentos estudantil ou sindical.


Desta vez, fui apenas um observador. Talvez, numa próxima manifestação relevante eu seja mais do que isso. Não sei. Mas vi que quem entra nessa brincadeira tem que seguir as regras estabelecidas: coação, fraude, incoerência. Talvez eu entre nesta história para acabar com isso, caçar os marajás. Mas eu não posso me esquecer que o último Caçador de Marajás era o maior de todos os marajás. Talvez eu esteja completamente equivocado quanto as minhas posições. Por enquanto eu não sei responder se fiz escolhas erradas. Me perguntem isso daqui a dois semestres.


Já dizia Nietzsche: "Quem combate monstruosidades deve cuidar para que não se torne um monstro. E se você olhar longamente para um abismo, o abismo também olha para dentro de você."















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-Dicionário para quem está mais perdido do que peido em bombacha:

*USP - Universidade de São Paulo;

*UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Onde eu estudo atualmente;
*DAP - Diretório Acadêmico de Psicologia. Lugar bacanoso;
*RU - Restaurante Universitário. Local de rango barato;
*ESEF - Escola Superior de Educação Física. Também conhecida como Campus Olímpico;
*Campus do Vale - Campus mais isolado fisicamente. Notório pela alta densidade de usuários de substâncias tóxicas (drogados) e por seus parques temáticos (fumódromo). Também conhecido como "A Selva";
*Toca - Lugar todo especial onde os estudantes de Letras e História vão para cheirar maconha e fumar cocaína;
*CECS - Centro Estudantil de Ciências Sociais (presumo eu);
*CEABi - Centro Estudantil da Arquivologia e Biblioteconomia. Só descobri que essa birosca existia ontem;
*DACOM - Diretório Acadêmico da Comunicação. Tem uma mesa de sinuca supimpa lá;
*DCE - Diretório Central Estudantil. Se você procurar no Google, vai aparecer "Você quis dizer: Máfia".

quarta-feira, 28 de março de 2007

Racismo, Liberdade de Expressão e Cotas

Em uma entrevista recente, a ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial da Política da Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), disse que é aceitável um negro ter ojeriza à um branco, já, que segundo ela "Quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou."

Concordo plenamente, mas percebo um furo na lógica dela: alguém conhece algum ex-escravo vivo por aí, e que possa falar a respeito da chibata?

E há ainda outro detalhe que a nobre ministra não percebeu: se os negros têm direito a exercerem o racismo contra os brancos, os índios e os orientais também. Da mesma forma como os brancos contra todos os outros.

Li essa notícia logo após um seminário sobre Cotas Raciais nas universidades, onde os professores convidados defendiam sua implementação na UFRGS com unhas e dentes. Ele alega que os cotistas da UnB (Universidade Nacional de Brasília) mantiveram a mesma média dos demais alunos não beneficiados pelo projeto. Realmente espero que isto seja verdade, e não um malabarismo com os números.

domingo, 25 de fevereiro de 2007

Aventuras Venturosas de um Vestibulando Vagabundo

- Prólogo
- Vai começar o baile

Chegou a hora! Amanhã, sábado dia 6 de janeiro de 2007, vou-me para Porto Alegre, pois domingo começa o exame vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

E já não era sem tempo pra esta merda começar.

Farei um relato diário dos meus feitos nas provas da UFRGS e das minhas peripécias na capital gaúcha. Era isso, e até mais.

- Notícias Fresquinhas de uma Cidade Quente pra Caralho

Hoje acabou o vestibular, finalmente, e amanhã, volto para a maravilhosa Gringolândia, Caxias do Sul. Quando eu estiver bem instalado na cadeira do meu computador, farei o meu relatório diário do meu exame (e sim, falarei sobre a experiência de andar de ônibus em Porto Alegre). Vai ter até fotos. Aguarde (ou não).

- Introdução

Ah, o vestibular! O exame que é nossa porta de entrada para a universidade ou para a demência por esforços repetitivos, ou os dois em muitos casos, especialmente em vestibulares concorridos (leia-se "os de faculdades gratuitas"). Como bem sabem, submeti-me à prova da conceituada Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a UFRGS ("Urgues" para os íntimos), para o muito disputado curso de Psicologia. Eu poderia ter feito as provas (4 dias de pura animação e boas vibes!) em Bento Gonçalves, mas decidi fazê-las na nossa ilustre capital, Porto Alegre. Por que? Porque eu estava morrendo de vontade de cozinhar no concreto portoalegrense! E além do mais, se fizesse a prova em Bento, minha mãe querida me levaria todos os dias, todos os 60 quilômetros que separam Caxias do Sul de Bento Gonçalves. Não, isto não seria bom. Nem um pouco. É bem melhor pegar um ônibus de linha em Porto Alegre do que isto (isto é uma grande mentira, mas esta história fica mais para a frente).

Tinha planejado fazer um mega-post, com tudo o que eu queria escrever nele, mas como tenho muito trabalho pela frente, achei melhor apenas ir postando aquilo que tenho escrito por ora, separado por dias. Cada dia será um capítulo. Tipo em Camilo Mortágua. Aguardem.

PS: Sem fotos, sinto muito. Não consegui passar as imagens do meu celular para o PC.

- 6 de janeiro de 2007

Fomos para Porto Alegre um dia antes da primeira prova, pois nosso cursinho, o Mauá, nos ofereceu (por módicos 10 reais o ingresso) a oportunidade de fazermos uma revisão pré-prova, antes de todas as provas. E como o pré-prova de português e redação seria às 9:30 da manhã, era bom que saíssemos cedo de casa. No carro, veio comigo outro guerreiro do vestibular, Tio Mauri, que trazia na mochila seus 5 livros do cursinho, uns dois ou três cadernos, quatro kg de comida e provavelmente aquele pneu velho que ele catou em Mostardas (melhor não contar essa história).

Fato curioso da viagem: vimos um fusca roxo berrante. Ainda compro um desses.

Já na Capital, fomos direto para a sede do Mauá para assistirmos ao nosso pré-prova. Não há muito o que comentar, exceto que o professor de português jurou que mudaria de nome caso não caísse acentuação na prova do dia seguinte e que descobrimos um novo apelido do professor de química (EMOssexual). Depois da aulinha, almoço. Eu e uns amigos (Babi, Nessa, Morgana, Tio Mauri e Roger) ficamos na entrada do cursinho olhando um para a cara do outro tentando decidir o que fazer. Numa crise coletiva de burrice, pegamos um táxi para irmos até o Colégio Rosário, que ficava à, no máximo, 500 metros de distância, o que me permite calcular que o preço da bandeirada do taxi aumenta 1 pila a cada 100 metros. Mas tudo bem. De lá, foi cada um pro seu canto. Eu fui pra casa da minha tia. Depois de uma bela refeição, uma bela sesta. E depois de uma bela sesta, uma violenta preguiça, preguiça esta que só me permitiu sair da cama às cinco da tarde, para ver o ponto onde eu pegaria meu ônibus, que diligentemente me levaria até o local de prova para o curso de Psicologia. Pegar o ônibus foi tão fácil, e andar nele também. Fiquei imaginando que todos os dias seriam assim tão fáceis. Quem diria que no dia seguinte minhas ilusões a respeito da qualidade do serviço de locomoção púbica, digo, pública de Porto Alegre seriam destruídas.

Depois deste passeio, outro: fui chamado pela mesma turma que me acompanhou no cursinho para ir até a rodoviária comprarmos nossas passagens. E agora, temos um capítulo crucial em nossa história, o que me obriga a contá-lo com o maior número de detalhes possível. Aqui vai nosso diálogo (hexálogo, já que estavamos em 6) com a mulher do guichê:

-Oi, moça, 5 passagens pra Caxias do Sul, pra quarta-feira às oito horas da noite.
-25 reais cada.
-Tem troco pra 50?

Mais pra frente vocês vão entender a moral deste diálogo besta ter sido escrito aqui.

Compradas as passagens, metemo-nas nos bolsos, caímos na gandaia e fomos caminhar pelo centro da cidade. Lugarzinho interessante: velho, fedido e apertado. Ainda assim, encantador. Caminhamos até chegarmos (novamente) ao Colégio Rosário. Não resistimos à tentação e resolvemos comer um cachorro-quente por lá mesmo. Mas não era qualquer cachorro-quente, era O Cachorro-quente do Rosário, o mais famoso da cidade (nem por isso mais caro). A fama é merecida, pois eu nunca pensei que colocar azeite de oliva por cima do queijo ralado pudesse dar um gostinho tão bom. Mas o dono da banquinha pensou. Ele merecia um Nobel.

Como a vadiagem não tinha mais fim, resolvemos ir no Zaffari para comprar umas porcarias pra comer, já que o que Tio Mauri tinha na mochila não iria ser o suficiente para os quatro dias. Eis que então recebo um amável telefonema de meu pai, me passando um belo sermão de como eu tinha deixado de comparecer ao jantar que minha tia tinha cozinhado especialmente para mim. Após este leve esporro, fiquei um pouco abatido, sem vontade de cantar uma bela canção. Mas deixei de frescura quando começamos a discutir com duas outras vestibulandas qual seria a melhor porcaria para comer durante a prova. Ninguém conseguiu pensar em nada melhor que puxar uma cuia de chimarrão e uma barra de rapadura gigante no meio da prova, talvez com a exceção do Cheetos bola (sabor queijo, aroma chulé).

Olho no relógio: são oito e dez da noite. Naquela mesma chamada-esporro, havia combinado com meu pai de voltar para casa às 20:30. Pensei comigo mesmo que chegaria na parada de ônibus às 20:20 e chegaria em casa na hora. Me despedi de todos e desembestei correndo pelo centro de Porto Alegre, na certeza de que acharia logo de cara o caminho. Mas algo de estranho estava acontecendo, pois não me lembrava de ter passado por nenhuma daquelas ruas. Vi que a coisa estava feia quando percebi que estava na frente da Escola de Engenharia da UFRGS, e não na parada de ônibus. Fiquei pensando "Quem é que colocou estes prédios aqui?!" enquanto eu andava agora na frente da Faculdade de Medicina (que na verdade, é o Instituto de Ciências Básicas da Saúde, mas na época eu não tinha a menor idéia de que isso existia). Estava perdido (vocês notarão que esta oração será uma constante nos próximos 4 posts). Em todo caso, consegui descobrir qual era o caminho certo, e peguei meu ônibus às 20:40. No outro dia, faria a primeira prova. A batalha já havia começado. Pensei em fazer como os membros da antiga seita dos Assassinos, que após começarem uma guerra fumavam haxixe e ficavam acordados até o final. Como eu não tinha haxixe, a única opção de alucinógeno era benflogin, mas eu não estava disposto a caminhar até uma farmácia pra comprar um remédio para dor de garganta que dizem ser chapante.

Decidi dormir mesmo.

- 7 de janeiro de 2007

Dia da primeira prova. Comi um café da manhã rápido, porém reforçado, e fui pegar meu ônibus. O ônibus Glória. Foi uma simulação de como as vacas sentem-se dentro de vagões de trens cargueiros. E temo que uma importante Lei da Física fora completamente ignorada naquele veículo: dois corpos não podem coabitar o mesmo espaço ao mesmo tempo. De agora em diante, toda vez que vir a expressão "Foi a Glória", me lembrarei coxas masculinas suadas roçando na minha bunda. Não prolongarei a descrição deste quadro da dor. Desci do ônibus com alegria, apesar do receio de ter perdido naquela bagunça toda minha carteira e minha virgindade anal, e me dirigi até o portão de entrada do colégio Nossa Senhora da Glória, meu local de prova.

Como as provas duram até 4 horas e 30 minutos, é permitido ao vestibulando levar uma garrafa de água, suco ou refrigerante (será que permitem destilados?) para o local de prova. Sem o rótulo. Eu não me importo de ficar com sede, afinal, eu fui para Porto Alegre para conseguir uma vaga para o curso de psicologia, não tomar água. Mas aparentemente eu pertenço a uma minoria. A maioria foi lá para tomar água, só que é burro o suficiente para esquecer a garrafa em casa. Mas para resolver este problema, existem os oportunistas, como por exemplo, a direção da escola, que montou, numa posição estratégica, uma banca que vendia água mineral, e foi só abrirem os portões às 8 horas que um bando de tapados já foi puxando a carteira para comprar a sua. Bom, pelo menos poderiam ter vendido já sem o rótulo.

A escola é dirigida por freiras, e isso fez sentir-me praticamente em casa. Era tudo praticamente igual ao São José: os ladrilhos nas paredes, os corredores escuros e tortuosos, a crônica falta de banheiros masculinos, as escadarias que levam às celas das irmãs fechadas com grades de ferro. Faltava apenas uma coordenadora disciplinar com cara de maracujá de gaveta me xingando por respirar pelo nariz, a tia do SOE (mal)tratando-me como um delinqüente juvenil e uma desculpa para arrombar as grades de ferro e brincar de explorador. Ai, tempos de colégio que não voltam mais.

Na minha sala (no último andar, para variar), fiquei reparando nas pessoas que fariam a prova comigo... meus concorrentes. Fiquei pensando se deveria dar um cagaço neles fazendo pouco da prova quando nos fossem entregues os cadernos de exercícios, ou dizendo que nunca antes na minha vida tinha feito uma dissertação sobre um tema tão fácil. Fiquei quieto, pois apanhar logo no primeiro dia de vestibular não seria legal. A duas cadeiras de distância, do lado da janela, sentava uma gótica que, indiferente ao sol de rachar daquele dia, vestia roupas completamente pretas, com direito a um casaquinho para arrematar. O abobado do meu lado dormia. Duas outras gurias matraqueavam sem parar. Amigas de infância, provavelmente. Imagina se uma passa e a outra não... (um segredinho pra vocês: nenhuma delas passou)

Enquanto eu pensava que deveria ter enrolado mais no corredor para não ter que ficar esperando sentado na sala, os fiscais recolheram a cadeira que estava no corredor e começaram a ler o regulamento para nós. Enquanto liam, tive uma vontade louca de perguntar se eu poderia acender um baseado e fumar durante a prova, só para encher o saco, mas guardei esta bobagem para mim mesmo (mas se fosse permitido, aposto que o cara do meu lado iria puxar uma seda e começar a enrolar um). Depois, começaram a nos entregar as folhas ópticas, e quando uma pessoa não respondeu ao chamado do fiscal, não consegui deixar de exclamar “Menos um concorrente!” em voz alta. Aposto que todos os outros pensaram a mesma coisa. Ao todo, no primeiro dia, faltaram na minha sala umas 10 pessoas. Melhor pra mim.

A partir do momento que foi-nos permitido abrir os cadernos de exercícios, entrei em transe e não parei de responder as perguntas, até acabar com todas, para então ir para a pior parte de toda a prova: preencher a folha óptica. Pintar todas aquelas elipses a caneta é algo desagradável, especialmente se você for bocó e pintar duas na mesma linha, anulando assim, uma questão. O que é uma merda, sinceramente. Apesar de que seria divertido pintar a cara de um gatinho ou um bonequinho de palito desse jeito. Mas não valia a pena.

O tempo de prova que me restava usei para escrever a redação. Saí da sala preocupado, pensando em algo muito importante para minha vida: o que tinha para o almoço? Precisava voltar para casa. Por via das dúvidas, peguei um lotação, pois eu não queria saber como seria dentro do Glória cheio de gente com fome (vai que me comem?).

Às 3 horas, mais uma aula pré-prova. Para alegria geral da nação (e em especial, do Tio Mauri), não azucrinei na aula de química do EMOssexual, apesar dele afirmar categoricamente que a questão 24 , seu número preferido, seria sobre termoquímica (ele errou. A prova de química começa na questão 26).

Saí do Mauá só às 5 da tarde, e de lá, fui para o hotel Everest, usufruir dos direitos de hóspede do Tio Mauri e jogar sinuca, na companhia dele, Doug, Róger e Cris, que não pode comparecer à aula ontem por ter bebido um litro de vodka inteiro (ela deve ter sangue irlandês pra beber tanto assim), além de engraxar meus chinelos na máquina divertida do hall do hotel. Enquanto jogávamos e xingavam minha pouca habilidade (quase encaçapei a bola branca na lata de lixo do lado da mesa), ouvimos a história do Sergipano Louco, que veio desde Sergipe até o Rio Grande do Sul fazendo todos os vestibulares que encontrou pelo caminho. Há boatos que a CIA já está no encalço deste aloprado. A poltrona com rodinhas da sala de jogos era uma diversão à parte.

Mas a brincadeira não acabou por aí. Do hotel, saímos para dar uma outra voltinha no centro: fomos numa farmácia pra comprar gaze. Quase comprei KY, mas não me dignei a gastar 18 reais por um pote de vaselina (o genérico é 14). De lá, fomos para outro Zaffari, comprar mais comida. Aproveitei e peguei uma garrafa de chá gelado. 3 reais. Coisa cara.

De lá, fomos para o apartamento onde Róger e Cris estavam. “Apartamento” é apenas modo de dizer, pois o nome correto seria “apertamento”. No pequeno espaço de 3 metros por 4, dormiam 6 pessoas. Senti um calafrio correr minha espinha, e por algum motivo que ainda não consegui desvendar, subitamente lembrei-me do ônibus da manhã. Mas nem tudo foi ruim: aprendi a jogar dardos! É um joguinho muito divertido, pena que jogadores menos capacitados do que eu sempre estraguem o reboco das paredes e destruam os móveis próximos. Depois dizem que EU sou sem-noção... (sou mesmo, mas isso não vem ao caso)

Mas não podia me enrolar, e não muito mais tarde, tive que ir embora, pois meu retorno ao lar era imperativo. Para os mentalmente incapazes: precisava voltar pra casa. Sai com Tio Mauri e o acompanhei até a porta do hotel. De lá, saí apressado em direção ao ponto de ônibus. E adivinhem o que eu fiz? Me perdi mais uma vez. Só que desta vez caminhei tanto, mas tanto que fui parar do lado do Rio Guaíba. Olhei para a antiga sede da prefeitura e pensei de novo: “Da última vez esse prédio não tava aqui!”. E como uma barata tonta, sai a caminhar. Pensei em ir até a rodoviária, que não era muito longe dali, e pegar meu ônibus lá. Mas enquanto passava na Rua Voluntários da Pátria, rua que está para Porto Alegre assim como a rua da Nosso Pão está para Caxias, tive uma visão que encheu-me de alegria (não, não era um traveco): a Santa Casa. Um ponto de referência, o que significa que não precisaria ficar perdido!

Não há muito mais o que contar depois disto: cheguei em casa, comi e dormi (não sem antes ter que assistir o “Carros”). Quando me deitei, refleti sobre meu dia, e cheguei a seguinte conclusão: “devia ter trazido a bússola”. Ah! Pensei também: “Prova de biologia amanhã”. E dormi

- 8 de janeiro de 2007

Segundo dia de prova. Minha cama estava agradavelmente quente e confortável, o que me impediu de sair dela e fazer a prova, fazendo-me perder todo o vestibular.

Tá, isso é mentira, mas confesso que realmente pensei em ficar em casa dormindo. O que me levou a tirar minha bunda do colchão foi o pensamento que, se eu não passasse esse ano, eu teria que repetir a dose de vestibular em 2008. Nada agradável.

Tinha decidido pegar um táxi hoje, e ver se valia a pena gastar mais para não levar roçadas (calma, a viadagem ficou no post anterior), o que me daria muito mais tempo para gastar fazendo coisas que antes eu faria correndo, como tomar café, por exemplo!

O dia 8 de janeiro foi muito mais bonito que o dia 7, só pelo simples fato de não ter que esperar um ônibus lotado, mas apenas escolher um táxi, acomodar-se no banco da frente e dizer “Pro colégio Nossa Senhora da Glória!” Valeu a pena gastar 4 vezes o preço da passagem na corrida só por isso.

Por um erro de cálculo, cheguei muito cedo no local de prova. Ao contrário do que muitos poderiam pensar isto não é uma coisa boa, afinal, eu teria que ser muito mais criativo e paciente para descobrir novas formas de enrolar antes de abrirem os portões. Comecei a jogar pinball no celular, mas a brincadeira perdeu a graça depois da quinta vez que quebrei um recorde.

Enquanto isso, outro oportunista resolveu vender água mineral na frente da escola, mas do lado de fora. Isso garantia uma vantagem estratégica, já que, para comprar dele, não era necessário esperar abrirem os portões. A propósito, esse vendedor também não tirava os rótulos das garrafas. Aposto que muito preguiçoso pagaria 50 centavos a mais por este serviço. (eu não seria um desses. Mas provavelmente faria o possível para estourar uma guerra de preços)

Como no dia anterior, abriram os portões às 8 horas, e foi o estouro da boiada para dentro do prédio. Engraçado como as pessoas pensam que, se chegarem antes que todos os outros na sala de prova eles farão uma prova melhor. Eu tenho um pensamento ligeiramente diferente: eu farei uma prova melhor se antes de começar eu fizer todas as minhas necessidades fisiológicas. E foi para este fim que utilizei a meia hora entre a entrada e o começo do exame do dia. Gostaria de fazer uma pequena observação sobre como os banheiros masculinos em colégios dirigidos por freiras são marginalizados e escondidos, forçando os homens que desejam utilizar o toalete deslocarem-se pelo menos 50 metros a mais que as mulheres. CADÊ A IGUALDADE DE SEXOS AQUI?!?! Não vem ao caso de qualquer maneira.

Depois de meia hora enchendo murcilha nos corredores, decidi que seria melhor apresentar-me na minha sala. Muitos dos vestibulandos que faltaram no dia 7 apareceram hoje, talvez na esperança de conseguirem uma vaga por sorteio. HA! A gótica hoje usava uma blusinha vermelha, com a mesma saia do outro dia. Será que o cinto que ela usa foi costurado diretamente em sua cintura, impedindo que ela troque de saia? Ou ela nasceu usando aquela saia preta? E, aliás, o que uma gótica quer na Psicologia? Mais a frente, um indivíduo usando uma camisa branca completamente desabotoada por cima de uma camiseta física, com cabelos lambidos para trás, tomava Red Bull enquanto passava o cha-la-lá em uma coleguinha. Sim, estamos falando do Amante Latino®, primeiro, único e insubstituível. Só esperava que todo o gel que ele passou nos cabelos não tenha atrapalhado seu desempenho intelectual (que mentira, claro que eu esperava isso!).

Hora da prova. Nunca vi uma prova de geografia tão complicada. Alguém sabe onde fica Frederico Westphalen? Qual é a atividade econômica local, além da boa e velha fofoca entre vizinhos? Será que a prefeitura ganhou um cachê por aparecer na prova da UFRGS ou teve que liberar um jabá na mão da COPERSE para ser citada? Química costumava ser mais divertida no tempo de escola, quando tudo o que tínhamos que fazer era tocar fogo em algumas porcarias e proteger os olhos por causa da explosão. Bem que essa prova poderia ter sido igual. Com a Biologia, a coisa foi mais tranqüila. Nem parecia que no começo do ano eu só sabia que aves têm penas!

Como podem imaginar, demorei bastante antes de terminar todas as questões e sair para o almoço. Voltei para casa de lotação mais uma vez. Como ele sempre me deixava a alguns quarteirões de distância de casa, eu precisava caminhar e dobrar uma esquina. Adivinhem como me perdi hoje? Esqueci onde era essa esquina. Só me dei conta que tinha deixado algo para trás quando passei na frente de uma escola infantil com os 7 anões na frente. Pensei em fazer alguma coisa com aquelas estátuas bestas, como, por exemplo, coloca-las no meio da rua com uma placa escrita “Sexo oral por um prato de comida”. Seria realmente divertido, e provavelmente alguém já teria feito isso antes de mim, se não fosse a cerca elétrica que protegia os nossos amiguinhos anões de jardim. Voltar para casa e almoçar era o melhor que podia fazer.

Às 3 da tarde, como sempre, teríamos a aula pré-prova, mas hoje seria um pouco diferente dos outros dias, pois meu transporte dependia exclusivamente de mim. Contrariando o que aprendi sobre os meios de transporte coletivo porto-alegrenses, decidi pegar um ônibus. Levei meia hora só para descobrir o ponto correto, e só decidi pegar um táxi quando meu atraso já era certo. ME ABANE TERESINHA!

Depois do pré-prova, o momento que eu mais ansiava: jogar sinuca. O Róger, que tem a incrível habilidade de descobrir todos os barecos e buracos com mesa de sinuca num raio de um quilômetro quadrado, nos apresentou ao Porto 10, lugarzinho show de bola com mesas muito boas (dava até pra jogar nelas!). Hoje foi meu dia de brilhar. Se tivesse ido tão bem na prova quanto eu fui na jogatina do dia, eu teria gabaritado biologia e química (geografia eu ainda teria errado aquela de Frederico Westphalen).

Como o pessoal ainda tinha fôlego de sobra depois de beber cerveja e sinuquear, fomos a pé, desde o bairro Floresta até o Parque da Redenção, algo em torno de 6 ou 7 quilômetros de distância. Uma verdadeira mixaria. No caminho, passamos pela Faculdade de Medicina (ICBS...) e pela Escola de Engenharia mais uma vez. É um prazer incrível passar por um lugar e poder dizer “Puta merda, eu já me perdi aqui!” Coisas que só o vestibular faz por você...

Mas eu não tinha muito tempo a perder pois, para variar, precisava voltar para casa antes que o expediente dos trombadinhas e tarados começasse (8 horas) para jantar, e depois do jantar, me apavorar com a prova do dia seguinte: Física e Matemática.

-9 de janeiro de 2007

Tenho 18 anos, 12 dos quais passei estudando em diversas escolas: 8 anos de Ensino Fundamental, 3 de Ensino Médio, 6 meses como intercambista e mais 6 de intensivo pré-vestibular. 12 anos. E nesses 12 anos eu não aprendi nada, absolutamente nada de Física! E nesta terça-feira ensolarada, no momento que acordei imediatamente me lembrei deste pequeno detalhe, e que em algumas horas eu teria que fazer uma prova de Física, que eu precisava ir bem para poder entrar na Universidade Federal! “Fodido, você está” diria o Mestre Yoda.

Porém, por menos que eu soubesse, ainda teria que fazer a droga da prova. “É só peso 1, não vai mudar grande coisa na média harmônica” disse uma voz em minha cabeça no caminho para o local de prova, “é só ficar uma ou duas questões acima da média” disse outra. Uma terceira voz falou “Vamos! Pense nas aulas de física do tempo de escola! Você tem que se lembrar de alguma coisa!” Imediatamente após esta voz ter se pronunciado, fiquei relembrando as aulas que tive nos últimos três anos, e tudo que consegui lembrar foram minhas sonecas durante as explicações, da minha admiração pela rua dos 18 do Forte ao invés de fazer os exercícios e de uma certa invasão à casa das freiras de São José bem no meio de uma aula de Física.

É... eu não fazia bosta nenhuma na escola, e só naquela hora crítica me dei conta de que invadir conventos não cai bem no currículo, e muito menos ajuda na hora do vestibular. Mas o tempo não volta, e se voltasse, provavelmente eu tentaria descobrir o que as freiras escondem atrás daquela porta no fundo do auditório ao invés de estudar mais, o que não teria adiantado nada de qualquer maneira (talvez servisse para anatomia, pois deve ter um monte de criancinhas mortas). Era tarde demais.

Eis que vejo uma luz no fim do túnel: meu professor de física do Mauá, Dideron. Fui bater um papo com ele, ver se ele conseguiria salvar minha vida. Para não parecer desesperado, comecei perguntando coisas simplórias, como por que ele estava ali no Colégio Glória quando quase todos os professores estavam no Colégio Bom Conselho (tudo por causa da Medicina, esse curso supervalorizado a troco de nada). “Vim trazer minha filha aqui” disse ele. “Ótimo!” pensei eu “uma concorrente que com certeza sabe física!”. Devia ter perguntado alguma outra coisa. Bem, feita a parte social da coisa, resolvi ser direto, e pedir algo de ordem prática: “Quantas questões eu preciso acertar pra passar no vestibular?” Depois de alguns cálculos levando em consideração a possível média da prova e o provável desvio padrão, Dideron chegou à conclusão de que 12 acertos seria uma boa média, mas só para ficar tranqüilo mesmo, era melhor acertar 14. “Ah, tá” falei, mas pensava “como se fosse escolha minha isso”.

Abriram-se os portões! Como sempre, a pressa dos meus concorrentes para chegarem às salas de prova era algo impressionantemente estúpido, pois é como não querer se atrasar para a própria execução. Eu pelo menos estava neste espírito de desespero. Pelo menos eu ainda poderia procrastinar nos corredores. Procrastinar. Adoro essa palavra. Parece que significa algum tipo de pecado capital, um crime imperdoável, mas no fim significa apenas “enrolar”. Bem, pelo menos, para enrolar nos corredores, o fato de que o banheiro masculino era extremamente mal posicionado veio a calhar, já que me obrigava a caminhar bem mais.

Quase no final do meu tempo de vadiagem malemolente do vestibular, como diria o Jacaré Banguela, entrei na minha sala. Lá estava a gótica, novamente de preto. Acho que a cor vermelha era apenas uma fase intermediária na muda da pele dela, naturalmente preta. Góticos são black, e qualquer coisa diferente é fora do natural.

Começou a prova. Li a primeira página, a segunda, a terceira... todas, até o fim, e cheguei a conclusão de que não tinha a menor idéia de por onde começar. Pensei em rasgar o caderno de exercícios e socar as folhas goela abaixo de qualquer fiscal que aparecesse pela frente, para depois sair gritando pedindo ajuda ao Divino Deus.

FATO CURIOSO: No regulamento do Vestibular, consta que, se algum vestibulando agredir de qualquer maneira (verbal, psicológica e/ou fisicamente) um fiscal, organizador ou coordenador, ele será imediatamente desclassificado do Concurso. Mas não há nenhuma outra regra equivalente sobre agressões contra outros vestibulandos. Talvez seja assim por que a COPERSE considere um meio válido para entrar na universidade o espancamento dos colegas mais fracos...

Mas logo após estes pensamentos nihilistas passarem por minha mente, minha maior habilidade veio à tona. Alguns dão o nome de “Sangue Frio” para este poder. Eu chamo de “cagar e andar”. 85% dos candidatos a alguma vaga da Federal não tem esta habilidade, e não surpreende que sejam os 85% que rodam. Extremamente calmo, comecei a tentar fazer as questões mais fáceis. Não achei nenhuma que pudesse classificar como “fácil”. Fui para as regulares e então para as difíceis, que pareciam multiplicar-se como coelhos.

Faltando apenas 30 minutos para o final da prova, comecei a chutar, primeiro na prova de física (que eu erroneamente tomava por mais fácil), mas ainda insisti em resolver manualmente as questões de matemática, e calculei, usando apenas papel, caneta e neurônios quanto é 5,01 elevados na quinta potência. Não adiantou para nada e comecei a escolher as alternativas esteticamente mais atraentes para assinalar.

Sai da sala faltando apenas 5 minutos para o fim, e apesar disso, ainda não tive que ficar esperando o último seqüelado terminar a prova. Ótimo. Poderia ir mais cedo para casa (como isto significasse algo à uma da tarde).

Depois de um almoço frio por causa do meu atraso, fiquei fazendo hora (procrastinando novamente) até a hora de ir para a aula Pré-Prova. Desta vez, cheguei bem a tempo de não me atrasar. Era o último dia de pré-prova, e esta tarde a última em Porto Alegre sem ter que se preocupar em pegar o ônibus. Era melhor aproveitar bem.

A aula foi muito interessante: o professor Riggo, de história, provavelmente exagerou na dose de orégano no cigarrinho da tarde, e ficou completamente fora da casinha durante sua explicação (“O nome desse cara faz todo mundo pensar em mim: Che Quevara. É por que eu tenho um tição. Não, eu não vou mostrar pra vocês. Vai rolar no chão até a porta. Eu não quero ter que enrolar depois”. Essa foi só uma das pérolas dele. Vou sentir falta desse cara). Conheci outro professor de história geral, que dá aula apenas em Porto Alegre. As aulas dele devem ser também muito interessantes, por que não fazia 5 minutos que ele havia entrado na sala de aula e já tinha metido o dedo do meio na cara de um infeliz na segunda fila, enquanto o Fábio (o OUTRO professor de história geral) escrevia no quadro sobre a Grécia Antiga. Infelizmente, o professor de inglês que nos deu aula foi o de Porto Alegre também, sem o apoio logístico do Martim. Nada surpreendente, já que o Martim nunca aparecia em Caxias para nos dar aula, dando sempre uma desculpa mal-feita, como dor nas costas que sempre se manifestam às 11 da manhã, horário que ele deveria estar no Mauá dando nossa aula, ou que ele passando por Canoas. Nossa turma sempre fazia um bolão quando ele chegava atrasado. Ganhava quem acertava por qual cidade ele estava passeando ao invés de estar trabalhando. Geralmente eu apostava em Erechim, Nova Roma do Sul o São José dos Ausentes, mas tenho a leve impressão de que eu escolhia sempre cidades próximas demais de Caxias. Ou talvez em São José dos Ausentes não haja nenhum aparelho para supino que agüentasse 150 quilos. Não sei, apenas sei que foi uma pena não ter tido a chance de sacaneá-lo mais uma vez a respeito de suas inexplicáveis viagens ou de gritar “THAT’S BULLSHIT” no meio da aula. Que tristeza.

Escalado como sou, fui depois da aula para o quarto do hotel onde o Tio Mauri, a Babi e a Nessa estavam hospedados, bem do lado do elevador, para comer de graça todas as porcarias que eles trouxeram. Tive a impressão que a temperatura ambiente lá era pelo menos dez graus menor do que a natural, talvez por causa dos genes de esquimó da Babi. A cama do Tio Mauri era como um depósito: todas as tralhas iam parar lá, principalmente os papéis de chocolate vazios. Dentro do frigobar tinha um pedaço de melancia e uma garrafa de chá gelado (oba!). Tomei metade do chá gelado, mas não tive tempo de sequer encostar na melancia por que, enquanto reclamávamos dos clipes que passavam na TV (deveria ser proibido por lei produzirem clipes para músicas de reggae. Aliás, deveriam proibir o reggae no Brasil, com direito a surra de toco de bugre para os infratores), por algum motivo que desconheço, estourou uma guerra de travesseiros entre a Babi e o Tio Mauri, sobrando paulada pra mim também. Os olhos da Babi brilhavam com uma intensidade maligna, insana, como se ela quisesse ao invés de acertar-nos com uma almofada, partir-nos ao meio com um machado sujo e enferrujado, para caso não tivéssemos uma morte instantânea, morrêssemos por tétano ou infecção generalizada.

Isto estava realmente nos assustando, mas a fome era ainda pior. Resolvemos dar trégua e jantar fora (do hotel. Fora eu já estava de qualquer forma). O elevador do hotel era realmente divertido de brincar: quando ele balançava demais, parava de descer. Fizemos isso tantas vezes no caminho para o saguão que quando chegamos, ele (o elevador) parou 30 centímetros abaixo do nível do saguão. Reportei ao atendimento que eles precisavam urgentemente chamar a assistência técnica. Só não falei que era por culpa nossa. Passando pela Biblioteca Pública e pela Praça Júlio de Castilhos, fomos tomar um café num shopping com escadas rolantes mal posicionadas (coisa que a Babi não parava de falar). Tirando o preço (salgado) foi perfeito. Depois da janta, paramos no Zaffari do shopping mesmo, pois as gurias queriam comprar energéticos para a prova do dia seguinte. Idéia ruim, se me permitem dizer. A Babi já é hiperativa e desconcentrada em seu estado natural, imagine com 100 ml de cafeína no sangue. Senti pena, mas muita pena dos fiscais da sala dela. Iriam sofrer bastante.

Meia hora de espera na porta do mercado (enrolação pouca é bobagem) e um tombo lindo na escada rolante depois, começamos nosso caminho de volta para o hotel, onde o Róger e a Cris iriam aparecer para jogar cartas. Já eram 9 da noite, e quando passamos na frente de um ponto de táxi, uma batalha interna estourou dentro de mim. Ficaria fazendo festa até altas horas da madrugada e dormia lá no hotel mesmo, ou voltaria para casa para me deitar às nove e meia?

Voltei para casa. Tinha deixado minha caneta lá.

-10 de janeiro de 2007 ou Aquele da Passagem de Ônibus

Foi realmente um presente dos deuses que o último dia de vestibular fosse História, Literatura e Inglês. Dava até a impressão de que as provas haviam acabado na terça-feira, e que a quarta seria só um passeio. Passeio importante, como aqueles do tempo de escola que exigiam relatório valendo uma caceta de nota. Mas passeio é passeio: sempre divertido!

Fui tranqüilo e sereno para o colégio Glória (de táxi, claro), e mais uma vez, enquanto esperava darem a largada para a corrida do Vestibular pra ver quem senta primeiro nas classes, fiquei olhando o povo ao meu redor. Incrível como tem gente que estuda na frente do local de prova com aqueles jornalecos que o cursinho Objetivo distribui. Não são ruins, devo admitir: arrependi-me de não ter dado uma lida mais profunda na edição número 3 (matemática e física).

Como sempre fiz desde o dia 8, fiquei enrolando no corredor, esperando às 8:29 para só então entrar na sala. Fui ao banheiro, olhei as pinturas de Jesus (no corredor, claro. Não gostaria de ficar encarando o Cristo enquanto fazia o número 2), ajudei uma guria a catar a papelada que escorregou para o chão. “Bacana ela” pensei com meus botões, “pena que é concorrente, e eu vou tirar a vaga dela” (e tirei mesmo).


Só depois de muito vagar, dei as caras na minha querida sala 123. Foi o único dia que me arrependi de ter chegado mais tarde, pois minha vaga de sempre tinha sido ocupada. Deveria ter colocado um cartaz na cadeira, com os dizeres “Reservado para a bunda do Samuel”. Azar. Sentei no meio da sala, longe de qualquer parede para me escorar, o que é uma merda. A gótica estava, como sempre, na sua janela no canto, inatingível, desta vez toda de preto, na sua coloração natural. Há quem diga que góticas não gostem apenas de roupas pretas, mas vermelhas e roxas também. Pessoalmente acredito que estas cores apareçam apenas na época de muda, ou são determinados por genes recessivos, como o albinismo. Também existem góticas albinas, isto é, que vestem blusas e vestidos brancos, mas estas são chamadas de “Mães-de-santo” (prometo que esta foi a última vez que faço esta piada).

A prova não foi um passeio agradável como eu imaginei que fosse, mas ainda assim foi o melhor dia de todos, tanto que pela primeira vez de todas as vezes que fiz vestibular, saí logo após o tempo mínimo de permanência, no caso, 2 horas. Esta saída antecipada garantiu-me o privilégio de ver em primeira mão um efeito sociológico interessantíssimo: os pais acampados na frente do colégio, com cadeiras de praia e chimarrão, esperando os filhotes terminarem a prova. Naquele momento dei graças ao Senhor pelos meus pais terem voltado para Caxias: tudo o que eu mais gostaria de ter que responder depois de sair de uma prova é “E aí? Como é que foi?” para eles. Parece que vai fazer alguma diferença se eu disser alguma coisa.

O dia seria bem diferente dos outros, a começar pelo fato que as pré-provas acabaram. Ao invés disto, teríamos a Festa das Tintas, “Um no-jo, mas vocês a-do-ram!” como diria o Riggo. Sem falar que teríamos que pegar nosso ônibus às 20 horas.

Comprei uma camisa e uma bermuda bem vagabundas, já que era para sujar com tinta, e fui para a sede do Mauá. A festa começaria às 15 horas, mas isso fica só no plano teórico. Começou às 16. Sobre a Festa não há muito o que falar, já que foi só (!) tinta, cerveja e som alto. Foi bem divertido ficar jogando tinta diluída em água nos outros. Aquela camisa que comprei era branca. Agora é verde. E aqueles óculos escuros do Tio Riggo não enganavam ninguém (ervas medicinais foram usadas. Em excesso).

Depois de uma ida ao banheiro para se trocar tumultuada pelo segurança (só duas pessoas podiam usar o banheiro ao mesmo tempo. Vai entender), fui para casa tomar meu banho, pegar minhas tralhas e ir pra rodoviária. Foi aí que começou a farra.

Cheguei, bem feliz, já pensando no chuveiro, quando descubro uma coisa muito pouco agradável: na passagem de ônibus, o horário escrito era 19:00, e não 20:00, como eu pensava. E já eram 19:20. Liguei para a Bárbara e falei sobre o ocorrido. Ela ficou realmente estressada. “EU VOU CONSEGUIR ENTRAR NAQUELE ÔNIBUS ÀS OITO HORAS E EU NÃO QUERO SABER SE ARODOVIÁRIA FEZ ERRADO! EU VOU RODAR A BAIANA!” foi mais ou menos o que ela disse no telefone, enquanto eu dizia, em vão, para termos calma. Em todo caso, chegamos a um consenso, e iríamos todos para a rodoviária antes das oito horas. Alguns minutos depois, a Bábi ligou novamente, e disse que, se quiséssemos acertar as nossas passagens, teríamos que nos dirigir ao guichê 15, e falar com... com... com uma mulher de nome muito estranho.

Depois de um banho extremamente longo (10 minutos) para tirar a tinta dos cabelos, chamei um táxi e fui para a rodoviária. No guichê 15, tive o seguinte diálogo:

-Oi, me venderam uma passagem com o horário errado, deveria ser para às oito horas, não às sete, e me disseram que eu deveria falar contigo pra conseguir uma nova.

-Não posso fazer nada por você. Essa passagem era para o sábado passado.

-Obrigado.

A primeira coisa que fiz depois desta conversa animadora foi ir direto para um cesto de lixo e jogar a passagem fora, e a segunda foi ficar olhando os táxis que chegavam, para ver se os outros vinham ou não.

Não demorou muito, e Vanessa, o Tio Mauri, a Morgana e a Bábi chegaram, as duas últimas com vontade de tocar fogo no circo (no sentido figurado) e na rodoviária inteira (no sentido verdadeiro). Não estava interessado em perder tempo, por isso fui logo contando a boa nova, que não só o horário de nossas passagens estava incorreto, mas também a data! Agora sim, aquele colóquio do dia 6 faz sentido. E neste mesmo colóquio, faltaram duas linhas, as seguintes:

-Opa! A data e o horário tão errados! Troca aí, moça.

-OK.

Sabe por que faltaram essas duas linhas? Por que não conferimos porra nenhuma. Eu considerava isto nossa própria responsabilidade, e não me oporia a pagar mais 25 reais de passagem, mas eu e a Bábi não compartilhávamos a mesma opinião. Ela e a Morgana decidiram que iriam ao menos conseguir ressarcimento pelas passagens terem sido vendidas com a data e horário torto. Fui até a lixeira e peguei de volta minha passagem, que ainda não tinha sido coberta por papel de picolé e resto de chimarrão.

No Guichê 15, a conversa foi bem animada: já saíram reclamando da passagem errada, pediram para entrar no ônibus das oito ou dinheiro de volta, e rolou até a clássica “Eu quero falar com o seu supervisor!”. O problema foi que ela era a supervisora. Daí não há condições de por ela contra a parede. Em todo caso, ela disse que não era problema dela, da rodoviária, mas da empresa de ônibus, a Caxiense. Saímos correndo até a sala da compania para reclamarmos, e de lá, para o bloco 3, onde se efetuam as saídas para Caxias.

A Bábi encontrou o motorista do ônibus e falou do nosso problema. O motorista, muito solícito, pra não dizer “filho da puta indiferente” ou coisa pior, disse que o problema não era da Caxiense, mas da rodoviária, e também disse que eram só mais 25 reais para comprar uma passagem nova, para às nove. “Ótimo” pensei “agora é correr de novo pro guichê 15 e encher os pacová daquela mulher de novo”. Mas não foi o que aconteceu. A Bábi grudou naquele palhaço como um carrapato, e disse que nós não tínhamos mais dinheiro. Meu lado que nunca mente ia dizer que isto era mentira, mas meu lado mais ladino deixou por isso mesmo, pois até meu lado que nunca mente é pão duro, e minha carência afetiva não iria deixar uma nota de 20 e um 5 me deixarem para todo o sempre.

O desgraçado do motorista era osso duro de roer, e só parava rindo da nossa cara. Eu não tinha muitas esperanças de usar minha passagem para algo mais útil do que assoar meu nariz. Mas a Bábi mostrou a que veio, e seguiu ele por todos os lugares que ele ia. Ela conseguiu colocar ele contra a parede quando conseguiu fazer com que ele dissesse o próprio nome e sobrenome. Pronto! Se ele não nos deixasse entrar, era só ligar pra ouvidoria da Caxiense e reclamar daquele Fulano. Ela devia fazer Direito, essa guria. Seria uma advogada tão boa que conseguiria convencer todo mundo que o Fernandinho Beira-Mar é gente boa.

Eu nem me lembro do nome dele, o que prova que não tivemos que tomar medida tão drástica. Às 19:55, ele cedeu e deixou que entrássemos no ônibus, desde que houvesse lugares. Saímos correndo para chamar os outros, que ficaram esperando perto dos guichês com as bagagens. Saí correndo pro lado errado (digo isto por que muitas pessoas reclamaram que não me perdi no dia 9, e elas estranhariam se o mesmo ocorresse no dia 10).

Com as nossas bagagens e bundas já no ônibus, relaxamos, sentados do ladinho do banheiro do busão. Depois de tanta farra, aventura, prova e farra, passei a ver minha vida por um outro ângulo, e adotei uma nova filosofia de vida: tenha sempre um mapa à mão.

E este foi o último post das “Aventuras Venturosas de um Vestibulando Vagabundo”. Não haverá reprise ano que vem, pois eu passei nesta droga de concurso.


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